18/05/2024 - Edição 540

Poder

Bolsonaro tentou ‘comprar’ PF com reajuste, mas ficará como estelionatário

Publicado em 18/04/2022 12:00 -

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Jair Bolsonaro tratou categorias de servidores públicos bem organizadas como se fossem seus seguidores fiéis, fazendo promessas que ele não conseguiria cumprir. Talvez imaginasse que, depois, era só fazer arminha com as mãos, contar uma piada descompensada e dar uma gargalhada que ficaria tudo bem. Desta vez, não ficou.

Prometeu uma reposição salarial a policiais federais, policiais rodoviários federais e agentes penitenciários, provocando a ira de outras categorias que também esperavam reajustes. Diante da possibilidade de greves ou de paralisação de serviços públicos em ano eleitoral, acabou aprovando um aumento de 5% para todos.

Dessa forma conseguiu deixar todos insatisfeitos após ter destampado um debate que estava relativamente controlado. Associações de servidores apontam que sua defasagem, dependendo do cálculo, chega a 40%.

Quando Bolsonaro resolveu privilegiar a Polícia Federal em ano eleitoral não estava de olho na quantidade de votos que a corporação pode entregar, mas na boa relação com a instituição.

Após interferir nela para atender a seus interesses políticos e pessoais, incluindo a proteção de familiares e aliados, como ficou claro na icônica reunião ministerial de 22 de abril de 2020, ele achou por bem atuar diretamente para reservar R$ 1,7 bilhão do orçamento da União de 2022 a fim de garantir aumento de salários aos agentes.

O reajuste, claro, não compra silêncio. O delegado Alexandre Saraiva, por exemplo, investigou o então ministro Ricardo Salles por envolvimento em crimes ambientais e, na sequência, foi exonerado da Superintendência da PF no Amazonas. Mesmo assim, continuou colocando a boca no trombone.

E o bolsonarismo não encontra na PF a mesma aderência do que em outras corporações. Por exemplo, enquanto 30% dos praças e 23% dos oficiais das polícias militares frequentam redes bolsonaristas radicais, o número é de apenas 7% entre os agentes da Polícia Federal, segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Mas Jair e seu entorno devem acreditar que isso pode ajudar a melhorar as relações com a instituição. E por mais que setores da Polícia Federal estejam demonstrando cotidianamente que não se dobram às necessidades pessoais do presidente, sempre há um chinelo velho para um pé cansado.

Além disso, o governo vai se mexendo, trocando delegados da PF cuja conduta vai contra os interesses de Jair ao atingir aliados. Por exemplo, a delegada Silvia Fonseca, que comandava o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, ligado ao Ministério da Justiça, foi retirada, em novembro, após dar prosseguimento ao processo de extradição do blogueiro Allan dos Santos. No mês seguinte, foi a vez da exoneração da delegada Dominique de Castro de suas funções junto à Interpol. Ela foi responsável pela ordem de prisão do mesmo Allan dos Santos no exterior.

O blogueiro bolsonarista havia sido alvo de pedido de preventiva emitido pelo Supremo Tribunal Federal. O "pecado" de ambas foi cumprir uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, visto por Bolsonaro como seu carrasco.

Outro exemplo é o de Hugo Correia, que chefiava a Superintendência da PF no Distrito Federal, onde corre um inquérito contra Jair Renan, filho do presidente, exonerado em outubro.

Tentar manter uma parte da corporação mais calma, entregando cargos e benefícios, como faz com as Forças Armadas, é o modus operandi.

A promessa quebrada de Bolsonaro foi recebida com indignação e repúdio pela Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal. "Se a informação se confirmar, haverá uma quebra desleal do compromisso que será sentida ainda mais depois das diversas perdas sofridas pelos policiais federais durante este governo, que sempre teve entre suas bandeiras a segurança pública", afirmou em nota.

"Os delegados federais não aceitarão calados esse desrespeito", conclui. Se começarem a contar as histórias de como Jair dobra as instituições para esconder seus desvios de conduta, já será de grande ajuda.

Reajuste de servidores é uma granada de Bolsonaro no bolso de Paulo Guedes

Paulo Guedes perdeu mais uma. Na semana passada, disse que um "reajuste salarial para todo mundo" poderia "destruir a nossa economia". Decorridos seis dias, foi abordado na saída do Ministério da Economia por repórteres que queriam confirmar a decisão de Bolsonaro de reajustar os salários de todo o funcionalismo federal em 5%. "Parece proceder", balbuciou. É preciso dar algum tempo para Guedes elaborar o seu discurso. Ele muda logo, radicalmente, qualquer teoria nociva ao único plano que realmente interessa a Bolsonaro: a reeleição.

Inicialmente, o presidente cogitou premiar apenas as carreiras policiais. Suou o paletó para que o Congresso reservasse R$ 1,7 bilhão no Orçamento federal para o afago à sua categoria de estimação. Ateou fogo no restante do serviço público. Optou, então, pelo reajuste generalizado de 5%, considerado mixuruca por 100% dos servidores.

Bolsonaro humilhou seu ministro, decepcionou o funcionalismo e produziu uma lambança que custará R$ 6,3 bilhões ao contribuinte apenas em 2022. Incluindo-se na conta as carreiras do Judiciário, do Legislativo e do Ministério Público, a conta sobe para R$ 7,9 bilhões. Não é que o reajuste seja imerecido. A questão é que falta dinheiro. Será necessário cortar pelo menos R$ 4,6 bilhões de um orçamento que, além de não cobrir o essencial, continua saindo pelo ladrão que o orçamento secreto implantou nos cofres públicos.

Na fatídica reunião ministerial de 22 de abril de 2020, aquela cujo vídeo veio à luz por ordem do então decano do Supremo Celso de Mello, Paulo Guedes referiu-se ao congelamento dos reajustes salariais dos servidores por dois anos como uma "granada que nós botamos no bolso do inimigo". O reajuste de 5% é uma granada que Bolsonaro enfia no bolso do seu ministro. O presidente não está só. Os reajustes se disseminaram pelos estados. Custarão mais de R$ 30 bilhões. Noutros tempos, Guedes dizia que, contrariado, pegaria o avião e iria "morar lá fora". Hoje, prefere se deixar explodir a contrariar Bolsonaro.


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