18/05/2024 - Edição 540

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‘Comunismo’ é ameaça para 44%, diz Ipec, mesmo que não saibam o que é isso

Governo Lula é avaliado positivamente por 41% e reprovado por 24%

Publicado em 20/03/2023 9:08 - Leonardo Sakamoto (UOL), Congresso em Foco – Edição Semana On

Divulgação Reprodução

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Pesquisa Ipec, divulgada ne domingo (19), aponta que 44% concordam totalmente (31%) ou em parte (13%) com a afirmação de que Brasil pode se tornar comunista. O fascinante é que muitas dessas pessoas não fazem ideia do que seja o comunismo, repetindo chavões ensinados por lideranças da extrema direita, que usam o termo para identificar e controlar seu rebanho.

A palavra “comunismo” retirada de seu sentido original, de propriedade comum dos meios de produção e da ideologia por ela sustentada, se tornou no Brasil um simples comando para o linchamento digital, independentemente de quem esteja do outro lado. O objetivo é tirar a credibilidade e destruir, muitas vezes para servir de exemplo. E, consequentemente, esse processo tornou a palavra depositária do “mal”. E um grande mal é sempre temido e vira uma ameaça.

Entres esses 44%, há quem defenda que o Brasil implemente o comunismo e os oportunistas que sabem que isso não está no horizonte, mas disseminam isso mesmo assim para causar medo entre seus seguidores. Esses dois grupos são numericamente pequenos. A esmagadora maioria é formada de pessoas que “aprenderam” que comunismo é algo ruim mesmo sem saber o que ele é.

Muitos que “xingam” pessoas ou instituições de comunistas não compreendem o que isso, de fato, a palavra significa. Caso as pessoas soubessem História e estivessem atentas ao que se passa à sua volta, buscando saber as manifestações do comunismo no Brasil e no redor do mundo, poderiam, inclusive, criticá-lo de forma mais embasada. E, acredite, há críticas a serem feitas.

Ouviram de seus “mentores” que comunismo é um tipo de “governo”, formado por “vagabundos que não gostavam de trabalhar”, que ajuda a “perverter sexualmente” as “pessoas de bem” e a “destruir as famílias”, controlado por “bilionários pedófilos” e “atores de Hollywood” que tentam “vacinar os cidadãos com chips 5G” a fim de controlar seus pensamentos. O excesso de aspas não é proposital, apenas triste.

Graças à sabedoria que circula nas redes sociais, descobrimos, que a cantora Madonna, a revista Economist, as Nações Unidas, o jornal New York Times, a Rede Globo, o Facebook, o Twitter, o cantor Roger Waters, o filósofo e economista conservador Francis Fukuyama, a deputada de extrema direita Marine Le Pen, banqueiros multibilionários e a multinacional Pfizer são comunistas. Além de Leonardo DiCaprio e Tite, claro.

Bolsonaristas chegaram a chamar a Embaixada da Alemanha de comunista por ela ter postado um vídeo explicando que o nazismo é um movimento de extrema direita após Jair defender essa aberração ao visitar o Memorial do Holocausto (sim, a gente passou muita vergonha internacional nos últimos quatro anos).

Pior: nossos conterrâneos disseram aos alemães que eles não entendiam muito bem o que era o nazismo. Como na vez que tentarem explicar a Roger Waters, fundador do Pink Floyd, a intenção por trás de Another Brick in the Wall, sua própria música.

O macarthismo tupiniquim inaugurado com o processo de impeachment de Dilma Rousseff fez com que pessoas fossem perseguidas por suas ideologias e até caçadas nas ruas só porque estavam vestidas de vermelho. Bolsonaro foi além e, seguindo a cartilha da extrema direita global, fomentou a ficção de que vivemos sob o risco da implementação do comunismo.

Visto como delírio por quem é bem informado, inclusive pelos poucos que defendem um Brasil comunista, a “ameaça fantasma” é uma excelente forma de gerar medo e manter o público engajado.

Houve um esvaziamento do sentido original da palavra. Não raro, muitos dos que chamam alguém de comunista acham que estão usando um palavrão genérico. Chegam a ser patéticas as cenas de documentários que mostram o crescimento da extrema direita pedindo para bolsonaristas ou trumpistas explicarem o que é comunismo.

Despido de seu significado, o termo também se tornou um elemento de identificação de grupo. Ou seja, uma postagem chamando a Pfizer ou Tite de comunistas imediatamente passa uma mensagem compreendida pelos demais membros do grupo, gerando conexão. De que aquilo é ruim, de que não deve ser consumido, de que deve ser combatido.

E isso não é monopólio da loucura que cresce nas redes sociais ou aplicativos de mensagens. Tive a oportunidade de ouvir no Congresso Nacional que o combate ao trabalho escravo, ao trabalho infantil e ao tráfico de pessoas são coisa de “comunista”.

Ou seja, o combate ao trabalho escravo, que, em última instância, significa garantir que o contrato de compra e venda de força de trabalho, base do capitalismo, seja feito corretamente, é expressão do comunismo. Tudo para maquiar interesses de quem lucra com isso.

Isso, claro, não cola na maior parte da população, que percebe o quão bizarro é esse processo – o Ipec apontou que 47% discordam totalmente ou em parte da afirmação de que o comunismo vai invadir o Brasil. Ainda assim, 44% é muita coisa.

O suficiente para vacinar com realidade paralela um naco da população, mantendo a sociedade ultrapolarizada e garantindo que fãs e seguidores do ex-presidente não percam a fé no capitão. Bem, pelo menos esse tipo de vacina ele nunca deixou faltar no país.

Hoje a palavra é “comunismo”. Amanhã, quem sabe, será “democracia”.

Governo Lula é avaliado positivamente por 41% e reprovado por 24%, diz Ipec

A pesquisa Ipec revela que o presidente Lula começou o seu terceiro mandato com avaliação superior à alcançada, no mesmo período, pelo seu antecessor, Jair Bolsonaro, mas inferior à atingida por ele à mesma altura de suas duas primeiras gestões.

Segundo o Ipec, 41% dos brasileiros consideram a administração de Lula boa ou ótima. Outros 24% dizem que ela é ruim ou péssima, enquanto 30% consideram o início do governo regular. O instituto é comandado por ex-diretores do Ibope.

Em março de 2019, Bolsonaro era avaliado positivamente por 34% da população, sete pontos percentuais a menos do que Lula. Outros 24% reprovavam o então presidente. O melhor momento de Bolsonaro foi em seu primeiro mês de mandato, em janeiro de 2019, quando tinha a aprovação de 49%.

Depois disso, o máximo que atingiu foi o patamar de 40% de avaliações positivas, em setembro de 2020, fruto direto do auxílio emergencial pago na pandemia.

Em março de 2003, no início de seu primeiro mandato, Lula alcançou 51% de ótimo e bom. A reprovação, na ocasião, era de apenas 7%. No terceiro mês de seu segundo governo, em 2007, o petista tinha a aprovação de 49% da população, contra 16% que o achavam ruim ou péssimo.

A CEO do Ipec, Márcia Cavallari, disse ao jornal O Globo que o patamar de avaliações positivas de Lula pode ser considerado satisfatório, sobretudo quando se observa o percentual dos que consideram a atual gestão regular. Dentre os 30% que têm essa percepção, metade diz aprovar a maneira como Lula governa, enquanto 37% não concordam com os métodos do petista.

“A pesquisa mostra que a polarização política continua. Considerando esse cenário, que é distinto do que o Lula encontrou nos outros mandatos, ele começa num bom patamar”, disse Márcio. “Os segmentos que aprovam o governo são os mesmos nos quais Lula tinha uma intenção de voto maior: as pessoas que estudaram só até o ensino fundamental, os moradores do Nordeste, aqueles com renda de até um salário mínimo por mês e os católicos”, acrescentou.

Entre os que declararam ao instituto ter votado em Jair Bolsonaro em outubro de 2022, 36% avaliam agora a gestão do petista como regular, e 54% a reprovam. Já entre os que votaram em Lula, 77% veem o governo como bom ou ótimo, e 22% o classificam como regular.

A maior aprovação a Lula vem do Norte (53%). O Centro-Oeste e o Norte são as regiões em que ele tem pior avaliação: 31% reprovam a atual administração. No Sudeste, 36% consideram positivo o atual governo, ante 26% que o avaliam negativamente.

Ainda de acordo com o Ipec, 57% dos brasileiros aprovam o modo de governar do presidente. Outros 35% não concordam com o jeito como Lula administra o país. Ao deixar a Presidência, Bolsonaro tinha a maneira de governar aprovada por 46%, e 50% discordavam de seus métodos de gestão.


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