04/05/2024 - Edição 540

Poder

Após divulgação de áudios, situação de Mauro Cid se complica

Mensagens mostram que ex-ajudante de ordens sente falta de Bolsonaro e da cadeia

Publicado em 22/03/2024 10:26 - ICL Notícias, Leonardo Sakamoto e Josias de Souza (UOL), Ricardo Noblat (Metrópoles) – Edição Semana On

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Pela proximidade com o ex-presidente Jair Bolsonaro, de quem era ajudante de ordens, e acusado de vários crimes, o tenente-coronel Mauro Cid resolveu fazer delação premiada à Polícia Federal em troca de benefícios penais. As revelações que fez depois disso, ajudaram os investigadores a buscar provas em vários casos, como a tentativa de golpe de Estado, a falsificação de certificados de vacina e venda de joias que são patrimônio público.

Desde ontem, porém, a delação de Cid e a redução de pena decorrente dela estão em risco graças a revelações que a revista Veja trouxe a público. A reportagem de Robson Bonin, Laryssa Borges, Marcela Mattos mostra áudios nos quais o tenente-coronel diz que sofreu pressão dos policiais para delatar acontecimentos de que não teve conhecimento.

“Você pode falar o que quiser. Eles não aceitavam e discutiam. E discutiam que a minha versão não era a verdadeira, que não podia ter sido assim, que eu estava mentindo”, afirma, em uma das gravações, a um interlocutor desconhecido.

Mauro Cid diz que a Polícia Federal estava com “a narrativa pronta e não queria saber a verdade”.

Em alguns pontos, a fala registrada em áudio do militar claramente não bate com a realidade, como quando disse que nunca falou em golpe de Estado ou na existência de uma minuta que sugerisse algo ilegal. De acordo com vários outros depoimentos prestados à PF, tanto a preparação de um golpe quanto a minuta eram de amplo conhecimento do grupo de bolsonaristas.

O próprio Bolsonaro não desmentiu o fato, dizendo apenas que quando cogitava estado de sítio ou estado de defesa estava jogando “dentro das quatro linhas da Constituição” — algo que obviamente é falso, já que não havia no país as condições que justificassem um ato de exceção.

Outro alvo de crítica de Mauro Cid nos áudios é o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. “O Alexandre de Moraes é a lei. Ele prende, ele solta, quando ele quiser, como ele quiser. Com Ministério Público, sem Ministério Público, com acusação, sem acusação”, critica. Afirma que Moraes ‘já tem a sentença dele pronta” e só está “esperando passar um tempo” para denunciar a todos. “O PGR acata, aceita e ele prende todo mundo”.

Sobrou crítica também para Bolsonaro. “Quem mais perdeu coisa fui eu. Pega todo mundo aí. Ninguém perdeu carreira, ninguém perdeu vida financeira como eu perdi. Todo mundo (militar) já era quatro estrelas. Já tinha atingido o topo. O presidente teve Pix de milhões, ficou milionário”.

Como se vê pela notícia publicada na coluna de Juliana Dal Piva, neste portal, a divulgação desses áudios podem custar caro a Mauro Cid. Ele deverá ser chamado pela PF para se explicar.

Se as explicações não forem suficientes, o tenente-coronel se verá mais enrolado ainda do que já estava com a Justiça.

Algo que parecia impossível.

Mimimi de Cid não muda golpe delatado, mas tenta limpar pecha de traidor 

Os áudios de um desabafo de Mauro Cid não mudam em nada a investigação da Polícia Federal sobre o golpismo do seu ex-chefe e de seus asseclas militares e civis, uma vez que delações precisam ser comprovadas com outras fontes. Mas diz bastante sobre o medo de Cid, um bolsonarista-raiz, de ser tratado como traíra.

Revelados pela revista Veja, os áudios mostram o ex-faz-tudo de Bolsonaro criticando pressão da Polícia Federal, super-poderes do ministro Alexandre de Moraes e se vitimizando pelo abandono de antigos parças. Vale lembrar que o ex-chefe o largou na beira da estrada enquanto ele amargava uma cana.

Mesmo que diga que estava chapado de Lexotan à PF quando disse o que disse, já terá entregue um biscoito ao bolsonarismo – que rapidamente usou as falas em sua batalha para tentar mi-mi-mitigar o próprio crime. Até porque os aliados próximos do ex-presidente sempre repetiram que acreditava que Cid tinha deposto sobre tortura. Na verdade, ele entregou o ouro porque percebeu que passaria anos na cadeia porque havia sido cúmplice de uma intentona. E, agora, está irritado porque foi indiciado na fraude dos cartões de vacina.

Biscoito de vento, claro, uma vez que o golpismo já foi comprovado por minuta de decreto golpista que o próprio Jair reconheceu, toneladas de mensagens e até pelos ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica.

E tão ou mais importante do que a delação do próprio Mauro Cid foi a delação do celular de Mauro Cid. Os diálogos encontrados no aparelho serviram para a PF avançar na investigação sobre a identificação dos personagens e a estrutura do golpismo. O próprio, depois disso, não teve muito como não dar detalhes sobre o que havia sido encontrado. E ele nunca dizia tudo o que sabia, tanto que foi chamado várias vezes para depor diante de novas descobertas.

Cid, como ele mesmo disse, sabe que sua carreira militar acabou e o prestígio que tinha foi para o saco, então tenta evitar se tornar um pária.

O desabafo é importante para lembrar que ele é bolsonarista uma vez que seu entorno de caserna era bolsonarista, sua família, bolsonarista, seus amigos, bolsonaristas. Provavelmente até seu cachorro também latia “mito, mito, mito”. Considerando que ele delatou meio mundo desse meio, é de se esperar que não seja convidado para um jogo de truco no sábado à tarde no Clube Militar. E isso, para ele, é uma morte social. E traz o desprezo de seu ex-chefe e herói.

Ele não foi um mero espectador, mas peça-chave, uma espécie de assistente geral de Bolsonaro para assuntos golpistas.

Organizou até o financiamento (aqueles R$ 100 mil que aparecem nas mensagens com o militar Rafael Martins) do transporte de membros das forças especiais do Exército para ajudar em ataques ao Supremo Tribunal Federal e ao Congresso Nacional planejados em 15 de novembro de 2022. Ataques que, como sabemos, só vieram a ocorrer em 8 de janeiro de 2023.

O tenente-coronel não apenas articulava o golpe, mas torcia por ele, pelo que pode ser visto pelas mensagens. Sabia que a manutenção de Jair representava a sua própria continuidade em um cargo de prestígio. Sentia-se importante naquela articulação, talvez imaginando que daria orgulho ao próprio pai, o general Mauro Lourena Cid – que passou para a história como intermediário do ouro surrupiado do Brasil por Jair em lojinhas de Miami.

Agora, caído em desgraça, tenta reduzir os ataques a ele e a sua família e tentar resgatar um pouco da vida social e da imagem pública com o grupo que lhe era caro. Talvez até pressionar por conta do indiciamento. Precisa tomar cuidado. Se é ruim ser duas caras para os amigos, imagine então para a Polícia Federal.

Em tempo: as reclamações de Mauro Cid nos áudios de que foi o único a se estrepar lembram muito as de outro ex-faz-tudo de Bolsonaro, ex-militar, coincidentemente largado pelo chefe no meio do caminho: Fabrício “Rachadinha” Queiroz.

Áudios mostram que Cid sente falta de Bolsonaro e da cadeia

Mauro Cid acaba de entrar para a história das delações premiadas como um caso único de delator que desqualifica a própria colaboração antes do recebimento do prêmio judicial. Sua voz soou num lote de áudios vadios. Neles, detonou a Polícia Federal e Alexandre de Moraes. Insinuou ter sido pressionado a contar inverdades. Referiu-se ao inquérito inconcluso e às futuras sentenças como pratos prontos.

A Vaza Jato ensinou que gravações não chegam ao noticiário por acaso. Encurralado, Bolsonaro sonha com um tumulto nos inquéritos. Algo que lhe permita reduzir todos os seus crimes a um debate sobre tecnicalidades processuais. A PF ainda não sabe se Cid deseja intoxicar as investigações. Mas já tem duas certezas: o delator deixou seu advogado no papel de bobo e desafiou a lei da gravidade.

Mauro Cid virou delator para escorar achados dos investigadores. Agora, depende do amparo dos delegados para obter um prêmio judicial. Se a Polícia Federal soltar, Cid cai dentro de um mandado de prisão de Alexandre de Moraes. Anulando-se o acordo de delação, a PF aproveita as provas, inclusive as que foram fornecidas por Cid, já corroboradas por documentos e testemunhos como os do general Freire Gomes e do brigadeiro Baptista Júnior, ex-chefes do Exército e da Aeronáutica.

Cezar Bitencourt, o advogado de Cid, acompanhou-o em todos os depoimentos. Seria um defensor mequetrefe se não denunciasse eventuais arbitrariedades. Farejando o cheiro de queimado, o doutor mandou divulgar nota na qual chama de “desabafo” o surto do seu cliente.

A despeito do esforço do advogado para desfazer o mal-estar, o timbre vadio dos áudios indica que Mauro Cid sente falta do tempo em que satisfazia as vontades do capitão. Entediado com a companhia da tornozeleira eletrônica, parece que já não se importa de ser preso novamente, desde que reencontre Bolsonaro na cadeia.

Mauro Cid é só um: o militar que dá nojo porque desonrou a farda

A Polícia Federal tem mais de 30 horas de gravações da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordem de Bolsonaro. Elas confirmam tudo o que foi encontrado na memória do celular de Cid e o que ele mais contou espontaneamente em seis depoimentos prestados.

Mas Cid sempre foi um aprendiz de Bolsonaro. E entre as muitas lições que recebeu, destaca-se uma: em perigo, de preferência atire no próprio pé e jogue a culpa nos outros. Foi o que Cid fez na semana passada, em desabafo gravado por um amigo, ao desacreditar o que revelou na delação.

A revista Veja, em sua edição deste fim de semana, trouxe parte do desabafo. Cid diz, por exemplo, que a polícia o pressionou a relatar fatos que simplesmente não aconteceram e detalhar eventos sobre os quais não tinha conhecimento:

– Eles (os policiais) queriam que eu falasse coisas que eu não sei, que não aconteceram. Você pode falar o que quiser. Eles não aceitavam e discutiam. E discutiam que a minha versão não era a verdadeira, que não podia ter sido assim, que eu estava mentindo.

– A lei já acabou há muito tempo. A lei é eles, eles são a lei, o Alexandre Moraes é a lei. Ele prende quando ele quiser, como ele quiser; com Ministério Público, sem Ministério Público, com acusação, sem acusação.

– Eu vou dizer o que eu senti: eles já estão com a narrativa pronta, é só fechar. Eles querem o máximo possível de gente para confirmar a narrativa deles. É isso que eles querem.

– Se eu não colaborar, vou pegar 30, 40 anos. Porque eu estou [no caso da] vacina, eu estou [no caso da] joia.

– Vai entrar todo mundo em tudo. Vai somar as penas lá, vai dar mais de 100 anos para todo mundo. Entendeu? A cama está toda armada. E vou dizer: os bagrinhos estão pegando 17 anos. Teoricamente, os mais altos vão pegar quantos?

Em nota, a defesa de Cid desmentiu-o:

– Referidos áudios divulgados pela revista Veja, ao que parecem clandestinos, não passam de um desabafo [de Cid] que relata o difícil momento e a angústia pessoal, familiar e profissional pelos quais está passando, advindos da investigação e dos efeitos que ela produz perante a sociedade, familiares e colegas de farda, mas que, de forma alguma, comprometem a lisura, seriedade e correção dos termos de sua colaboração premiada.

Cid, hoje, será ouvido outra vez pela Polícia Federal. O que se mantém de pé: o que Cid contou nos depoimentos em troca de uma pena de prisão mais leve, ou o desabafo que fez ao amigo? A depender da resposta, Cid poderá novamente ser preso, e o acordo de delação desfeito.

A Polícia Federal dispõe de provas e indícios suficientes de que Bolsonaro planejou um golpe, roubou joias milionárias presenteadas por governos estrangeiros ao Estado brasileiro e pediu a Cid que falsificasse certidões de vacinação contra a Covid para que ele e a filha pudessem circular no exterior.

O ministro Alexandre de Moraes, presidente do inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal que apura crimes contra a democracia cometidos ao longo do governo Bolsonaro, já admite anular a delação de Cid. Se isso acontecer, pior para Cid, mas não só para ele, também para sua mulher e seu pai.

Gabriela Cid, mulher de Cid, aparece em mensagens trocadas com Ticiana Villas-Bôas, filha do ex-comandante do Exército general Villas-Bôas, sobre as manifestações na porta dos quartéis e discutindo o futuro de Moraes. O pai de Cid, um general da reserva, envolveu-se na venda das joias roubadas.

De todo modo, Cid prestou mais um serviço a Bolsonaro, que agora usará em sua defesa o que ele disse ao amigo. Mas isso não impedirá o ex-presidente de ser condenado e preso, talvez até apresse a condenação. Não há dois Mauro Cid na praça: o que diz uma coisa e depois o contrário. Só há um. Qual?

O militar que desonrou a farda que vestia e envergonhou o Exército. Como fez Bolsonaro no passado.


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