18/05/2024 - Edição 540

Poder

Como era o plano do PCC para sequestrar e matar autoridades

Moro foi salvo porque autoridades fizeram oposto do que ele defende: mas Lula precisa pensar antes de falar

Publicado em 24/03/2023 10:05 - DW, Ricardo Noblat (Metrópoles) – Edição Semana On

Divulgação Reprodução

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O plano da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) de atentados simultâneos contra autoridades e funcionários, desbaratado na quarta-feira (22/03) por uma operação da Polícia Federal (PF), tinha como objetivo criar caos, cometendo homicídios e extorsão por sequestro em vários estados. Ele teria sido motivado por mudanças nas regras para visitas a detentos em presídios federais.

Principal alvo da facção – uma das organizações criminosas mais poderosas da América Latina e que domina o tráfico de drogas e de armas no Brasil–, era o senador e ex-ministro da Justiça Sergio Moro. O PCC queria sequestrá-lo para negociar a libertação de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, preso há mais de 20 anos e considerado a principal liderança do PCC.

Quando era ministro na gestão Bolsonaro, Moro determinou a transferência de líderes da organização criminosa para presídios de segurança máxima, numa tentativa de enfraquecer o grupo. A transferência transcorreu com autorização da Justiça, depois de pedidos protocolados pelos ministérios públicos estaduais.

Marcola foi transferido do sistema penitenciário estadual de São Paulo para a penitenciária federal em Brasília em fevereiro de 2019. Outros 21 membros da cúpula do PCC foram transportados num avião das Forças Armadas para presídios federais, a partir do Aeroporto de Presidente Prudente.

Em 2020 Moro deixou o governo depois de romper com Bolsonaro. No ano seguinte foi considerado parcial pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na condenação de atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2022 o ex-juiz foi eleito senador pelo Paraná.

Represália a endurecimento das regras de visitação

O promotor de Justiça de São Paulo, Lincoln Gakyia, do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), de Presidente Prudente (SP), investiga o PCC há 18 anos e vive há mais de dez sob escolta policial 24 horas por dia por causa das ameaças de morte recorrentes.

Autor do pedido que transferiu 22 líderes do PCC para presídios de segurança máxima em 2019, Gakyia também se tornou alvo da facção e afirmou que Moro passou a ser visado depois de decretar o fim das visitas íntimas nos presídios federais, em 2019.

A portaria que endureceu as regras das visitas é de 2018 e restringiu as visitas sociais em instituições de segurança máxima a videoconferências e ao parlatório, e não em pátios de visitação, como costumava acontecer. A medida dificulta a coordenação do crime organizado de dentro da prisão, além de causar problemas para o acesso dos criminosos a informações de fora da cadeia.

“Os presos odeiam o Moro por causa disso. Por causa da portaria que proíbe isso no sistema federal”, disse Gakyia, que afirmou também que o plano alvejando Moro foi descoberto em janeiro deste ano, a partir de um depoimento de uma testemunha, e teria partido de um tipo de “departamento de homicídios” do PCC. “A ordem veio de lá. Creio que queriam um sequestro, mas poderia ser execução também.”

Os detalhes do plano

Além de Moro e Gakyia, as investidas da facção tinham como alvos também autoridades do sistema penitenciário e da polícia de vários estados. De acordo com os investigadores, os ataques vinham sendo planejados desde 2022.

Segundo a investigação, os criminosos alugaram chácaras, casas e um escritório ao lado de endereços do Moro, sendo que sua família também teria sido monitorada durante meses. Ao menos dez indivíduos participavam do monitoramento da família do senador em Curitiba.

De acordo com o Correio Braziliense, os criminosos receberam ordem para monitorar Moro há seis meses. Eles eram comandados por Janeferson Aparecido Mariano, conhecido como Nefo ou NF.

Segundo o ministro da Justiça, Flávio Dino, “havia compartimentos sendo preparados” numa das chácaras. “Compartimentos falsos, paredes falsas. E eles poderiam ser desde para armazenar armamento, droga, como para guardar pessoas”, citou, segundo o diário, que também divulgou que os integrantes do PCC fotografaram e documentaram a rotina do casal Moro e dos filhos, que vinham sendo escoltados pela PM do Paraná.

O senador e sua família estariam sendo seguidos pela “Sintonia Restrita”, conhecido como setor de operações especiais, ou “departamento de homicídios e atentados” do PCC, segundo Gakyia.

Moro ficou sabendo em janeiro do plano da facção, quando Gakyia e o procurador-geral da Justiça de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo, levaram o depoimento da testemunha a Brasília.

Nesta quarta-feira, o ex-juiz disse em discurso na tribuna do Senado que o plano de ataque do PCC seria uma “represália” da facção: “Se eles vêm pra cima da gente com uma faca, a gente tem que usar um revólver. Se eles usam um revólver, nós temos que ter uma metralhadora. Se eles têm uma metralhadora, nós temos que ter um tanque ou um carro de combate. Não no sentido literal. Mas nós precisamos reagir às ações do crime organizado.”

Politização da operação da PF

A operação da PF foi objeto quase que imediato de comentários políticos num contexto de polarização no Brasil, acentuado desde as eleições de 2022.

No Twitter, o ex-presidente Jair Bolsonaro vinculou o plano contra Moro a uma ação orquestrada pela esquerda, sem apresentar provas. “Em 2002, Celso Daniel [ex-prefeito de Santo André, assassinado]; em 2018, Jair Bolsonaro [o episódio da facada durante a campanha presidencial] e agora Sérgio Moro. Tudo não pode ser só coincidência. O Poder absoluto a qualquer preço sempre foi o objetivo da esquerda”, escreveu Bolsonaro, que está nos Estados Unidos.

Em resposta, Flávio Dino condenou as insinuações. “Há pessoas irresponsáveis que, para tentar escapar de suas próprias responsabilidades, tentam, infelizmente, levar o debate político brasileiro para o nível da lama. E nós não aceitamos isso”, disse. “Quero dizer que é repugnante a ação política dessa extrema-direita desvairada e aloprada querendo, neste momento, desqualificar o trabalho sério da Polícia Federal, trabalho esse que salvou a vida, graças a Deus, do senador Sérgio Moro”, acrescentou.

Os críticos de Luiz Inácio Lula da Silva também destacaram as declarações do presidente na véspera da operação. Em entrevista ao site Brasil247, Lula afirmou que, quando esteve preso em Curitiba devido à condenação por causa da operação Lava Jato, pensava: “Só vou ficar bem quando f* com o Moro”. A declaração causou reações do ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Paulo Pimenta, que convocou coletiva para desvincular Lula das ações do PCC.

Também na quarta, em almoço com advogados, Flávio Dino negou que a Operação Sequaz da PF tenha sido deflagrada por motivos políticos.

Em entrevista concedida no mesmo local do almoço, o ministro disse que a Polícia Federal estava investigando a quadrilha há pelo menos 45 dias, desde que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, o avisou de que havia um plano de execução de Moro, e que foi a própria PF quem decidiu deflagrar a operação nesta quarta.

Lula fala de “armação”

Durante visita ao Complexo Naval de Itaguaí, na região metropolitana do Rio, nesta quinta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi questionado sobre o episódio. E respondeu dizendo que acredita que seja “mais uma armação” de Moro.

“Eu não vou falar porque eu acho que é mais uma armação do Moro. Mas eu quero ser cauteloso. Eu vou descobrir o que aconteceu. É visível que é uma armação do Moro. Mas eu vou pesquisar, eu vou saber o porquê da sentença… Até fiquei sabendo que a juíza não estava nem em atividade quando deu o parecer para ele. Mas isso a gente vai esperar. Eu não vou ficar atacando ninguém sem ter provas. Eu acho que é mais uma armação. E, se for mais uma armação, ele vai ficar mais desmascarado ainda, e eu não sei o que ele vai fazer da vida se ele continuar mentindo do jeito que está mentindo”, afirmou Lula.

Moro foi salvo do PCC porque autoridades fizeram oposto do que ele defende

Certas coisas precisam avançar na base do vai ou racha. Outras têm que ir mesmo quando já estão rachadas. É o caso da guerra em que um Estado esculhambado tenta enfrentar um crime cada vez mais organizado. Na investigação que desmontou o plano do PCC para executar autoridades como o promotor paulista Lincoln Gakiya e o senador Sergio Moro, o Ministério Público de São Paulo e a Polícia Federal iluminaram o caminho. Nesse episódio, o Estado prevaleceu sobre o crime usando duas armas letais: inteligência e parceria.

Valendo-se da inteligência, o MP paulista interceptou mensagens do PCC e escutou uma testemunha. Farejou dois planos do braço operacional da facção, chamado de Sintonia Restrita. O Plano A previa a libertação do chefão Marcola. O Plano B envolvia homicídios e extorsão mediante sequestro. Ambos foram desbaratados. Quando o nome de Moro e dos seus familiares surgiram na investigação, a PF exibiu comportamento de mostruário. Agiu como instituição de Estado, não de um governo presidido pelo principal antagonista do alvo dos criminosos.

Salvo pelo setor de inteligência, Moro escalou a tribuna do Senado para defender o uso da força. Esgrimindo um projeto que prevê o agravamento de penas, declarou: “Se eles vêm para cima com uma faca, a gente tem que usar um revólver. Se eles usam um revólver, nós temos que ter uma metralhadora. Se eles têm metralhadora, nós temos que ter um tanque.” Foi a primeira oportunidade de Moro para exibir alguma serventia como parlamentar. Revelou-se inútil. Não notou que a força se torna impotente quando falta método e jeito no combate ao crime organizado.

Como ministro da Justiça de Bolsonaro, um presidente com vínculos milicianos, Moro endossou a política armamentista e o vale-tudo policial do chefe. Cumprindo ordem judicial, abriu as portas de presídios federais para Marcola e outros criminosos. Deixou o governo acusando o chefe de interferência na Polícia Federal. No Senado, a sede de holofotes levou Moro a exagerar no autoelogio. Na hora dos agradecimentos, excluiu da lista o governo federal e o ministro Flávio Dino, da Justiça. Moro não perde a oportunidade de perder oportunidades.

Quem prometeu pacificar o país não pode alimentar a discórdia

As redes sociais, no fim de 2007, estremeceram com um episódio que repercutiu no mundo todo durante semanas.

Em Santiago do Chile estava sendo realizada a XVII Conferência Ibero-Americana, que reunia dezenas de chefes de Estado e observadores. Era a sessão de encerramento.

Discursava o então primeiro-ministro espanhol José Luis Rodríguez Zapatero, do Partido Socialista, e a todo instante interrompia sua fala o presidente da Venezuela, o coronel Hugo Chávez.

A tudo assistia, calado, o rei Juan Carlos 1, da Espanha, até que, de repente, ele perdeu a paciência, mandou às favas as regras do protocolo e gritou, colérico, na direção de Chávez: “¿Por qué no te callas?”.

Falta quem tenha coragem de admoestar Lula com a mesma frase ou com outra parecida. Talvez o senador Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo, pudesse se encarregar da tarefa.

Lula e ele são amigos de longa data. Em 2018, antes de escalar Fernando Haddad (PT) para substituí-lo como candidato a presidente, Lula tentou convencer Wagner a aceitar a missão.

Chamou-o a Curitiba, onde estava preso; os dois conversaram, mas Wagner preferiu candidatar-se a senador pela Bahia. Esta semana, foi o senador Sergio Moro (União-PR) que procurou Wagner.

Queixou-se da revelação feita por Lula em entrevista de que só pensava em fodê-lo. Wagner minimizou a ofensa: esse foi o sentimento de Lula quando estava preso, mas não é o de hoje.

Ocorre que menos de 24 horas depois de a Polícia Federal ter desbaratado um plano da facção criminosa PCC para matar ou sequestrar Moro e outras autoridades, Lula voltou à carga.

Primeiro, disse: “Eu não vou ficar atacando ninguém sem ter provas. Eu acho que é mais uma armação e, se for mais uma armação, ele (Moro) vai ficar mais desmascarado ainda. Não sei mais o que ele vai fazer da vida se continuar mentindo como está mentindo”.

E disse mais tarde, a pretexto de corrigir-se: “Quero ser cauteloso. Vou descobrir o que aconteceu. É visível que é uma armação do Moro”.

Ou seja: nas duas ocasiões, Lula sugeriu, alegando não dispor de provas, que foi armação de Moro a operação montada pela Polícia Federal que abortou mais um crime tramado pelo PCC.

Está mais do que provado que o PCC planejava assassinar Moro ou sequestrá-lo; ele próprio fora avisado e andava cercado de seguranças. A Polícia Federal acompanhava o caso desde janeiro.

Na quarta (22/3), quando a PF prendeu nove suspeitos de envolvimento no crime, estrelas reluzentes do PT saudaram a eficiência da Polícia Federal e exaltaram Lula “por fazer o bem sem interessar a quem”.

Escreveu Humberto Costa (PT-PE), ex-ministro da Saúde do primeiro governo Lula: “A PF de Lula salvou a vida de Moro. E essa operação prova por A mais B que Lula governa para todos. Fiz o L pra isso”.

Escreveu Gleisi Hoffmann, presidente do PT: “Juiz parcial, que não se importou com o ódio que alimentou com a Lava Jato, tem aula de civilidade e democracia do governo Lula”.

Ambos e outros mais, na prática, foram desautorizados por Lula. A reputação da Polícia Federal foi posta em dúvida por Lula. E Moro, de algoz, passou à condição de vítima da fúria de Lula.

Para atenuar as falas desastradas de Lula, seus porta-vozes passaram a dizer que ele perde a “estabilidade emocional” toda vez que lembra dos 580 dias em que ficou preso por decisão de Moro.

Quanto tempo mais o país ficará sujeito à instabilidade emocional do presidente da República que se elegeu prometendo restabelecer a harmonia entre os Poderes corrompida por seu antecessor?

O que diriam Lula e os dirigentes do PT se alguma voz da extrema direita tivesse replicado: “Eu não vou ficar atacando ninguém sem ter provas. Mas acho que a morte do prefeito Celso Daniel (PT-SP) foi mais uma armação da esquerda, como foi a facada que levou Bolsonaro”.

Dizem que Lula há bastante tempo padece de dor em um dos joelhos que o impede de dormir direito e altera seu humor. Quando chora, em parte seria também por causa disso.

Trate-se e fique bom. Mas, até lá, cale-se ou fale pouco. Seu governo mal começou e começou mal sob alguns aspectos. Tem muito tempo à frente para mostrar serviço. Boa sorte!

Só faltava quem derrotou Bolsonaro dar lugar a um fantoche dele em 2026. O Brasil não merece.


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