18/05/2024 - Edição 540

Poder

Bolsonarismo fracassou em vender mentira de que 8/1 foi autogolpe de Lula

Autossabotagem tornou inócuo resultado da CPI

Publicado em 18/10/2023 11:17 - Leonardo Sakamoto e Josias de Souza (UOL) - Edição Semana On

Divulgação Foto: Geraldo Majela - Senado

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Como era esperado, a relatora da CPMI dos Atos Golpistas, senadora Eliziane Gama, pediu o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro em seu relatório, concluindo que ele articulou uma tentativa de jogar a democracia brasileira na lata do lixo, sendo responsável por incitar a invasão e a depredação das sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro. Cita também oito generais, entre eles Braga Netto, Augusto Heleno e Freire Gomes.

No parlamento, os aliados do ex-presidente apresentaram um relatório paralelo, que deve ser rejeitado por serem minoria na comissão. Nele, pedem o indiciamento de Lula e do ministro Flávio Dino por terem deliberadamente permitido as invasões.

Já nas redes sociais, o bolsonarismo-raiz ataca o relatório da senadora. O documento final seria um plano da esquerda para tentar minar a imagem do “mito”, com a ajuda de jornalistas comunistas, bilionários pedófilos, fábricas chinesas de vacinas, cavaleiros templários, Leonardo Di Caprio e, claro, os terroristas do Hamas.

Aqui vale lembrar a razão do surgimento da comissão. Ela não foi proposta pela base do governo, que sabia que a Polícia Federal, supervisionada pelo STF (leia-se, ministro Alexandre de Moraes), faria uma investifação tecnicamente correta. O parto da CPMI foi iniciativa da oposição bolsonarista e, só depois, com o fato consumado, foi abraçada pelo governo.

A ideia inicial do grupo do ex-presidente era terceirizar a responsabilidade pelo ocorrido a Lula, ou seja, vender o caso como um autogolpe, ignorando que o mundo viu milhares de extremistas de direita vestidos de amarelo achando que estavam em uma revolução que eternizaria Jair no poder. Cinco meses depois, a venda dessa mentira funcionou com os seguidores fiéis, mas flopou junto ao restante da população.

Mesmo com as cortinas de fumaça e as criações de factoides para evitar que depoentes aliados se complicassem, o bolsonarismo encarou uma PF que sempre estava vários passos à frente nas investigações. Isso fez com que a CPMI viesse a reboque das revelações na maior parte do tempo.

Além disso, tanto a polícia quando o ministro Alexandre de Moraes, que supervisiona o inquérito, parecem ter sido ainda mais rigorosos quando aliados de Jair tentavam transformar a CPMI em micareta. Como foi o caso do ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal, Silvinei Vasques, acusado de bloquear estradas para dificultar a ida de eleitores de Lula aos locais de votação. Um dos primeiros a depor, ele contou mentiras à CPMI. Hoje, está preso com o aprofundamento da investigação da PF.

Bolsonaro nunca escondeu seu golpismo, pelo contrário, ameaçou textualmente que a invasão do Congresso norte-americano seria fichinha se comparada ao que aconteceria por aqui. Difundiu que as urnas eletrônicas eram corrompidas e manipuladas em nome de Lula, usou técnicos das Forças Armadas para tentar colocar em dúvida a lisura da corte, transformou os chefes do TSE (Luís Roberto Barroso e, depois, Alexandre de Moraes) em alvos de seu rebanho, colocou embaixadores estrangeiros em uma espécie de “cercadinho” para atacar o sistema eleitoral brasileiro.

Armou seus seguidores através de decretos e os conclamou a pegarem em armas. Produziu minutas para decretar um golpe. Articulou com militares para participarem do conluio.

Se não conseguiu mudar a opinião de quem viu o DNA bolsonarista no 8 de janeiro, os aliados do ex-presidente na CPMI, ao menos, usaram esse palco para reforçar ao bolsonarismo-raiz que infiltrados petistas transformaram um movimento pacífico em terrorismo.

Ao longo de meses, cada mentira contada por deputados, senadores, depoentes e testemunhas do campo bolsonarista foi convenientemente editada e transmitida pelas redes sociais e aplicativos de mensagens para tentar chegar a esse público.

Com isso, a comissão gerou munição para a guerra que eles continuam a desempenhar nas redes sociais, tentando evitar uma redução no Bolsoverso, o universo paralelo bolsonarista. O que ajuda a manter a força do inelegível ex-presidente até o próximo ciclo eleitoral.

O campo democrático teve a cansativa tarefa de relembrar algo tão óbvio quanto o céu ser azul e a água, molhada: que milhares de horas de gravação, centenas de depoimentos de golpistas, financiadores e incitadores presos, documentos, declarações e confissões provam que o 8 de janeiro foi bolsonarista.

Jair trabalhou pouco ao longo dos quatro anos de mandato, pois estava em constante campanha eleitoral. Contudo, definitivamente não pode ser acusado de ter feito corpo mole sobre a energia gasta em articulações para permanecer no poder após perder nas urnas. O 8 de janeiro é obra dele, e ele precisa ser reconhecido por isso.

O relatório da CPMI é uma primeira etapa desse reconhecimento. O galardão principal, contudo, virá com o encerramento das investigações da PF, a denúncia pela PGR, o julgamento e condenação pelo STF, e, talvez, o encarceramento pelo Departamento Penitenciário Nacional.

Autossabotagem tornou inócuo resultado da CPI do 8 de janeiro

Acusado de tramar um golpe contra si mesmo uma semana depois de tomar posse, Lula foi à CPI do 8 de janeiro em condição privilegiada. Majoritária na comissão, a bancada governista poderia ter submetido o golpismo ao mesmo nocaute que a CPI da Covid havia aplicado contra o negacionismo. Curiosamente, o governo utilizou sua maioria para vulgarizar a investigação parlamentar.

O relatório final da senadora Eliziane Gama traz coisas novas e boas. O que é bom não é novo, pois já consta dos inquéritos tocados pela Polícia Federal. O que é novo não é bom. Bolsonaro emerge do texto como chefe da organização golpista sem ter sido inquirido ou acareado com seu ex-ajudante de ordens, como chegou a ser cogitado. Os militares vão à ribalta como cúmplices sem que os protagonistas da farda tenham sido retirados de suas trincheiras.

O Planalto deu um boi, o general Gonçalves Dias, para entrar na briga. Depois, deu uma boiada para sair dela. Com medo de oferecer palco a um Bolsonaro já inelegível, os governistas evitaram convocar o capitão para depor na CPI. Para não melindrar as Forças Armadas, livraram do constrangimento também os generais que fomentaram o golpe e até o almirante que, segundo o delator Mauro Cid, se dispôs a participar dele.

A autossabotagem tornou o relatório final da CPI do 8 de janeiro inócuo. Os pedidos de indiciamentos são meras recomendações, que a Procuradoria da República não deve atender antes da conclusão dos inquéritos oficiais. Brigando pelo empate, o governo livrou-se na CPI da tese terraplanista do autogolpe. Mas não produziu material que possa ser aproveitado pela PF como prova contra golpistas paisanos e, sobretudo, fardados.


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