18/05/2024 - Edição 540

Poder

Bolsonaristas perdoam Jair por joia contrabandeada e celebram linchamento por furto de comida

Bolsonaro coleciona processos judiciais e quem paga a conta dos advogados é você

Publicado em 08/03/2023 9:16 - Leonardo Sakamoto e Josias de Souza (UOL), Ricardo Noblat (Metrópoles) – Edição Semana On

Divulgação Reprodução

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Um naco da extrema direita está dando duro nas redes sociais para minimizar que Jair Bolsonaro teria surrupiado um estojo com produtos de luxo de, pelo menos, R$ 400 mil. Ironicamente, o grupo é o mesmo que costuma celebrar quando alguém que furtou um bife por causa da fome é espancado no supermercado.

A ditadura da Arábia Saudita deu joias no valor de R$ 16,5 milhões para Michelle Bolsonaro e um estojo com relógio, abotoaduras, caneta, entre outros artigos, valendo cerca de R$ 400 mil ao então presidente, aponta investigação do jornal O Estado de S.Paulo. A razão para isso ninguém sabe ainda, mas as possibilidades vão de suborno e propina à caixa 2.

O pacote destinado à primeira-dama foi confiscado ao entrar como muamba ilegal no Aeroporto de Guarulhos. O de Jair, passou, usando a comitiva do ex-ministro Bento Albuquerque como mula, e foi entregue a ele. Está em seu acervo privado, mas as regras apontam que um presente desse valor deve ficar na União e não no Condomínio Vivendas da Barra.

Claro que alguém que usava funcionários fantasmas em seu gabinete quando deputado federal, fazendo com que parentes da ex-esposa empregados irregularmente devolvessem a ele a maior parte dos salários pagos pelos cofres públicos não teria problema de tentar outras formas de apropriação indevida. Da rachadinha de salários às joias da Arábia, Jair chegou lá.

O crime de peculato, previsto no artigo 312 do Código Penal, prevê de dois a 12 anos de xilindró para um funcionário público que se apropria de um bem em benefício próprio ou de terceiros. Enquanto isso, o furto (artigo 155 do Código Penal) ocorre quando alguém subtrai coisa alheia móvel para si ou para terceiros sem o emprego de violência, com pena de um a quatro anos.

São dois crimes bem diferentes, mas o primeiro é muito mais grave. Como se trata de Jair, seus políticos e seguidores passam pano.

No final do ano passado, dois homens foram torturados por cinco seguranças do supermercado UniSuper, em Canoas (RS), diante do gerente e do subgerente da loja, após tentarem furtar duas peças de carne. Vítima das piores agressões, um homem negro foi colocado em coma induzido no hospital com fraturas no rosto e na cabeça. Em abril de 2021, um tio e um sobrinho, que furtaram carne de uma unidade do Atakadão Atakarejo, em Salvador, foram encontrados mortos com sinais de tortura e marcas de tiro.

E o que há em comum em todas elas, além de um país definido pelo racismo em todos os níveis de suas relações sociais? Quem monitora as redes sociais e aplicativos de mensagens sabe que, em todos os casos, foram constantes as celebrações quando alguém que furtou comida é morto em redes da extrema direita. “Bandido bom é bandido morto”, dizem.

Seria melhor que Jair Bolsonaro responda à Justiça por afanar patrimônio da União e não ao justiciamento miliciano que ele mesmo fomentou.

Bolsonaro queria as joias da Arábia para pé-de-meia ou caixa 2 eleitoral?

Quem deve estar celebrando o envolvimento de Michelle Bolsonaro no escândalo de apropriação ilegal de R$ 16,5 milhões em joias dadas pela Arábia Saudita é a parte da direita que disputa espaço com a ex-primeira-dama entre os conservadores.

Lançada pelo presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, em janeiro, como possível candidata à Presidência da República, Michelle começaria a viajar o Brasil para se vender como opção ao conservadorismo religioso – mesmo que o machismo de Jair não morra de amores pela ideia.

Mas, se antes, ela já seria insistentemente lembrada do maridão que fugiu para a Flórida com medo de ser preso por fomentar um golpe de Estado, agora também será cobrada por ele ter pressionado servidores públicos a fim de liberar joias que seriam destinadas a ela na Receita Federal.

Michelle é uma dor de cabeça maior para a direita do que a esquerda, apesar do que o bolsonarismo-raiz tenta fazer crer. Primeiro, para os filhos de Jair, que se consideram os herdeiros políticos naturais do pai. Podem não sair candidatos a cargos do Poder Executivo em 2026, mas gostariam de pessoas que fossem leais a eles – o que não é o caso da madrasta.

Além deles, outros expoentes do bolsonarismo também esperam ganhar espaço com a provável inelegibilidade de Jair, uma vez que não existe vácuo de poder. Querem o ex-presidente como ícone, mas aposentado.

E a redução da influência política do ex-presidente devido aos sucessivos escândalos pode abrir espaço para uma reorganização do campo. A extrema direita espremeu nos últimos anos a direita democrática, que esperava se recompor nesta nova conjuntura. A presença de Michelle, com penetração entre evangélicos e um sobrenome de peso, dificulta o processo.

Uma das formas mais conhecidas de transportar valores de forma ilegal é através de joias de alto valor. Em última instância, sempre pode-se dizer que foi um presente para uso pessoal. Mas o alto valor do que foi dado ao casal Bolsonaro (além das joias atribuídas a Michelle, há também um conjunto para homem que não foi detectado pela alfândega) é estranho, mesmo para os agrados da ditadura saudita.

A investigação da Polícia Federal deve apurar, portanto, não apenas a pressão feita pelo governo para tentar liberar a fortuna em questão, mas, se possível, qual seria o seu uso.

O que teriam acontecido com os R$ 16,5 milhões em joias caso a Receita Federal não tivesse conseguido apreender a muamba presidencial no Aeroporto de Guarulhos? Estaria guardado num cofre do Vivendas da Barra, condomínio onde Jair e Michelle moram no Rio, ou teria virado Caixa 2 de campanha? A pergunta não é retórica porque isso pode ajudar a justificar a inelegibilidade do ex-presidente.

Claro que, depois que a eleição passou, ele seria apenas para um gordo pé-de-meia.

Desde que o escândalo das joias veio a público pelo jornal O Estado de S.Paulo, o bolsonarismo atua nas redes redes sociais para tentar convencer que nem Michelle, nem Jair, pretendia ficar com as joias, distorcendo documentos e contando mentiras. A ex-primeira-dama chegou a dar uma resposta péssima, ironizando que era rica e não sabia.

Agora, sentiu. Segundo a coluna de Monica Bergamo, na Folha de S.Paulo, afirmou a interlocutores que o seu papel foi a de “mulher traída”, sendo a “última a saber”. Ou seja, que tudo foi feito sem que ela soubesse.

Considerando que estamos tratando de Jair, pode ser verdade. Mas, se não for, ela mostrará ser capaz de terceirizar responsabilidades, tendo, portanto aprendido com o comportamento do marido durante os quatro anos de seu mandato. Ou seja, que está pronta para ser uma candidata do bolsonarismo.

Caráter personalíssimo faz de Bolsonaro um fora da lei

A mesquinhez fez Bolsonaro apossar-se do estojo com joias que recebeu de presente da ditadura da Arábia Saudita, e que entrou ilegalmente no Brasil por meio de uma mula, o almirante Bento Albuquerque, ex-ministro das Minas e Energia.

A cobiça fez Bolsonaro empenhar-se mais de um ano para reaver o estojo com joias endereçado pelos sauditas à primeira-dama Michelle, apreendido por agentes da Receita no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Fez oito tentativas e todas fracassaram.

Faziam parte do estojo de Bolsonaro um relógio, um par de abotoaduras, uma caneta rosa gold, um anel e um masbaha (espécie de rosário islâmico), todos da marca suíça Chopard. O site da loja vende peças similares que, juntas, custam R$ 400 mil.

Um bom presente, mas o de Michelle era mais valioso: um colar, um par de brincos, um relógio e um anel avaliados em R$ 16,5 milhões. Com esse dinheiro, Bolsonaro poderia comprar uma mansão de 1.200 m² em um condomínio em Alphaville, São Paulo.

A mansão tem cinco dormitórios (sendo três suítes), oito vagas de garagem, piscina aquecida, churrasqueira externa coberta, espaço gourmet, adega refrigerada, home theater profissional, poltronas reclináveis, academia, brinquedoteca e sauna. Um paraíso.

Ou então três iates produzidos no Brasil pelo estaleiro Triton Yachts: o Triton 52 HT. A embarcação tem 120 metros quadrados de área. Na proa, assentos retráteis para banhos de sol e relaxamento. Bolsonaro gosta de pescar. Sobrariam R$ 3 milhões.

Ou então 15 motos de luxo Ducati Superleggera V4. Cada uma custa R$ 1,1 milhão, tem 234 cv e pesa 152 quilos. Bolsonaro aprecia motos. Poderia promover motociatas particulares sem ter que dar satisfações a ninguém. Desde que usasse capacete.

Em agosto último, para candidatar-se outra vez, Bolsonaro foi obrigado a revelar o valor do seu patrimônio pessoal: R$ 2,3 milhões. Uma titica, convenhamos, para um político com quase 30 anos de carreira. O lucro com a rachadinha não foi declarado.

Pois bem: somados os patrimônios declarados por ele, Lula, Ciro Gomes, Simone Tebet e os demais candidatos, à exceção de Felipe d’Avila, do Novo, o resultado da conta, ainda assim, ficaria abaixo do valor do presente de Michelle (R$ 16,5 milhões).

É compreensível o esforço feito por Bolsonaro para meter as mãos nas joias da mulher: demitiu o Secretário da Receita que não colaborava; ao substituto, que colaborou, premiou mais tarde com um emprego em Paris; e acionou os militares à sua disposição.

Foi um deles, o tenente-coronel Mauro Cid, que ontem contou que Bolsonaro está com o modesto presente saudita orçado em R$ 400 mil. Guardou-o em um galpão que já foi localizado pela Polícia Federal. Ali, acumulam-se seus pertences.

O advogado Frederick Wassef, que já escondeu Queiroz, diz que os bens em posse de Bolsonaro “são de caráter personalíssimo”, coisas que ele ganhou em viagens. No entendimento do Tribunal de Contas da União, joias não têm caráter pessoal.

Se elas foram dadas de presente a Bolsonaro como chefe de Estado, quem as trouxe teria que informar que eram para o Estado; se foram dadas para a pessoa física, teria de informar da mesma forma. E se tivesse sido uma Ferrari, por exemplo?

O peronista Carlos Menem, presidente da Argentina, ganhou em 1991 uma Ferrari vermelha de presente de um empresário italiano que fazia negócios em seu país. Dizia ser um presente “pessoal”. Lutou na Justiça para ficar com o carro. Acabou perdendo-o.

Em maio de 2022 havia sete modelos de Ferrari à venda no Brasil, com preços variando entre R$ 3,4 milhões e R$ 8,4 milhões. Com a venda das joias de Michelle e um pequeno abatimento, daria para Bolsonaro comprar duas Ferrari do modelo mais caro.

Bolsonaro coleciona processos judiciais e você paga a conta dos advogados

Os quatro anos de Presidência fizeram de Bolsonaro um colecionador de processos judiciais. Fora do trono, ele perdeu as prerrogativas do cargo e o escudo que era fornecido pelo antiprocurador-geral da República Augusto Aras. Mas continua dispondo do amparo financeiro do Tesouro Nacional para o custeio de sua defesa.

Bolsonaro trocou os servidores da Advocacia-Geral da União por defensores privados em 28 processos judiciais. Os advogados passarão a ser bancados pelo Partido Liberal com verbas públicas do fundo partidário. Ou seja: muda a rubrica orçamentária, mas a conta da defesa de Bolsonaro continuará espetada no bolso do brasileiro em dia com a Receita Federal.

Vinte dos processos retirados por Bolsonaro dos escaninhos da AGU correm no Supremo Tribunal Federal. Envolvem suspeitas variadas —da difusão de notícias falsas à incitação do quebra-quebra de 8 de janeiro. Ali, a defesa passará a ser da responsabilidade de Marcelo Bessa. Advogado de estimação do PL, o doutor defendeu o dono da legenda, Valdemar Costa Neto, no escândalo do mensalão. Deu em cadeia.

Como qualquer brasileiro encrencado com a lei, Bolsonaro tem direito à defesa. Se fosse miserável, poderia recorrer aos bons préstimos da Defensoria Pública. Mas o capitão não é um hipossuficiente. Mora no déficit público há 50 anos —desde 1973, quando virou soldado aos 18.

Enxotado do Exército, Bolsonaro elegeu-se vereador, deputado federal e presidente. Amealhou notável patrimônio. Recebe duas aposentadorias do Estado. Está na bica de obter contracheque do PL. Tudo somado, embolsará mais de R$ 80 mil por mês.

Não parece razoável que, além de financiar a bilheteria de Bolsonaro por meio século, o brasileiro seja forçado agora a arcar com o custo dos incêndios judiciais que o personagem provocou no circo durante sua passagem pela Presidência da República.


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Uma resposta para “Bolsonaristas perdoam Jair por joia contrabandeada e celebram linchamento por furto de comida”

  1. Almir Farias da Cunha disse:

    Este artigo é para entrar para a História. Excelente! Muito bem escrito!

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