27/04/2024 - Edição 540

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Relatora da ONU fala pela 1ª vez em genocídio e pede embargo contra Israel

Exército israelense mata dezenas de civis em ataques a Gaza e cerca dois hospitais

Publicado em 25/03/2024 11:26 - Jamil Chade (UOL), Agência Brasil – Edição Semana On

Divulgação The New Arab

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Francesca Albanese, relatora da ONU sobre os territórios palestinos ocupados, afirma que os palestinos estão sendo alvos de um genocídio. O informe publicado nesta segunda (25) é o primeiro no âmbito da ONU a falar abertamente sobre a existência desse crime. Ela pede que os responsáveis sejam levados à Justiça e que um embargo de armas seja estabelecido contra Israel.

“A natureza e a escala avassaladoras do ataque de Israel a Gaza e as condições destrutivas de vida que ele infligiram revelam a intenção de destruir fisicamente os palestinos como um grupo”, diz o informe da ONU.

Ao UOL, ela admite que vem sendo alvo de ataques por sua posição. Mas insiste que existe um “silêncio por parte do Ocidente” diante dos crimes de Israel. “Gaza não existe mais. Espero que meu informe acorde a comunidade internacional”, afirmou.

Questionado se a declaração de Luiz Inácio Lula da Silva sobre o genocídio tinha base, ela respondeu de forma afirmativa. “Eu tenho argumentos legais”, confirmou.

O documento é, de fato, explícito ao dizer que “existem motivos razoáveis para acreditar que o limite que indica o cometimento dos seguintes atos de genocídio contra os palestinos em Gaza” foram ultrapassados. Isso inclui:

– Matar membros do grupo;

– Causar lesões corporais ou mentais graves aos membros do grupo; e

– Infligir deliberadamente ao grupo condições de vida calculadas para provocar sua destruição física total ou parcial.

“Os atos genocidas foram aprovados e efetivados após declarações de intenção genocida emitidas por altos funcionários militares e do governo”, reforça o informe da ONU.

Segundo o informe, que será debatido nesta terça (26) em Genebra entre os governos, “Israel procurou ocultar sua conduta eliminacionista de hostilidades, sancionando o cometimento de crimes internacionais como sendo de observância do direito internacional”.

“Distorcendo as regras do direito internacional, inclusive distinção, proporcionalidade e precauções, Israel tratou de fato todo um grupo protegido e sua infraestrutura de sustentação da vida como ‘terrorista’ ou ‘apoiador do terrorismo’, transformando assim tudo e todos em alvos ou danos colaterais, portanto, matáveis ou destrutíveis”, disse.

“Dessa forma, nenhum palestino em Gaza está seguro por definição. Isso teve efeitos devastadores e intencionais, custando a vida de dezenas de milhares de palestinos, destruindo a estrutura da vida em Gaza e causando danos irreparáveis a toda a sua população”, insistiu a relatora.

Para ela, “o genocídio de Israel contra os palestinos em Gaza é um estágio de escalada de um processo de apagamento colonial de colonos de longa data”.

“Por mais de sete décadas, esse processo sufocou o povo palestino como um grupo — demográfica, cultural, econômica e politicamente —, buscando deslocá-lo e expropriar e controlar suas terras e recursos. A Nakba [palavra em árabe que significa ‘catástrofe’ e usada para a expulsão dos palestinos em 1948 para a criação do Estado do Israel] em andamento deve ser interrompida e remediada de uma vez por todas. Esse é um imperativo devido às vítimas dessa tragédia altamente evitável e às gerações futuras dessa terra”, completou.

Relatora pede implementação de embargo de armas contra Israel

Em seu informe, a relatora apresenta diversas medidas para dar uma resposta a essa situação. Ela aponta que Israel e os Estados que foram cúmplices do que pode ser razoavelmente concluído como genocídio devem ser responsabilizados e oferecer reparações proporcionais à destruição, morte e danos infligidos ao povo palestino.

As medidas incluem:

– Implementar imediatamente um embargo de armas a Israel, já que ele parece não ter cumprido as medidas obrigatórias ordenadas pela Corte Internacional de Justiça em 26 de janeiro de 2024, bem como outras medidas econômicas e políticas necessárias para garantir um cessar-fogo imediato e duradouro e para restaurar o respeito ao direito internacional, incluindo sanções.

– Apoiar a África do Sul a recorrer ao Conselho de Segurança das Nações Unidas nos termos do artigo 94(2) da Carta das Nações Unidas após o não-cumprimento por Israel das medidas da CIJ mencionadas acima.

– Agir para garantir uma investigação completa, independente e transparente de todas as violações do direito internacional cometidas por todos os atores, incluindo aquelas que equivalem a crimes de guerra, crimes contra a humanidade e o crime de genocídio.

– Cooperar com mecanismos internacionais independentes de apuração de fatos/investigação e responsabilização.

– Encaminhar a situação na Palestina ao Tribunal Penal Internacional imediatamente, em apoio à sua investigação em andamento.

– Cumprir suas obrigações de acordo com os princípios da jurisdição universal, assegurando investigações e processos genuínos de indivíduos suspeitos de terem cometido, ajudado ou instigado o cometimento de crimes internacionais, inclusive genocídio, começando por seus próprios cidadãos.

– Assegurar que Israel, assim como os Estados que foram cúmplices nas mortes em Gaza, reconheçam os danos causados, comprometam-se com a não repetição, com medidas de prevenção, com reparações completas, incluindo o custo total da reconstrução do território, para o qual se recomenda o estabelecimento de um registro de danos com um processo de verificação e de reivindicações em massa.

– Desenvolver um plano para pôr fim ao status quo ilegal e insustentável que constitui a causa principal da última escalada, que acabou culminando no “genocídio” de Gaza, inclusive por meio da reconstituição do Comitê Especial da ONU contra o Apartheid para abordar de forma abrangente a situação na Palestina, e estar pronto para implementar medidas diplomáticas, econômicas e políticas previstas na Carta das Nações Unidas em caso de descumprimento por parte de Israel.

– Em curto prazo e como medida temporária, em consulta com o Estado da Palestina, implantar uma presença internacional de proteção para restringir a violência rotineiramente usada contra os palestinos no território palestino ocupado.

– Garantir que a UNRWA seja devidamente financiada para que possa atender às necessidades crescentes dos palestinos em Gaza.

ONU diz que Israel não permitirá mais ajuda de agência ao epicentro da fome

A ONU acusou o governo de Israel de ter proibido que sua agência para refugiados palestinos, a UNRWA, seja autorizada a entregar alimentos no Norte de Gaza, região mais afetada pelos combates e onde a fome seria iminente.

Nas redes sociais, o chefe da agência, Philippe Lazzarini, afirmou que “apesar da tragédia que se desenrola diante de nós, as autoridades israelenses informaram às Nações Unidas que não irão mais aprovar nenhum comboio de alimentos da UNRWA ao norte (de Gaza)”.

“Isso é escandaloso e faz a obstrução ser deliberada”, disse.

O governo de Israel ainda não se pronunciou. Mas, nos últimos dias, seus representantes afirmaram ao UOL que a agência precisa encarar suas atividades. A acusação é de que doze funcionários da organização tenham participado de alguma forma dos ataques do Hamas, em 7 de outubro contra Israel.

A ONU afirma que esses funcionários já foram demitidos e que um trabalho de investigação está ocorrendo. Mas insiste que seus mais de 13 mil funcionários garantem a sobrevivência hoje dos palestinos, em Gaza.

A decisão de barrar os comboios de alimentos foi comunicada por militares israelenses aos funcionários da ONU, no domingo. Isso ocorreu depois que Israel sequer respondeu a duas cartas enviadas pela agência, fazendo a solicitação para que a passagem fosse autorizada para seus caminhões.

Tedros Gebreyesus, diretor-geral da OMS, alertou que a decisão de Israel era “de fato um medida que iria negar às pessoas com fome a habilidade de sobreviver”.

“Milhares serão colocados a um passo mais perto da fome”, alertou Martin Griffiths, chefe de operações humanitárias da ONU.

A proibição ocorre num momento em que o secretário-geral da ONU, António Guterres, elevou o tom de críticas contra Israel e desafiou o governo de Benjamin Netanyahu, ao ir à fronteira de Gaza e pedir que o acesso aos alimentos sejam garantidos.

Nesta segunda-feira, ele ainda afirmou que retirar o financiamento da agência é “cruel”. De acordo com ele, uma operação de Israel em Rafah, onde estão milhares de palestinos, seria uma “catástrofe humanitária”.

Israel, porém, deixou claro na sexta-feira durante a reunião do Conselho de Segurança da ONU que “o único passo para um cessar-fogo” é a “aniquilação do Hamas” e indicou que a operação em Rafah faz parte dessa estratégia.

Israel mata dezenas em ataques a Gaza e cerca dois hospitais

As Forças Armadas israelenses mataram dezenas de pessoas em novos ataques a Gaza, disseram médicos palestinos nesta segunda-feira (25). Suas forças mantiveram o bloqueio de dois hospitais onde, segundo os militares, estão escondidos militantes do Hamas.

Enquanto Israel prosseguia com sua ofensiva, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, disse que há crescente consenso internacional em torno da necessidade de um cessar-fogo e que um ataque a Rafah causaria desastre humanitário.

Rafah, o último refúgio para mais de 1 milhão de palestinos na fronteira sul da Faixa de Gaza com o Egito, está entre as cidades que foram atacadas.

Médicos palestinos disseram que 30 pessoas foram mortas nas últimas 24 horas em Rafah, cuja população foi aumentada por palestinos deslocados que fugiram dos combates em outras partes de Gaza após mais de cinco meses de guerra.

“A cada bombardeio que ocorre em Rafah, tememos que os tanques cheguem. As últimas 24 horas foram um dos piores dias desde que nos mudamos para Rafah”, disse Abu Khaled, pai de sete filhos, que não quis dar seu nome completo por medo de represálias.

“Em Rafah, vivemos com medo, passamos fome, estamos sem teto e nosso futuro é desconhecido. Sem um cessar-fogo à vista, podemos acabar mortos ou deslocados para outro lugar, talvez para o norte ou para o sul (para o Egito)”, afirmou ele à Reuters por meio de um aplicativo de bate-papo.

Dezenas de palestinos participaram de manifestações e compareceram a funerais no início desta segunda-feira, depois que um ataque aéreo israelense matou 18 palestinos em uma casa em Deir Al-Balah, no centro de Gaza, informaram médicos palestinos e testemunhas.

As forças israelenses também sitiaram os hospitais Al-Amal e Nasser na cidade de Khan Younis, no sul do país, uma semana depois de entrarem no hospital Al Shifa, na Cidade de Gaza, o principal hospital da Faixa.

Israel alega que os hospitais de Gaza são usados pelo grupo militante palestino Hamas como bases, e divulgou vídeos e fotos que comprovam essa afirmação. O Hamas e a equipe médica negam a alegação e não disseram se algum combatente estava entre os mortos nos últimos ataques.

Os militares israelenses disseram ainda, em comunicado, que suas forças estavam “continuando a conduzir atividades operacionais precisas na área do hospital Shifa, evitando danos a civis, pacientes, equipes médicas e equipamentos médicos”.

O governo afirmou que suas forças detiveram 500 pessoas afiliadas ao Hamas e à aliada Jihad Islâmica e localizaram armas na região. O Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas, disse que centenas de pacientes e funcionários médicos foram detidos em Al Shifa.

As Forças Armadas de Israel também disseram que suas forças continuavam “atacando com precisão a infraestrutura terrorista em Al-Amal” e que “20 terroristas foram eliminados na área de Al Amal no último dia em combates a curta distância e ataques aéreos”.

A Reuters não conseguiu acessar as áreas hospitalares de Gaza e verificar os relatos de ambos os lados.


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