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PF ainda deve visita a empresários do agro que irrigaram golpe
Publicado em 01/03/2024 9:59 - Leonardo Sakamoto e Josias de Souza (UOL), Carolina Bataier (De Olho nos Ruralistas) – Edição Semana On
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Após Jair Bolsonaro defender um projeto de lei para anistiar os acusados e condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, uma consulta pública no site do Senado Federal sobre o PL 5.064/2023, do senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), que versa sobre o assunto, virou palco de disputa entre apoiadores e críticos do ex-presidente.
Até agora, quase 1 milhão de pessoas participaram da consulta, que vem sendo a mais acessada entre as disponíveis no portal e-Cidadania nos últimos dias. Na manhã desta sexta (1), o placar somava 511 mil votos contrários e 460 mil a favor, ou seja, 53% a 47%.
Todas as proposições que tramitam no Senado estão abertas para receber opiniões no site. As consultas não têm efeito vinculante, ou seja, não obrigam os parlamentares a votarem de acordo com o resultado, dando apenas uma sinalização. Elas tampouco podem ser tomadas como a opinião da população sobre o temas, uma vez que são enquetes e não pesquisas feitas com método científico.
Mas isso pouco importa para críticos e defensores de Bolsonaro. Há campanhas, de um lado e de outro, circulando nas redes e aplicativos de mensagens, pedindo voto. Algumas até exageram, afirmando que a aprovação/reprovação do projeto de lei vai depender do resultado do portal.
Um dos pontos altos do discurso de Jair Bolsonaro, no ato convocado para defendê-lo, neste domingo (25), na avenida Paulista, foi o seu pedido para que o Congresso aprove uma anistia para os “pobres coitados do 8 de janeiro”. Ou seja, os bolsonaristas acusados pela Procuradoria-Geral da República e condenados pelo Supremo Tribunal Federal por participar dos atos golpistas.
Críticos ao ex-presidente veem na proposta uma tentativa dele se beneficiar, com o projeto de lei sendo alterado para abranger todo o processo golpista. Hoje, ele é investigado por uma tentativa de golpe de Estado que teve no 8 de janeiro uma de suas peças. E há a chance que venha a ser condenado e preso como idealizador e principal beneficiário.
“Uma anistia para aqueles pobres coitados que estão presos em Brasília. Não queremos mais que seus filhos sejam órfãos de pais vivos. A conciliação!”, pediu o ex-presidente, o último a discursas em cima do trio elétrico para uma multidão de seguidores.
“Já anistiamos no passado quem fez barbaridade no Brasil”, afirmou, referindo-se à Lei da Anistia, que beneficiou militares e civis ligados aos governos militares e opositores. Jair defendeu a prisão apenas para “quem depredou patrimônio público”, como se atentar contra a democracia não fosse muito mais custoso para uma nação.
Ele pediu para que os deputados bolsonaristas presentes no ato, como Gustavo Gayer, Marco Feliciano e Nikolas Ferreira, tocassem a proposta no parlamento, demonstrando o medo que ele está de ir para o xilindró.
Pesquisa Genial/Quaest, divulgada na quarta (28), aponta que 47% dos entrevistados acreditam que o ex-presidente participou de um plano para dar um golpe de Estado e evitar a posse de Lula, enquanto outros 40% afirmam que isso não aconteceu.
Ao mesmo tempo, 50% afirmam que seria justo prender Bolsonaro, enquanto outros 39% acreditam que não. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais. Os números foram levantados a partir de entrevistas presenciais com 2.000 pessoas acima de 16 anos de idade, de todas as regiões do Brasil, realizadas entre domingo e ontem. O nível de confiança da pesquisa é de 95%.
A pesquisa mostra um quadro tão polarizado quanto a enquete no Senado.
PF ainda deve visita a empresários do agro que irrigaram golpe
Realizada no dia 25 de fevereiro, data em que é celebrado o Dia do Agronegócio, a manifestação convocada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro na avenida Paulista teve a presença de 19 líderes ruralistas da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), entre deputados e senadores.
Desses, 14 são correligionários do Partido Liberal (PL) e quatro integram o Partido Progressistas (PP) que, desde setembro, integra a base do governo Lula. Completa a lista o PSDB, representado pelo senador Izalci Lucas, do Distrito Federal.
Presidente da FPA, o deputado Pedro Lupion (PP–PR) vestiu a camiseta verde e amarela da seleção brasileira e posou para uma foto ao lado dos governadores Ronaldo Caiado (União–GO), Romeu Zema (Novo–MG) e Tarcísio de Freitas (Republicanos–SP). A imagem foi publicada no Instagram e no Twitter do paranaense com a legenda “acompanhando a manifestação do povo brasileiro”.
Nos vídeos de convocação da manifestação, publicados em suas redes sociais, Bolsonaro adotou tom de fala moderado e informou que se tratava de um ato em defesa do Estado Democrático de Direito.
“Nesse evento, eu quero me defender de todas as acusações que vêm sendo imputadas à minha pessoa nos últimos meses”, ressaltou, em referência à operação da Polícia Federal que investiga o ex-presidente pela tentativa de golpe de estado do dia 8 de janeiro de 2023.
Em seu discurso na avenida Paulista, Bolsonaro questionou a acusação. “Golpe é tanque na rua, é arma, é conspiração, é trazer classes políticas pro seu lado, empresariais”, disse o ex-presidente no carro de som. “Nada disso foi feito no Brasil”. No discurso, Bolsonaro chamou de “pobres coitados” os participantes do quebra-quebra em Brasília.
Divulgado em outubro de 2023, o relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos Golpistas apresentou uma lista com dezesseis financiadores do movimento que resultou na invasão e depredação do patrimônio público. Desses, treze são fazendeiros, conforme noticiou o De Olho nos Ruralistas: “Entre 16 financiadores do golpe denunciados por CPMI,13 são fazendeiros”.
Base de Lula, PP marcou presença
Pedro Lupion pertence a uma linhagem de ruralistas paranaenses, composta pelo ex-deputado Abelardo Lupion e pelo ex-governador Moisés Lupion. O apoio dele a Jair Bolsonaro contou com o coro de outros três colegas de partido, o mesmo do presidente da Câmara, Arthur Lira.
Vice-presidente da FPA na Câmara, o capixaba Evair de Melo (PP), da bancada do café, viajou a São Paulo para a manifestação e compartilhou vídeos homenageando o ex-presidente e a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro.
Ele foi um dos líderes da bancada ruralista que receberam financiamento de campanha de fazendeiros com imóveis sobrepostos a terras indígenas, conforme revelado pelo relatório “Os Invasores: parlamentares e seus financiadores possuem sobreposições em terras indígenas”, produzido por este observatório. Evair recebeu R$ 20 mil de Adelar Mateus Jacobowski, sócio da Agropecuária São Gabriel, que disputa uma área limítrofe a TI Menkü, no Mato Grosso.
O mesmo tipo de financiamento beneficiou a campanha de outro nome de peso do PP, o senador gaúcho Luis Carlos Heinze. Atualmente ocupando o cargo de “vogal” — uma espécie de conselheiro — da FPA, o negacionista climático Heinze recebeu durante a campanha de 2018 uma transferência no valor de R$ 100 mil de Wanda Inês Riedi, diretora da empresa I.Riedi, um dos cem maiores conglomerados do agronegócio brasileiro. A empresa disputa terras com indígenas da TI Tekohá Guasu Guavirá, em Terra Roxa (PR), e é dona de 6.312,86 hectares sobrepostos às TIs Porquinhos e Kanela Memorturé, no Maranhão.
Vice-presidente da FPA para a região Norte, o deputado Vicentinho Junior (PP–TO) também vestiu verde e amarelo e foi para a avenida Paulista no domingo. Ele é investigado por usar recursos da cota parlamentar para comprar um carro no valor de R$ 100 mil. O veículo adquirido com dinheiro público foi registrado em nome da irmã do deputado.
Apesar da presença dos parlamentares, o PP integra oficialmente a base do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em setembro de 2023, o presidente da Câmara Arthur Lira negociou a adesão da sigla ao governo. Em troca, o líder do Centrão recebeu a presidência da Caixa Econômica Federal e da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), além do Ministério dos Esportes, onde emplacou seu aliado André Fufuca (PP–MA). Apesar da entrega de cargos, o bloco rachou nos meses seguintes: um grupo de parlamentares se amotinou e declarou não pertencer à base governista.
Ala ruralista do PL se conecta a invasores de terras indígenas
O deputado Domingos Sávio (PL–MG), vice-presidente da FPA na região Sudeste, acompanhou a manifestação do alto do trio elétrico principal, perto do ex-presidente Jair Bolsonaro. Agropecuarista, Sávio tem entre os financiadores da sua campanha o fazendeiro Adelar Mateus Jacobowski, titular da Fazenda Frei Gabriel, que se sobrepõe aos limites da TI Menkü, em Mato Grosso.
No grupo de integrantes da FPA, com campanha financiada por invasores de terras indígenas, estavam os deputados Marcos Pollon (PL–MS), da Comissão de Segurança no Campo; e Rodolfo Nogueira (PL–MS). Na campanha de 2022, eles receberam dinheiro dos fazendeiros Rovilson Alves Correa e Walter Romeiro Beloto, respectivamente, cujas fazendas incidem em TIs no Mato Grosso do Sul.
Entre os manifestantes com cargos de destaque na FPA estavam as deputadas Caroline de Toni (PL–SC), da Coordenação Jurídica da FPA; Coronel Fernanda (PL–MT), da Comissão de Defesa Vegetal e Bia Kicis (PL–DF), da Comissão de Alimentação e Saúde; e os deputados Giacobo (PL–PR), da Comissão de Orçamento; e Zé Vitor (PL–MG), da Comissão do Meio Ambiente.
Amigo íntimo de Bolsonaro, o deputado e ex-policial militar Alberto Fraga (PL–DF) usou o Instagram para convidar seus seguidores para o evento. Na FPA, ele é vogal, cargo equivalente ao de conselheiro. Entre os políticos com cargo de vogal, marcaram presença na manifestação bolsonarista os deputados Giovani Cherini (PL–RS), José Medeiros (PL–MT) e Roberta Roma (PL–BA), esposa de João Roma, presidente do PL na Bahia, que também vestiu verde e amarelo e posou ao lado de Lupion.
Para participar da manifestação, o senador Jorge Seif (PL–SC) alterou a data de uma viagem de trabalho e gerou um gasto público no valor de R$ 30 mil, conforme noticiou o UOL. No Instagram, ele publicou um carrossel de imagens, onde posa ao lado de outros apoiadores de Bolsonaro, como os senadores Magno Malta (PL–ES) e Márcio Bittar (UB), eleito pelo Acre, estado que, no dia da manifestação, tinha 17 dos 22 municípios em estado de emergência devido a enchentes.
A deputada Carla Zambelli (PL–SP) aproveitou a ocasião para fazer propaganda de uma marca de calçados que leva o nome do ex-presidente. Em um vídeo publicado no Instagram minutos antes do início da manifestação, Zambelli olha para a câmera e saúda seus seguidores: “E aí, pessoal, tudo bem? Chegando na Paulista com um detalhe”. Então, ela se abaixa e aponta para a botina, onde se lê “Bolsonaro” bordado em azul, entre uma faixa verde e outra amarela. “Vai virar moda”, afirmou.
O calçado é de uma marca criada por apoiadores do ex-presidente e tem como slogan a frase “Passos firmes com o agro”.
General diz à PF como passará à história: de cócoras ou em pé?
Há certos momentos na vida em que a pessoa precisa tomar uma decisão definitiva. O general Freire Gomes vive um desses instantes definitivos no depoimento à Polícia Federal. Comandante do Exército no período em que Bolsonaro tentou dar um golpe de Estado, o general não está diante de uma escolha qualquer. Não é como se fosse escolher uma gravata entre muitas que poderia usar durante o interrogatório. De certa maneira, é como se o general tivesse que escolher um Freire Gomes entre muitos.
Uma escolha definitiva o então chefe do Exército já fez. Foi chamado de “cagão” pelo companheiro de armas Braga Netto por não aderir à trama de Bolsonaro. Mas não deu voz de prisão aos golpistas. Alega-se que testemunhou a conspiração em silêncio para não borrifar gasolina na fogueira. Sua presença no inquérito como suspeito de omissão mostra a escolha pelo mutismo pode não ter sido a melhor. Durante a inquirição da PF, ao examinar as alternativas, o general decidirá: “Quero ser isso. Pelo resto da vida.
Se revelar aos investigadores todos os detalhes da tentativa de virada de mesa, revelando fatos e nomes sem restrições, Freire Gomes estará fazendo a coisa certa. Se optar novamente pelo silêncio ou pela construção de versões que lhe sejam menos desfavoráveis, a única coisa que o general tem a fazer em seguida, para ser coerente, é se esconder atrás da própria mediocridade e esperar por uma sentença capaz de dimensionar adequadamente a sua estatura.
A hora é agora. Freire Gomes tem a oportunidade de elevar a própria estatura ou rebaixar o pé-direito de sua biografia. Oferecendo dados que contribuam para o desfecho do inquérito sobre o golpe, o general cairá sobre o verbete da enciclopédia de pé. Tergiversando, entrará para a história de cócoras. Resta saber quem Freire Gomes decidiu ser.
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