18/05/2024 - Edição 540

Poder

Acuado, Bolsonaro quer atrair multidão de fãs em SP para postergar a cadeia

Ex-presidente sabe que está a caminho da guilhotina, e isso só o apavora

Publicado em 14/02/2024 10:05 - Leonardo Sakamoto, Josias de Souza (UOL), Guilherme Henrique e Matheus Gouvea de Andrade (DW), Ricardo Noblat (Metrópoles) – Edição Semana On

Divulgação Valter Campanato - Abr

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Com o cerco se fechando por causa da investigação da tentativa de golpe de Estado, Bolsonaro resolveu fazer uma demonstração de força, daqui a duas semanas, em São Paulo, chamando seus apoiadores. Quer imagens de multidão para vender, nas redes, a ideia de que o povo está a seu lado. Tática manjada, que funciona com quem já acredita nele, que busca pressionar aliados a sair em defesa do “mito”. E, quiçá, “encarecer” a cadeia.

Jair gravou um vídeo convocando os bolsonaristas radicais para um ato “em defesa do nosso Estado Democrático de Direito“. Um cinismo exemplar, uma vez ele tentou atropelar a democracia com a ajuda de militares, políticos aliados, empresários golpistas e uma horda de vândalos.

“Mais do que discurso, uma fotografia de todos vocês”, desenhou ele para não deixar margem de dúvida.

Pediu para que todos compareçam de verde e amarelo (reforçando o sequestro das cores nacionais pela extrema direita) e para que não venham com faixas criticando ninguém (pois sabe que seus fãs pediriam o linchamento do STF, o que seria cutucar Alexandre de Moraes com vara curta).

E para que a foto? “Para mostrarmos para o Brasil e para o mundo, a nossa união, as nossas preocupações”, disse no vídeo. Ou seja, para indicar que o grupo sob sua influência segue firme forte, apesar da quantidade de chorume revirada pelas investigações.

O que, ele avalia, vai pressionar deputados e senadores no Congresso Nacional para tentarem colocar um cabresto na PF, na PGR e no STF ou talvez avançando com a estapafúrdia proposta de anistia. Mas também para dar trabalho aos governadores eleitos na esteira do bolsonarismo que não estão em uma cruzada pelo ex-presidente após a operação da Polícia Federal.

A última vez que ele conclamou os seguidores para gerar uma grande foto como essa foi no 7 de setembro de 2022, durante as comemorações do Bicentenário da Independência em Brasília e no Rio – sequestradas pelo bolsonarismo para sua campanha à reeleição.

Os comícios que preparou para a data tinham, entre outros objetivos, produzir imagens para “provar” que o povo estava a seu lado. Ele parte de um fato concreto (Bolsonaro é realmente uma pessoa muito popular capaz de atrair muita gente) para vender uma extrapolação falsa (essas multidões demonstram que a maioria dos brasileiros concorda com ele).

Mesmo se ele enchesse a Esplanada dos Ministérios e a avenida Atlântica, onde foram as duas micaretas eleitoreiras no 7 de setembro, não poderia dizer que a maioria do povo brasileiro está com ele, mas sim que ele é capaz de mobilizar uma penca de seguidores. De acordo com institutos de pesquisa, o bolsonarismo-raiz gira em torno de 15% a 20% da população, o que, repito, não é pouca gente.

Fotos e vídeos produzidos daqui a duas semanas irão circular pelos grupos de WhatsApp e de Telegram e pelas redes sociais, transmitindo a ideia (falsa) de que o país inteiro está com ele. E, consequentemente, que apoia sua versão estapafúrdia de que está sendo perseguido. Ao final, Bolsonaro falará aos seus, que não representam a maioria.

Alheia a essas movimentações, está a grande massa de trabalhadores, mais preocupada em tentar garantir a própria sobrevivência do que acompanhar esse tipo de micareta. Tanto que, como já disse aqui várias vezes, golpista e genocida colaram muito menos em Jair do que a pecha de Bolsocaro, Rei do Desemprego ou Pai da Fome.

Mas ele vai usar as imagens para encarecer o custo de sua condenação e prisão, talvez vendendo a ideia de que haverá uma guerra civil se for preso. Não vai, principalmente se a economia estiver melhor no momento da pronúncia da sentença em comparação ao final do seu mandato. Conta, contudo, que a visão transmitida no Bolsoverso, o universo paralelo de seus seguidores, será forte o suficiente para gerar no restante consciente da sociedade a percepção de risco.

Bolsonaro procura na rua cartas para jogar com a PF e o Supremo

Pelo andar da diligência da Operação Hora da Verdade, o indiciamento de Bolsonaro tornou-se incontornável. Material há de sobra. Com a invulnerabilidade ameaçada, o investigado aguarda a má notícia da Polícia Federal equipando-se para os lances seguintes.

Em privado, Bolsonaro se diz convicto de que o procurador-geral Paulo Gonet irá denunciá-lo no Supremo Tribunal Federal. Pior: avalia que a carta da sua prisão entrou no baralho de Alexandre de Moraes.

Três fatores intensificam o desconforto de Bolsonaro. Primeiro, incomoda-se com o cerco. Segundo, sente falta do apoio público dos aliados mais poderosos. Finalmente, desalenta-se com a percepção de que já não dispõe de cartas para jogar baralho com a PF e Moraes. Decidiu procurá-las na rua.

Bolsonaro divulgou nas redes sociais um vídeo convocando seus devotos para um ato na avenida Paulista em 25 de fevereiro, um domingo. Esforçando-se para responder às adversidades da conjuntura, Bolsonaro soou no vídeo respeitoso —não levam faixas e cartazes “contra quem quer que seja”—, legalista —a manifestação será em defesa do “Estado Democrático de Direito”— e ponderado -“quero me defender de todas as acusações”.

Ou seja: o personagem do vídeo, conhecido pelo destempero imoderado, estava completamente fora de si. De cabelo em pé, os aliados receiam que o ato fuja ao controle. Sabem que o Bolsonaro moderado do vídeo não existe.

O palco escolhido para a reação não é casual. Exibindo-se na Paulista, Bolsonaro tenta tirar dois coelhos da cartola. Força o governador de São Paulo Tarcísio de Freitas e o prefeito paulistano Ricardo Nunes a se posicionarem publicamente em sua defesa. E coloca os devotos mobilizados contra a Polícia Federal e o Supremo. Acena com a hipótese de caos social, encarecendo o indiciamento e a provável sentença criminal.

Ainda que a mobilização seja portentosa, a mágica pode ser insuficiente. Lula, o outro líder popular com capacidade de mobilizar seguidores, também manejou o “fator convulsão” quando foi excluído da cédula de 2018. Passou um ano e sete meses na cadeia, sem conturbações sociais. Bolsonaro já foi declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral. Sobreveio o alívio, não a conturbação.

O bolsonarismo não desapareceu com os quatro anos de Presidência ruinosa. Mas emagreceu na derrota de 2022. O movimento encontra-se agora submetido à dieta imposta pelo 8 de janeiro e pelo excesso de processos judiciais.

Mesmo os aliados mais fiéis perceberão em algum momento que a adesão irrefletida ao radicalismo iracundo pode render votos, mas não ganha eleições majoritárias. Talvez prefiram cultivar um conservadorismo menos estridente e livre da radioatividade criminal.

No atual estágio, os truques de Bolsonaro podem estar com o prazo de validade vencido. Já não basta ao capitão exibir um par de coelhos na avenida Paulista. Para virar o jogo, ele precisaria retirar cartolas de dentro dos coelhos.

GLO de plano de Bolsonaro buscaria disfarçar golpe

Um dos mecanismos previstos no suposto plano de golpe de Estado articulado por Jair Bolsonaro e seus aliados era a adoção da Garantia da Lei e da Ordem (GLO). A medida estava descrita num documento encontrado pela Polícia Federal na sala do ex-presidente na sede do PL, em Brasília. Na avaliação de especialistas, essa manobra buscava uma mobilização discreta das Forças Armadas para garantir o sucesso do golpe.

“Esses documentos mostram que os golpistas imaginavam que, com a decretação de uma operação de Garantia de Lei e da Ordem, eles poderiam mobilizar os setores das Forças Armadas que estavam comprometidos com o projeto para tomar o poder, respaldado inclusive por oficiais da ativa”, aponta a cientista política Adriana Marques, coordenadora do Laboratório de Estudos de Segurança e Defesa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (DGE/UFRJ).

Prevista no artigo 142 da Constituição Federal, a GLO garante a presença militares em situações de perturbação da ordem e após o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública. Ela precisa ser autorizada pelo presidente da República e foi adotada ao longo dos últimos anos em grandes eventos, como Eco-92, Copa do Mundo de 2014 e Jogos Olímpicos de 2016, e para prover a segurança pública, sobretudo nas favelas, em operações no Complexo da Maré e da Penha.

“Com a GLO, o controle das vias, dos acessos, e da capital estaria com os militares. Formalmente seria o Exército, mas o que podemos interpretar é que a suposta operação de GLO seria na prática transformar aquelas unidades do Exército em instrumento dos militares bolsonaristas. Os acampamentos seriam mantidos e um segundo passo seria escalar para um estado de sítio”, afirma o cientista político Eduardo Heleno, da Universidade Federal Fluminense (UFF).

“A GLO serviria para encobrir um golpe de Estado clássico, com os tanques na rua e afins. Já era notório há bastante tempo que não haveria reconhecimento internacional e muito menos apoio a qualquer tipo de intervenção, militar ou não, para romper com a democracia no Brasil”, acrescenta o historiador Eduardo Svartman, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Herança da Ditadura

De acordo com analistas, a GLO é um resquício da ditadura militar brasileira (1964-1985) e da presença das Forças Armadas na vida política do país, mesmo com o restabelecimento da democracia. “Houve um lobby bastante efetivo das Forças Armadas na elaboração da Constituição, para evitar que elas ficassem restritas apenas à defesa da soberania do país contra ameaças externas”, comenta Marques.

Esse lobby pós-ditadura garantiu aos militares a presença em ações variadas ao longo dos últimos 40 anos. Dentro da caserna, há o entendimento de que as operações de Garantia e Lei da Ordem podem ser benéficas, a depender do objetivo. “Eles não gostam de greve de policiais, por exemplo. Agora, quando se trata de grandes eventos, com começo, meio e fim, e que não envolve desgaste da imagem das Forças Armadas, eles gostam. É onde eles são elogiados como garantidores da segurança pública no país”, explica Marques.

Logo após a sua eleição em 2022, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva descartou o uso da GLO em ações de segurança pública. Mas mudou de ideia em novembro do ano passado, quando adotou a medida numa tentativa de conter o crime organizado em portos e aeroportos do Rio de Janeiro e de São Paulo.

“O principal problema da GLO é a brecha que ela abre para ‘operações internas’, isto é, na política doméstica. A posição de poder efetiva está com quem assina uma GLO. Portanto, para se evitar esse problema, basta não as decretar”, pondera o sociólogo Piero Leirner, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar).

“Há o entendimento de que só as Forças Armadas têm competência para resolver situações em que há uma suposta ausência de Estado. Isso é uma construção de longa duração e difícil de desmontar. Me parece evidente que o Estado tem que botar algo no lugar que preencha esse ‘vácuo'”, complementa ele.

Svartman afirma ainda que o emprego recorrente das GLOs pelos militares em ações da sociedade civil dá poder à corporação. “A mobilização das tropas para resolver problemas de toda ordem, com greve de policiais e rebeliões, dá um elemento de barganha às Forças Armadas”, avalia.

Relação dos militares com governo

Após as revelações da PF, Lula não criticou a cúpula militar. O ministro da Defesa, José Mucio, defendeu a instituição e disse que “só um grupo” de militares desejava o golpe. “A atual cúpula é sócia dessa versão de que existiam ‘militares golpistas localizados’. Isso segue a atual direção do governo de estabelecer uma relação acomodada com as cúpulas militares”, salienta Leiner.

O sociólogo argumenta ainda que o poder civil não tem, neste momento, força institucional para enquadrar os militares. “A opinião pública, nessa matéria, não conta absolutamente nada. Isso é o jogo profundo dentro do Estado. E, no meu entendimento, o Estado, mais que o governo, está imbricado em um arranjo permanente em que os militares são intocáveis”, analisa Leiner.

“Até agora, a postura do Ministério da Defesa foi de apaziguar e pacificar relação com os militares. Mas a relação em uma democracia entre o poder político e as Forças Armadas deve ser de obediência. O governo precisa garantir a punição dos envolvidos, afastar quem é da ativa, para que sirva de exemplo”, afirma Marques.

A cientista política reforça a importância da discussão sobre o artigo 142. “Ele ocupa um papel central em todo esse imbróglio que nós vimos. Essa é uma discussão que deve ser feita no Congresso. Alguns parlamentares tentaram, mas o próprio Ministério da Defesa articulou para engavetar a medida”. Em janeiro do ano passado, Mucio afirmou à CNN Brasil que o tema deveria ser discutido com “quando as coisas estiverem mais serenadas, mais calmas, mais pacificadas.”

Para Eduardo Heleno, Lula, o Ministério da Defesa e os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica precisam “separar o joio do trigo”. “A resposta dever ser republicana, democrática e institucional, como deve ser em qualquer governo eleito pelo povo. Não se trata de vingança ou revanchismo e sim da promoção de justiça, e no caso do Exército, a recuperação da disciplina e hierarquia, seus pilares fundamentais, e da honra institucional.”

Após minuta do golpe, conta ligada a Bolsonaro sugeriu apoio de generais

Após a reunião em que Jair Bolsonaro discutiu e editou uma minuta de decreto de golpe de Estado com seus assessores, uma conta em redes sociais vinculada a ele, a Bolsonaro TV, postou uma imagem interpretada por seus seguidores como um recado de que o Exército ajudaria a impedir Lula de governar.

No dia 19 de novembro de 2022, o então presidente recebeu o seu assessor para assuntos internacionais, Filipe Martins, do advogado Amauri Saad, entre outras pessoas, no Palácio do Alvorada, e foi apresentado ao rascunho do documento. Martins foi preso no último dia 8 em meio à investigacão da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe de Estado.

Além da interferência na Justiça Eleitoral e a convocação de novas eleições, o texto também previa a prisão dos ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.

Na reunião, segundo delação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, o ex-chefe teria feito ajustes no texto e, das prisões, mantido apenas a de Moraes. No mesmo dia, o então presidente pediu reunião para apresentar a proposta golpista aos comandantes das Três Forças – o que veio a acontecer no 7 de dezembro.

No dia seguinte, uma postagem na conta Bolsonaro TV mostrava uma foto com o presidente, o general Braga Netto, vice em sua chapa, e outros generais ao fundo. Na legenda, “Para cego ver: Braga Netto e Bolsonaro. Ao fundo, generais”. Um trocadilho com a expressão usada para descrever imagens para pessoas com deficiência visual. Percebe-se, contudo, que a intenção não era essa, pois a conta não adota o mesmo cuidados nas outras publicações.

O perfil “Bolsonaro TV”, do aplicativo de mesmo nome que reúne conteúdo sobre Jair e é ligado a ele (a própria conta oficial do presidente no Twitter pediu “faça download de nosso app”), foi a principal fonte desse tipo de mensagens cifradas.

A partir da derrota para Lula em 30 de outubro de 2022, seguidores radicais do então presidente da República vinham se dedicando à interpretação de imagens postadas em perfis ligados a ele encaradas como “recados secretos” para manterem a mobilização na porta dos quartéis.

A maior parte das mensagens cifradas levavam a crer, segundo os próprios apoiadores nas caixas de comentários, que Bolsonaro e as Forças Armadas iriam impedir a posse de Lula.

A publicação com os generais foi entendida dessa forma pela ampla maioria dos mais de 5,2 mil comentários da publicação, lidos pela coluna com angústia.

“Se as Forças Armadas não agirem rápido, terão que prestar continência para um bandido”, “Eu autorizo, presidente, para cima deles”, “Estamos a postos também!!! Aguardamos o comando”, “Chegou a hora, meu presidente, chegou o grande momento de retormar a ordem e as leis funcionarem para todos”, “Bora pro pau”, “Unidos somos mais fortes, não vamos sair da porta dos quartéis”, “Salvem o Brasil das garras de Moraes e STF, por favor façam alguma coisa”, são alguns exemplo.

Um deles, soou até profético: “Em frente ao QG do Exército aqui em Brasília, um batalhão de soldados destemidos, guerreiros e fortes aguardando o próximo comando”.

Naquele momento, milhares de bolsonaristas estavam acampados nos arredores de instalações militares em várias cidades do país, aguardando, de 72 horas em 72 horas, que tanques viessem às ruas para ocupar o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral, atropelar o resultado das urnas e manter o perdedor do segundo turno, ou seja, Jair, no poder.

As postagens da Bolsonaro TV nas redes tomavam o cuidado de não defender abertamente o golpe militar, nem pedir para que os manifestantes permanecessem acampados ou trancando rodovias, evitando o risco de responsabilização criminal de Bolsonaro, do vereador Carlos Bolsonaro, que comanda a vida digital do pai, e de aliados. Mas deixaram recados que foram rapidamente entendidos pelos seguidores no sentido desejado pelo bolsonarismo.

Instituições saem fortalecidas após tentativa de golpe

Na avaliação de especialistas, as revelações da Operação Veritatis, da Polícia Federal, sobre a suposta tentativa de golpe de Estado no Brasil envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados, mostram que o país esteve perto de uma ruptura, mas que as instituições democráticas foram fundamentais na contenção dos planos.

A iniciativa, que contou com o apoio de parte dos militares no governo, foi contida com grande ímpeto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e, também, pela falta de apoio externo, especialmente dos Estados Unidos, apontam. Neste cenário, a democracia brasileira demonstrou resiliência e saiu fortalecida, avaliam.

“Evitamos uma ruptura democrática por pouco”, destaca Marco Antônio Teixeira, cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Muito do que ouvíamos passa a fazer mais sentindo com as revelações, incluindo as mobilizações nas portas dos quartéis e as manifestações em redes sociais de aliados do governo”, afirma.

Para o professor, sem a tomada de medidas antes das eleições, como as discutidas na reunião de ministros de julho de 2022 que teve quebra de sigilo, seria mais difícil alterar o processo após a divulgação dos resultados. Neste caso, houve uma tentativa de descredibilizar o sistema eleitoral por parte dos golpistas. Segundo Teixeira, havia uma articulação dos generais de dentro do governo buscando influência. “No entanto, a cúpula não topou o golpe, especialmente os militares na ativa”, destaca.

O professor lembra que se falava com receio de um eventual apoio das polícias militares ao golpe, o que não aconteceu na prática. Por outro lado, ele reforça que os atos de 8 de janeiro de 2023 tiveram “complacência” das forças de segurança do Distrito Federal.

Para Valetina Sader, diretora adjunta e líder para Brasil do Atlantic Council, think tank americano no campo das relações internacionais, os acontecimentos que seguiram o 8 de janeiro e as recentes revelações mostram que as instituições brasileiras são resilientes e conseguem discernir, investigar e, eventualmente, julgar indivíduos e ações independentemente de quem sejam. “Depois do 8 de janeiro, se mostraram capazes de investigar atos antidemocráticos, reforçando assim seu poder independente”, aponta.

Mais de um ano após os atos, a Procuradoria-Geral da República (PGR) já denunciou 1.413 pessoas, quase todas acusadas de serem incitadoras ou executoras dos ataques. Dentre elas, 30 foram julgadas e condenadas pelo STF a penas que chegam a 17 anos de prisão, por crimes como associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e deterioração de patrimônio tombado.

“Porém, no momento político polarizado em que o Brasil se encontra, é preciso cuidado e transparência para com a imparcialidade”, afirma a analista. Para Sader, é preciso que haja controle dos procedimentos para que a imparcialidade seja mais institucionalizada e os questionamentos sejam menores.

A importância do STF

“O STF foi muito importante, assegurando o processo democrático”, avalia Teixeira. Além das ações diretas contra os golpistas, o professor destaca que a Corte atuou, inclusive, na manutenção da credibilidade eleitoral, como no caso das ações contra fake news.

Para Sader, de toda forma, a lição que fica sobre a democracia do Brasil é a de que as instituições democráticas e o sistema de pesos e contrapesos entre os poderes foram e são resilientes.

“O país mostrou ter lideranças democráticas cientes de seus papéis institucionais. E uma justiça eleitoral especializada cujo regramento atenua a polarização e o extremismo no âmbito eleitoral e democrático”, afirma a analista.

Influências externas e repercussões no exterior

Para Teixeira, forças externas ajudaram a assegurar o processo democrático brasileiro, com destaque para as manifestações governamentais americanas. Em sua visão, a mudança de governo de Donald Trump para Joe Biden foi favorável ao Brasil.

Autoridades do governo americano se manifestaram uma série de vezes apoiando o processo democrático no Brasil. Logo após a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Biden conversou com o homólogo brasileiro por telefone, ocasião na qual expressou apoio ao processo eleitoral no país.

“As comparações do 8 de janeiro [de 2023] no Brasil com o 6 de janeiro [de 2021] nos Estados Unidos foram inevitáveis”, diz Sader, que aponta que as comparações do que se seguiu também serão. Em conjunto, tanto o 6 quanto o 8 de janeiro mostraram a insatisfação para com o sistema democrático e a mitificação que permeia a sociedade hoje em dia, avalia.

“E ambas não se limitam aos dois países. Vemos no mundo um crescente questionamento sobre o quanto a democracia e a personificação política entregam ou deixam de entregar para a população”, afirma a analista.

A lição que fica

“A resistência à tentativa de golpe mostra que as instituições saem fortalecidas”, avalia Teixeira.

Segundo ele, entre 2019 e 2022, “tivemos um cenário de desrespeito às instituições mais forte, incluindo descumprimento de ordens judiciais”. O professor cita como exemplos os casos de Roberto Jefferson e Daniel Silveira, ambos políticos que recusaram ordens de prisão neste período.

Neste contexto, houve ainda a declaração do deputado federal Eduardo Bolsonaro, que em 2018 afirmou que bastaria mandar “um soldado e um cabo” para fechar o STF. Por sua vez, na visão de Teixeira, nos últimos meses este cenário de rechaço às instituições no Brasil retrocedeu.

“Para os próximos capítulos dessa história, o Brasil precisa garantir a institucionalização dos processos e funções de Estado, especialmente o papel do Judiciário, o que proporcionará uma duradoura estabilidade política fomentadora do necessário engajamento democrático do cidadão”, conclui Sader.

Bolsonaro sabe que está a caminho da guilhotina, e isso só o apavora

Ninguém escapou à guilhotina na Revolução Francesa de 1789 para contar depois qual foi o momento mais apavorante do seu último dia de vida. Terá sido a caminhada até o cadafalso sob o silêncio ou os apupos da multidão?

Ou terá sido o ato de ajoelhar-se e pôr a cabeça em uma armação de madeira que a prenderia para que, dali a instantes, fosse separada do resto do corpo com a queda de uma lâmina pesada e afiadíssima?

Dizia-se que era uma morte indolor. Representantes do regime caído, entre eles o rei Luís XVI e a rainha Maria Antonieta, foram guilhotinados. Mais de 20 mil pessoas morreram em 50 guilhotinas durante os anos de terror.

No século XIX, o Brasil aboliu a pena de morte. Foi o segundo país das Américas a fazê-lo, precedido pela Costa Rica. Embora não aplicada, a pena de morte voltou a existir durante a ditadura militar entre 1969 e 1978.

Bolsonaro é um confesso apreciador da pena de morte, desde que não para ele, naturalmente, nem para os seus. Em 1999, em entrevista à Band, já como deputado federal, ele disse que o voto não mudaria nada no Brasil:

“Só vai mudar infelizmente quando partirmos para uma guerra civil, fazendo um trabalho que o regime militar não fez. Matando uns 30 mil, começando com FHC [Fernando Henrique Cardoso, o então presidente da República].”

E acrescentou:

“Vão morrer alguns inocentes. Tudo bem. Em toda guerra, morrem inocentes. Eu até fico feliz se morrer, mas desde que vão 30 mil juntos comigo. Fora isso, vai ficar no nhem‐nhem‐nhem”.

O entrevistador perguntou se ele, caso fosse eleito presidente, fecharia o Congresso. Resposta:

“Não há a menor dúvida. Daria golpe no mesmo dia. Não funciona e tenho certeza de que pelo menos 90% da população vai bater palma. O Congresso, hoje em dia, não vale para nada”.

Vinte e dois anos depois, já como presidente, advertiu às vésperas do dia 7 de setembro de 2021:

“Eu tenho três alternativas para o meu futuro: estar preso, ser morto ou a vitória. Podem ter certeza: a primeira alternativa não existe.”

É justamente a alternativa que agora lhe resta. Não é sensato desejar a morte de ninguém, e eu não desejo. O presidente Getúlio Vargas suicidou-se para não ser deposto. Covardia ou coragem? Bolsonaro jamais faria isso – ainda bem.

Acossado pela Polícia Federal, abandonado por seus aliados mais poderosos, temendo que a bolha bolsonarista comece a esvaziar, ele sacou uma arma, talvez a única que tenha: o apelo desesperado às ruas.

Em mensagem gravada, onde aparece sozinho, bem penteado e calmo, convocou seus devotos para uma manifestação no próximo domingo, dia 25, no palco preferido dos bolsonaristas: a Avenida Paulista.

Dois aliados políticos dele confirmaram presença: o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) e o líder da oposição na Câmara, Carlos Jordy (PL-RJ), ambos investigados pela Polícia Federal.

Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo, e Ricardo Nunes (MDB), prefeito da capital e candidato à reeleição, ainda não disseram se comparecerão. Os demais governadores bolsonaristas observam de longe.

É uma jogada arriscada de Bolsonaro. Tudo o que ele quer é tirar uma fotografia na companhia de uma multidão, mas não só: também de líderes políticos de peso. E se eles não forem? E se a multidão for pequena?

Como ele pensa em se apresentar? Como o velho Bolsonaro agressivo e desaforado que o país conhece e derrotou em outubro de 2022? Ou como o Jair Paz e Amor que foi um dia, exclusivamente por medo de ser preso?

As duas versões de Bolsonaro, a verdadeira e a falsa, não farão diferença para seu destino. A primeira só agravaria sua situação; a segunda seria mal recebida pelos extremistas dos acampamentos que tentaram virar a mesa.

O ministro Alexandre de Moraes, que preside o inquérito sobre o golpe contra a democracia abortado por falta de apoio, joga com as peças brancas. Bolsonaro, um reles iniciante, com as pretas. Você aposta em quem?


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