05/05/2024 - Edição 540

Poder

Após ficarem sem punição em 1964, prisão espera generais por golpe de 2023

Brasil celebrar Ditadura Militar é como dinossauro festejar meteoro

Publicado em 01/04/2024 5:33 - Leonardo Sakamoto e Josias de Souza (UOL) – Edição Semana On

Divulgação Imagem: Orlando Brito/VEJA

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O Brasil deve conseguir mandar ao xilindró alguns generais por conspirarem para manter Jair Bolsonaro no poder mesmo após perder a eleição de 2022. Dada a quantidade de material reunido pela Polícia Federal, os candidatos mais bem cotados nas casas de apostas, até o momento, são Braga Netto e Augusto Heleno. Poderia ser mais. Mas, no final, os dois devem ser os anéis a serem sacrificados por uma instituição que não aceita perder os dedos.

É um começo, apesar de não bastar. Principalmente porque se trata de um país que passou por 21 anos de ditadura civil-militar e não viu membros da cúpula de suas Forças Armadas amargando uma cana pela morte e tortura de críticos ao regime. Ou por causa da corrupção que grassava bandida em negociatas verde-oliva. Ou ainda pela pilhagem do meio ambiente, a escravização na Amazônia e a porrada sobre sindicatos, políticas úteis aos sócios empresariais dos militares.

Pelo contrário: a Lei da Anistia, de 1979, passou uma borracha nos crimes cometidos por agentes do Estado em nome de uma pretensa pacificação — a mesma pacificação e a mesma anistia agora solicitadas por Bolsonaro a quem participou do golpismo do 8 de janeiro de 2023. O que abre a porta para ele próprio ser perdoado em um momento em que sua prisão é questão de tempo.

A falta de punição de militares de alta patente por causa do golpe de 1964 e pelas consequentes sacanagens cometidas durante a ditadura ajudou a semear a tentativa de golpe ao final do mandato de Bolsonaro que contou com a cumplicidade de militares de altas patentes e sacanagens das mais diversas. O passado não resolvido sempre volta. Camuflado de pão com leite condensado, mas volta.

O golpe de 31 de março de 1964 que completa 60 anos neste domingo de Páscoa continua vivo nos militares que insistem em melar eleições, no discurso cínico de que as Forças Armadas são o poder moderador e na corrupção de fardas limpas com braço forte e mão leve. Mas também segue vivo na tortura de negros e pobres pelas mãos de policiais, herdeiros dos métodos e técnicas desenvolvidos na repressão.

Ainda é purulenta ferida exposta. Nunca curamos o que foi deixado por 21 anos de ditadura. Tapamos com um curativo mal feito, ao qual chamamos de transição lenta, gradual e segura. Cobrimos com anistia. Com Deixa Prá Lá. Com governabilidade. Mas a ferida continua fedendo, apesar dos esforços estéticos.

Durante as sessões de tortura realizadas no 36º Distrito Policial, local que abrigou a Oban (Operação Bandeirante) e, posteriormente, o DOI-Codi, na capital paulista, durante a ditadura, os vizinhos no bairro do Paraíso reclamavam dos gritos de dor e desespero que brotavam de lá. As reclamações cessavam com rajadas de metralhadora disparadas para o alto, no pátio, deixando claro que aquilo continuaria até que o sistema decidisse parar.

Mas o sistema não parava. O sistema nunca para por conta própria. Ele precisa ser freado pelo resto da sociedade.

Uma das formas de frear é proteger o ensino de História nas escolas contra a sanha estúpida de pessoas e movimentos que desejam que você aprenda a data em que João Goulart foi deposto em 1964, mas que isso não representou um golpe de Estado e foi feito dentro da lei. Ou que os estudantes decorem o texto da Lei Áurea, mas não debatam por que o 13 de maio de 1888 não significou autonomia aos negros e negras deste país.

No dia 10 de maio de 1933, montanhas de livros foram queimadas nas praças de diversas cidades da Alemanha. O regime nazista queria fazer uma limpeza da literatura e de todos os escritos que desviassem dos padrões impostos. Centenas de milhares queimaram até as cinzas. Einstein, Mann, Freud, entre outros, foram perseguidos por pensarem diferente da maioria. A opinião pública e parte dos intelectuais alemães se acovardaram ou acharam pertinente o fogaréu nazista descrito acima, levado a cabo por estudantes que apoiavam o regime. Deu no que deu. Hoje, vemos muitos se acovardarem diante de ondas burras, intolerantes e violentas frente à necessidade de defender a História.

Não, não estou comparando nossa sociedade com a nazista. Apenas dizendo que a burrice é atemporal. E universal. E gruda, permanecendo viva quando já se julgava ela morta e enterrada.

Deveríamos transformar o 31 de Março em feriado nacional. Talvez assim possamos garantir que esse dia nunca seja encarado por nós e, principalmente, pelas gerações que virão como um grande Primeiro de Abril, como se o golpe de 1964 nunca tivesse existido. Essa cicatriz que não deveria ser escondida, mas permanecer como algo incômodo, à vista de todos, funcionando como um lembrete da nossa incompetência em por fim às heranças daquele tempo.

Punir com prisão o golpismo de Bolsonaro e seus amigos militares, mandando generais que cometeram crimes contra a democracia à cadeia, vai mostrar que algumas instituições aprendem sim com seus erros.

Além de celebrar golpe, veja 10 vezes em que Mourão menosprezou civilização

Em comemoração aos 60 anos do golpe militar de 1964, o senador e general da reserva Hamilton Mourão (Republicanos-RS) usou o X/Twitter para cutucar, na manhã deste domingo (31), quem defende a democracia.]

“A história não se apaga e nem se reescreve, em 31 de março de 1964 a Nação se salvou a si mesma!”, celebrou. Isso é equivalente a elogiar um crime no seu aniversário.

Essa não foi a primeira, nem será a última vez em que Mourão disse ou fez algo escandaloso para gerar indignação no naco civilizado da sociedade e, ao mesmo tempo, excitar e mobilizar a extrema direita. Abaixo, listo outras dez vezes em que o general foi mais bolsonarista que o próprio Bolsonaro.

1) Atacou a Polícia Federal e o STF e defendeu investigados por golpe – Em 8 de fevereiro deste ano, logo após uma operação da PF ir às ruas em meio a uma investigação sobre a tentativa de golpe de Estado de Bolsonaro e seus amigos militares, Mourão subiu à tribuna do Senado e incitou as Forças Armadas contra a PF e o STF: “No caso das Forças Armadas, os seus comandantes não podem se omitir perante a condução arbitrária de processos ilegais que atingem seus integrantes ao largo da Justiça Militar. Existem oficiais da ativa sendo atingidos por supostos delitos, inclusive oficiais generais. Não há o que justifique a omissão da Justiça Militar”.

2) Propôs anistia de golpistas – É de Mourão o projeto de lei 5.064/2023 que trata da anistia para os acusados e condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Bolsonaristas tentam aprová-lo no Congresso Nacional, expandindo seu escopo para a articulação golpista de 2022, o que beneficiaria o ex-presidente Jair Bolsonaro.

3) Ainda candidato a vice-presidente da República na chapa de Jair Bolsonaro, o general Hamilton Mourão, afirmou, em 7 de setembro de 2018, em entrevista à GloboNews que, em situação hipotética de distúrbios públicos, o presidente poderia dar um “autogolpe” com apoio das Forças Armadas.

4) Glorificou torturador – Na mesma entrevista, ao ser indagado sobre o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, morto em 2015, rasgou elogios ao coronel. Ele, que é um dos símbolos dos crimes contra a humanidade cometidos pela ditadura, foi seu comandante em São Leopoldo (RS). Ainda chamou o carniceiro de herói e justificou seus atos: “Excessos foram cometidos? Excessos foram cometidos. Heróis matam”.

5) Lar só com mulheres geram desajustados – Em 17 de setembro de 2018, Mourão disse que uma casa só com mãe ou avó é uma fábrica de problemáticos. Para ele, a partir do momento em que a família é dissociada, por “agendas particulares que tentam impor ao conjunto da sociedade”, “áreas carentes”, “onde não há pai e avô”, apenas “mãe e avó” transformam-se em “uma fábrica de elementos desajustados” que tendem a ingressar em “narcoquadrilhas”. Criticado pela declaração, retrucou dizendo que havia feito apenas uma “constatação”.

6) Mourão defendeu que malandragem vem de negros e preguiça, dos indígenas – Em 6 de agosto daquele ano, o general afirmou: “Temos uma certa herança da indolência [vagabundagem, preguiça], que vem da cultura indígena. Eu sou indígena. Meu pai é amazonense. E a malandragem, Edson Rosa [vereador negro, presente na mesa], nada contra, mas a malandragem é oriunda do africano. Então, esse é o nosso caldinho cultural”. Na época, ele disse que sua declaração havia sido tirada de contexto e que foi mal compreendido.

7) Lapso? Nem tanto. Dois meses depois, após conversar com jornalistas ao desembarcar no aeroporto de Brasília, ele atacou novamente. O general era aguardado no local por sua família. Ao elogiar o neto, Mourão afirmou: “Gente, deixa eu ir lá que meus filhos estão me esperando. Meu neto é um cara bonito, viu ali. Branqueamento da raça”.

8) Defendeu que uma nova Constituição não precisaria ser feita por representantes do povo – Em uma palestra em Curitiba, em 13 de setembro de 2018, defendeu que uma nova Carta Magna poderia ser criada por um pequeno comitê de juristas e constitucionalistas apenas com princípios e valores, sem a eleição – pelo povo – de uma Assembleia Constituinte para escrevê-la. Citou que isso já aconteceu antes em nossa história, mas não se atentou que vivemos uma democracia em que esse tipo de tutela não cabe mais. “Não precisa de Constituinte”, disse ele. “Fazemos um conselho de notáveis e depois submetemos a plebiscito. Uma Constituição não precisa ser feita por eleitos pelo povo.” A questão é: se o povo não escolhe, quem é que escolhe?

9) Falou de intervenção militar diante de corrupção – Ainda como general da ativa, em uma palestra promovida pela maçonaria, em 15 de setembro de 2017, em Brasília, ele afirmou que seus “companheiros do Alto Comando do Exército” entendem que uma “intervenção militar” poderia ser adotada se o Judiciário “não solucionar o problema político” [referindo-se à corrupção]. E que os militares terão que “impor isso” e essa “imposição não será fácil”. E que ainda não é o momento, mas uma ação poderá ocorrer após “aproximações sucessivas”. E que o Exército teria “planejamentos muito bem feitos” sobre o assunto.

10) Criticou direitos trabalhistas básicos – Ele criticou o pagamento de 13o salário e de adicional de férias em palestra a empresários, em Uruguaiana (RS), em 26 de setembro de 2018. E prometeu que, se Bolsonaro fosse eleito, haveria mais uma Reforma Trabalhista. “Temos algumas jabuticabas que a gente sabe que é uma mochila nas costas de todo empresário. Jabuticabas brasileiras: 13º salário. Se a gente arrecada 12, como é que nós pagamos 13 [salários]?”, disse.

Diante da repercussão negativa e de críticas do próprio Bolsonaro, ele recuou. Primeiro, disse ter sido mal interpretado, mas tudo estava gravado. Depois afirmou à Folha de S.Paulo que se referia a problemas de gerenciamento que levam empresários e governos a não pagarem os benefícios.

Brasil celebrar golpe de 1964 é como dinossauro festejar meteoro

Sem a má influência de Bolsonaro no poder, o total de saudosistas do golpe civil-militar de 1964 caiu, mas continua um montante bizarro.

Pesquisa Datafolha, divulgada no Sábado de Aleluia, aponta que passou de 36% para 28%, entre abril de 2019 e hoje, os que acreditam que a data em que a democracia foi para o vinagre deve ser comemorada como algo positivo. Por outro lado, os que defendem que ela deve ser desprezada foi de 57% para 63%.

No momento do levantamento anterior, Jair e seu governo se esforçavam em tentar reescrever a História, dizendo que não houve um golpe que destruiu a democracia, mas sim uma revolução que a protegeu. O então presidente ordenou que o 31 de março fosse festejado em quartéis. É como se os dinossauros festejassem o meteoro que cruzou o céu há 66 milhões de anos.

Quase 30% da população acha válido comemorar um golpe militar. Deveríamos não esquecer esse número, pois significa que, apesar das instituições construídas para defender a democracia desde 1985, uma parcela não desprezível da população aceitaria substituí-la. Uma república não dorme confortável com esse barulho.

O número é próximo dos 31% que defendem anistiar quem tentou transformar o Estado democrático de direito em geleia no dia 8 de janeiro de 2023, segundo o Datafolha. E os dois números, distantes 59 anos, estão umbilicalmente ligados, lembrando que um golpe que permanece impune semeia novos golpes militares.

A reflexão sobre a ditadura não fez parte de nosso cotidiano em comparação a outros países que viveram realidades semelhantes e também almejam ser democracias plenas. Passadas seis décadas de seu início, começamos a esquecer e a relativizar.

E tivemos o azar de eleger uma figura que catalisou esse processo, não em respeito a 1964, mas de olho em 2023.

Bolsonaro agiu como se comandasse um “Ministério da Verdade”, feito o do romance “1984”, de George Orwell, com a função de ressignificar os registros históricos e qualquer notícia contrária ao próprio governo. Para tanto, sua máquina de guerra nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens, atacou violentamente a imprensa, o STF e qualquer um que o criticasse ao invés de lhe dizer amém.

Pois quem controla o passado, comanda o presente. E quem manda no presente decide o futuro.

A saída de Bolsonaro do poder, e a forma como saiu, tentando um golpe de Estado, contribuiu para a redução no número dos que querem bolo, brigadeiro e fuzil para festejar os 60 anos do golpe. Mas não é a última vez em que o Brasil viverá um governo de extrema direita, ou seja, a reinvenção do passado continua à espreita.

Há um caminho longo, através da educação e do debate público, para que a minoria que hoje clama por golpe militar e pela volta da ditadura continue a ser vista pelo restante da sociedade como mal informada, ignorante ou insana – e tratada com todo o carinho possível e paciência. Pois, talvez um dia, compreenda o que significa a liberdade que está diante de seus olhos olhos, mas que não consegue enxergar.

Ao defender perdão a golpista, 31% apostam que bandido bom é bandido impune

O Datafolha apontou que 63% dos brasileiros são contra passar a mão na cabeça de quem tentou golpe de Estado, discordando de Bolsonaro — que defendeu esse perdão pensando, claro, em si mesmo. Bem, esses dois terços não fazem mais do que sua obrigação como cidadãos e como seres humanos.

O que causa engulho são os 31% que defendem anistiar quem tentou transformar o Estado democrático de direito em geleia no dia 8 de janeiro de 2023. Como o bolsonarismo-raiz representa algo entre 15% e 20% da população, eles não estavam sozinhos nessa posição ultrajante. De acordo com o levantamento do Datafolha, 40% desses favoráveis à anistia votaram em Jair no segundo turno de 2022, mas 25% dos 31% foram eleitores do petista.

As razões para isso são as mais variadas: do pessoal que vê o 8 de janeiro como uma revolução popular contra um golpe que teria acontecido de fato nas urnas em um conluio de PT, STF, TSE, bilionários pedófilos, produtores de vacina chineses, cavaleiros templários, os illuminati e, claro, Leonardo DiCaprio até aqueles que acham melhor contemporizar a violência em nome da paz. A turma do deixa-disso, um clássico do terror nacional.

Independente da razão (se é que podemos usar esse termo), na prática, esse pessoal está defendendo que bandido bom é bandido impune.

E como não adotam o mesmo padrão para outros crimes, assumem, consciente ou inconscientemente, que contam com bandidos de estimação.

Tentativa de golpe de Estado é, sob qualquer aspecto, muito pior que o porte de drogas. Mas, para uma parcela, precisamos dar anistia a quem atentou contra o Estado Democrático de Direito e mandar para o xilindró sem direito à fiança quem é pego fumando maconha.

Essa não é a única contradição. Na opinião de muitos “homens e mulheres de bem”, quem furta comida diante do desespero de ver seus filhos passando fome precisa ser trancafiado. Mas ajudar um candidato que perdeu a eleição a se eterninzar no poder através da invasão e vandalismo da sede dos Três Poderes na esperança de que as Forças Armadas decretassem uma operação de GLO e assumissem o poder deveria ser motivo de prêmio.

Sempre vai ter gente antidemocrática ou blasé. Mas esses 31% poderiam ser bem menos, claro. A receita para tanto é a mesma para que não esqueçamos do golpe de 1964 — que completa 60 anos neste domingo de Páscoa: contar e contar a história, principalmente às novas gerações, para que não nos esqueçamos que a liberdade da qual o país desfruta não veio de mão beijada. Mas custou o sangue, a carne e a saudade de muita gente.

Enquanto isso, Bolsonaro trabalha incansavelmente em entregar o seu ponto de vista. “Uma anistia para aqueles pobres coitados que estão presos em Brasília. Não queremos mais que seus filhos sejam órfãos de pais vivos. A conciliação!”, pediu o ex-presidente, em cima do trio elétrico para uma multidão de seguidores em 25 de fevereiro. Sob a justificativa de “pacificar” o país, tentou convencer a turma que faltou às aulas de História que o melhor é um arranjo para não puni-lo pelos crimes que cometeu.

Golpes quando esquecidos continuam gerando consequências. O golpe impune de 1964 continua vivo nos militares que insistem em melar eleições, no discurso cínico de que as Forças Armadas são o poder moderador e na corrupção de fardas limpas com braço forte e mão leve. Mas também segue vivo na tortura pelas mãos de policiais nas periferias, herdeiros dos métodos e técnicas desenvolvidos na repressão, que matam negro e pobre sob a certeza de que a sociedade não tem memória, quiçá justiça.

Sinal dos tempos: STF é forçado a dizer que poder militar é ficção

É sempre melhor a pessoas se arrependerem daquilo que experimentaram do que de algo que não foi experimentado. Exceto, naturalmente, queda de avião, ensopado de jiló e a naturalização da tese segundo a qual as Forças Armadas dispõem da prerrogativa constitucional de atuar como poder moderador da República.

Numa evidência de que a realidade não deixa de existir porque Bolsonaro a renega, o Supremo Tribunal Federal é compelido a refutar uma leitura extravagante do artigo 142 da Constituição. Por essa interpretação, as Forças Armadas poderiam intervir para moderar crises institucionais.

O terraplanismo constitucional é refutado no âmbito de ação movida pelo PDT em 2020. Naquele ano, Bolsonaro declarou durante reunião ministerial registrada em vídeo que “todo mundo quer fazer cumprir o artigo 142 da Constituição”. Desde então, o bolsonarismo intensificou a pregação bizarra de que a intervenção militar dispunha de amparo constitucional.

O julgamento da ação foi iniciado na última sexta-feira, no plenário virtual do Supremo. Relator da causa, o ministro Luiz Fux anotou em seu voto que “qualquer instituição que pretenda tomar o poder, seja qual for a intenção declarada, fora da democracia representativa ou mediante seu gradual desfazimento interno, age contra o texto e o espírito da Constituição”.

Fux acrescentou que “é premente constranger interpretações perigosas, que permitam a deturpação do texto constitucional e de seus pilares e ameacem o Estado Democrático de Direito, sob pena de incorrer em constitucionalismo abusivo”. O presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, endossou o voto de Fux.

Neste domingo, dia em o golpe militar de 1964 faz aniversário de 60 anos, o ministro Flávio Dino engrossou o coro que rende homenagens ao óbvio: “Com efeito, lembro que não existe, no nosso regime constitucional, um ‘poder militar’. O poder é apenas civil, constituído por três ramos ungidos pela soberania popular, direta ou indiretamente. A tais poderes constitucionais, a função militar é subalterna, como aliás consta do artigo 142 da Carta Magna”.

Dino fez um acréscimo ao voto de Fux. Para reforçar a evidência de não existe a assombração da “intervenção militar constitucional”, determinou que o resultado do julgamento do Supremo seja encaminhado para o Ministério da Defesa. O objetivo é difundir o óbvio para todas as organizações militares, “inclusive escolas de formação, aperfeiçoamento e similares”.

Numa referência à tentativa de golpe de 2022, Dino anotou que “a notificação visa expungir [fazer desaparecer] desinformações que alcançaram alguns membros das Forças Armadas – com efeitos práticos escassos, mas merecedores de máxima atenção pelo elevado potencial deletério à pátria”.

Sem mencionar o nome do jurista Ives Gandra Martins, que chegou a defender ideia de que cabe às Forças Armadas moderar conflitos entre os Poderes da República, Flávio Dino criticou os profissionais do Direito que “emprestaram os seus conhecimentos para fornecer disfarce de legitimidade a horrendos atos de abuso de poder”.

Há políticos cuja obra só será devidamente compreendida daqui a um século. Com Bolsonaro é diferente. As ações do capitão só poderiam ser perfeitamente entendidas dois séculos atrás. O poder moderador existiu na constituição brasileira de 1824. Era exercido pelo imperador, que dispunha de um poder hegemônico.

Quer dizer: admitir que Bolsonaro pudesse manejar as Forças Armadas para virar a mesa da democracia, coroando-se imperador do Brasil, representaria não uma reedição mequetrefe do golpe de 1964, mas um recuo de 200 anos na história.


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