08/05/2024 - Edição 540

Palavra do Editor

Tarde demais

Publicado em 28/04/2016 12:00 -

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Interessante observar o que podem ser as últimas ações da presidente Dilma no poder. A possibilidade do afastamento parece ter despertado na presidente um último suspiro progressista, ou pode ser apenas uma derradeira tentativa de reunir à sua volta aqueles campos da esquerda que o Governo e o PT demonizaram e isolaram nos últimos anos.

Dilma está aproveitando seus últimos dias para ações muito positivas aos olhos de quem acredita em uma sociedade mais inclusiva e justa. Mesmo após negligenciar muitas destas demandas nestes 13 anos, o governo petista está ousando em seus estertores, por exemplo, no campo dos direitos humanos, no combate à violência policial, no enfrentamento do corporativismo médico e a favor dos indígenas.

A presidente, por exemplo, enviou pedido de urgência ao Congresso para votação do projeto de lei que acaba com os autos de resistência. O PL 4471/2012 acaba com a possibilidade de as lesões e mortes decorrentes das ações policiais serem justificadas por meio do auto de resistência. O PL propõe que tais casos terão de ser investigados por meio de um inquérito e que o autor poderá ser preso em flagrante. Pela legislação atual, policiais são autorizados pelo Código de Processo Penal a usar quaisquer meios necessários no caso de resistência à prisão. Na avaliação de movimentos ligados aos direitos humanos, o mecanismo é uma forma de racismo institucionalizado e acaba servindo de artifício para justificar a violência policial contra jovens negros e pobres.

Mesmo após negligenciar muitas destas demandas nestes 13 anos, o governo petista está ousando em seus estertores, por exemplo, no campo dos direitos humanos, no combate à violência policial, no enfrentamento do corporativismo médico e a favor dos indígenas.

A causa indígena, sistematicamente escanteada pelo governo, também foi alvo de atenção da presidente, que anunciou a homologação de terras indígenas cujos processos estavam engavetados. O decreto é a fase final do processo de demarcação e vem depois da portaria declaratória, assinada pelo ministro da Justiça. Outra ação foi a instalação do Conselho Nacional de Política Indigenista, demanda dos povos indígenas para participar da elaboração da política indigenista do país.

A garantia de continuidade do Programa Mais Médicos – que tanto irritou o corporativismo médico – por mais três anos foi outra ação de Dilma nesta semana.  A três meses do fim do prazo de participação dos primeiros profissionais selecionados para o programa, o governo editou uma medida provisória para prorrogar estes contratos.

Dilma assinou também o decreto que reconhece nome social e identidade de gênero. Agora, órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional deverão adotar o nome social da pessoa transexual ou travesti.

Mas é tarde demais… O PT abandonou quase todas as pautas de esquerda que um dia defendeu. A Carta aos Brasileiros, de Lula, foi o primeiro passo, e Dilma deu os passos finais durante os últimos 5 anos. Governos petistas não apenas abandonaram as pautas de esquerda, apostando apenas em assistencialismo e incentivo ao consumo ao contrário de cidadania, como também engessaram e neutralizaram movimentos de esquerda como o MST, a UNE, UBES e sindicatos e centrais, como a CUT que há muito deixaram de ser movimentos e organizações populares e classistas e se resumem a marionetes do governo e do PT.

Questões históricas da esquerda – como reforma agrária, direitos de LGBTs, mulheres e demais minorias – foram sumariamente abandonadas, ao passo que o governo por vezes passou a agir como inimigo de tais pautas/movimentos/grupos.

O veto à auditoria da dívida pública, outra bandeira história do PT, aliado às reformas da previdência (com cortes de direitos previdenciários, por exemplo) realizadas ou propostas pelo PT mostram a total derrota do ideário de esquerda na economia, isso aliado às privatizações e à insistência no clientelismo e pagamento de juros abusivos.

Que pena. Se tivesse incorporado, de fato, uma agenda progressista, com base nas tradicionais bandeiras da esquerda –  menos ortodoxa e mais libertária – o PT talvez não tivesse encerrando seu ciclo de poder de forma tão acachapante.


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