02/11/2024 - Edição 550

Poder

Bolsonaro segue sem promessa de apoio de partidos após abrir agenda

Publicado em 05/04/2019 12:00 -

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Sob pressão do núcleo militar e do mercado financeiro, o presidente Jair Bolsonaro abriu a sua agenda oficial pela primeira vez na quinta (4), após três meses à frente do cargo, para tentar construir uma base aliada.

Em clima de desconfiança e apesar de ter pedido desculpas por "caneladas", Bolsonaro não conseguiu extrair de seis partidos o compromisso imediato de apoiarem a sua administração no Legislativo.

Na saída das audiências com o presidente, Gilberto Kassab (PSD), Geraldo Alckmin (PSDB) e Romero Jucá (MDB) disseram que mantêm postura de independência, não pretendem aderir à coalizão governista e não negociarão cargos.

Não há nenhum tipo de troca, não participaremos do governo, não aceitamos cargos e votamos com o Brasil”, afirmou Alckmin. “O partido tem uma posição muito clara de independência em relação ao governo e essa posição continuará”, reagiu Kassab.

O DEM, de ACM Neto, e o PRB, de Marcos Pereira, também não foram enfáticos após encontro com o presidente. As duas siglas disseram, depois da reunião, que irão submeter às suas bancadas federais e às executivas dos partidos a discussão se aderem ou não a uma futura base aliada.

“Eu tenho de reportar a reunião à bancada da sigla e, aí, vamos avaliar”, disse Pereira. “Vai acontecer no momento em que houver uma deliberação da executiva do partido”, explicou ACM Neto. 

Com uma articulação política considerada frágil, Bolsonaro ainda não conseguiu formar uma base aliada. Nesta quinta, ele tentou inaugurar uma nova fase na relação com o Poder Legislativo ao receber os dirigentes partidários, preteridos no processo de composição ministerial, limitado a conversas individuais e com frentes parlamentares.

O desconforto teve início na noite do último dia 3, quando a primeira versão da agenda oficial não trazia os dirigentes dos partidos. Após repercussão negativa e o receio de que o presidente queria esconder os encontros, o Palácio do Planalto incluiu os compromissos.

Também na véspera dos encontros, presidentes dos partidos diziam que não se comprometeriam com Bolsonaro sem saber se as reuniões, no fundo, não eram armadilhas. Eles temiam que o presidente os recebesse e depois fosse a público acusá-los de fazer pedidos espúrios.

A rodada, em razão dessa desconfiança, foi um primeiro passo, mas a relação ainda está em fase de testes. Na saída, reservadamente, dirigentes disseram que o encontro foi politicamente correto —em alguns casos, descontraído, em outros, mas sempre permeado de cautela.

Os convidados foram recomendados a deixar seus aparelhos celulares do lado de fora do gabinete presidencial.

Recebido por Bolsonaro, Jucá disse que o presidente terminou “concordando que o que vale é a boa política e, portanto, tachar de velha ou nova é um desserviço”. Na pré-campanha eleitoral, Bolsonaro chegou a dizer que jamais subiria no palanque com Jucá.

“Assim como, se eu for presidente, ele não vai sentar na minha frente e pedir o banco do Nordeste, da Amazônia”, afirmou o hoje presidente, em abril do ano passado.

Também presente nas audiências, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, afirmou que agora é o momento “de a gente passar por cima das nossas diferenças e pelo que aconteceu no período eleitoral”. “O presidente, com a sua humildade, se desculpou de uma canelada aqui e de uma canelada acolá”, disse.

Bolsonaro recebeu seis partidos, incluindo também o PP. Juntas, as legendas têm 196 deputados dos 513, sendo 308 necessários para aprovar reformas constitucionais, como a da Previdência. Os senadores são 43 de um total de 81, sendo que 49 aprovam uma PEC.

Onyx disse que o Palácio do Planalto pretende criar um conselho político para melhorar a articulação. A ideia é que seja formado por dirigentes das legendas e líderes partidários e que se se reúna com Bolsonaro uma vez por mês.

O dispositivo foi também criado pela ex-presidente Dilma Rousseff, do PT, no início de seu segundo mandato. Na época, o Congresso já reclamava da falta de interlocução política do Executivo com o Legislativo, o que ajudou no impeachment da petista. A mesma queixa é feita em relação ao governo Bolsonaro.

Nas reuniões, Bolsonaro sinalizou que passará a ter postura mais presente na relação com o Poder Legislativo. Em mensagem nas redes sociais, ele disse que o diálogo ocorreu “em alto nível” e que não discutiu a oferta de cargos.

A proposta é que a série de reuniões tenha continuidade na terça-feira (9) e na quarta-feira (10), quando ele receberá os dirigentes do PSL, PR, Avante, Novo, Podemos e Solidariedade. Nas palavras de um auxiliar presidencial, o propósito dos encontros é tentar quebrar uma imagem construída pelo presidente de “ojeriza à política tradicional”, o que acabou afastando legendas de sua administração.

Após o encontro desta quinta-feira (5), ACM Neto não descartou que, no futuro, o seu partido feche questão a favor da reforma previdenciária e integre formalmente a base do governo.

Com três ministros e a presidência da Câmara e do Senado, o DEM é hoje o partido mais próximo a Bolsonaro dos que foram convidados para conversar. Nos bastidores, alguns dos dirigentes não descartam aceitar espaços no governo e nos órgãos federais nos estados, mas só quando Bolsonaro transmitir confiança.

No mês passado, o clima com a sigla azedou depois de Bolsonaro ter entrado em um bate-boca público com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Por isso, nos bastidores, integrantes do DEM avaliam que uma adesão deve enfrentar resistência por parte de Maia.

Para arrefecer os ânimos, a cúpula do partido tem costurado um encontro entre os dois para a próxima semana. Por enquanto, no entanto, Maia tem recusado uma aproximação.

Carluxo

O vereador carioca Carlos Bolsonaro parece mesmo decidido a consolidar a fama de guerrilheiro das redes sociais. Num instante em que Jair Bolsonaro abre diálogo com partidos que prometia desprezar, seu filho 'Zero Dois' foi ao Twitter. Insinuou que a popularidade do presidente inibe o apetite das legendas por cargos, frustrando o "sistema corrupto" que tenta convertê-lo em "mais um boneco de ventríloquo."

O Pitbull, como Bolsonaro se refere ao filho, testou a paciência dos partidos ao reagir a um comentário feito pelo pai, também no Twitter. O presidente postou na quinta-feira (4): "Pela manhã, me reuni com vários presidentes e líderes de partidos. Tudo ocorreu em alto nível. Ao contrário do que propalado por alguns, nada se falou sobre cargos. Executivo e Legislativo unidos, por uma causa que representa o futuro de nossos filhos e netos: a Nova Previdência."

"Se o presidente Bolsonaro não tivesse a população a seu lado este assunto jamais seria tratado como está sendo", reagiu Carluxo, insinuando que, não fosse o suposto prestígio social do pai, seus interlocutores não hesitariam em dar vazão às suas pulsões fisiológicas. "É nítido que a pressão popular faz a 'situação' agir assim", ele acrescentou, grafando "situação" entre aspas. É como se o filho do presidente duvidasse da disposição dos partidos de se converterem ao governismo.

Para arrematar, Carlos Bolsonaro disparou desde sua trincheira virtual: "Por isso o sistema corrupto insiste tanto em desgastá-lo e transformá-lo em mais um boneco de ventríloquo." Faltou dar nome e CPF ao "sistema corrupto". Quem distribuiu planilhas com cargos federais vagos nos Estados para que os partidos indiquem seus apadrinhados foi o ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil). Quem falou em cargos na véspera da abertura do gabinete presidencial para os partidos da "velha política" foi o vice-presidente Hamilton Mourão.

Eis o que dissera Mourão na quarta-feira: "A partir do momento que esses partidos estejam concordando com o que o governo pretende fazer, é óbvio que eles vão ter algum tipo de participação, seja em cargos nos Estados, algum ministério ou algo do gênero. Isso é decisão do presidente, né?"

De duas, uma: ou Carluxo não enxerga o que sucede ao redor do pai-presidente ou está assustado com a assombração errada.

Governo Bolsonaro é pior do que eu imaginava, diz FHC

No fim de 2018, quando perguntado sobre suas expectativas em relação ao governo de Jair Bolsonaro, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso era cauteloso: dizia que era preciso esperar as ações do líder recém-eleito para avaliar se seus "temores" se confirmariam.

Hoje, há três meses sob a nova administração, o tucano é mais taxativo. Bolsonaro, diz, é pior do que ele esperava. Quase cem dias depois da posse, o sociólogo de 87 anos afirma não ter visto "nada" do governo.

"Por que ele foi eleito? Ele falou temas que sensibilizaram: violência e corrupção, basicamente. Temas que pegaram a onda. Mas ele não disse 'eu vou fazer um Brasil de tal a qual modo'. Tanto que agora ele não sabe o que vai fazer. Vai mudar o quê?", diz, em entrevista à BBC News Brasil na sede do Instituto FHC, no centro de São Paulo.

Para o ex-presidente, a nova gestão está sem rumo. As falhas, na sua análise, são muitas: falta projeto para o país, falta aprender a se relacionar com o Congresso, falta até se comunicar com a população para explicar medidas consideradas fundamentais pelo governo, como a reforma da Previdência.

Ele cita a experiência do Plano Real, quando, como ministro, liderou a articulação em prol da aprovação da proposta. "Não tinha medo de bicho papão. Fui falar do Plano Real até no programa Silvio Santos", diz. "Na reforma da Previdência, o presidente tem que se meter. Ou algum ministro que seja quase presidente."

Mesmo o ministro da Economia, Paulo Guedes, que foi duas vezes ao Congresso tratar da reforma da Previdência, esbarra no tom de "professor" ao falar com os parlamentares, diz FHC.

"Fui ouvir o debate com o ministro da Economia no Senado. Bom, ele dizia coisa com coisa, né? Abstratamente. Agora, quando chegava o negócio da política, ele dizia 'mas não é meu terreno'. Como não é seu terreno? Ou tem o terreno da política ou não existe a transformação do governo num objetivo e num processo."

Distante das atividades do PSDB desde que deixou a Presidência ("nem sei onde fica o diretório"), mantém contato com alguns de seus pares na sigla. Os mais frequentes, diz, são o ex-governador Geraldo Alckmin e os senadores Tasso Jereissati e José Serra. "E o (governador João) Doria, mais raramente…"


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