03/05/2024 - Edição 540

Entrevista

“Há um genocídio em curso na Palestina”, afirma Ualid Rabah

Presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil endossa fala de Lula sobre massacre em Gaza

Publicado em 19/02/2024 1:24 - UOL - Edição Semana On

Divulgação Foto: Guilherme Santos/Sul21

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O presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil (FEPAL), Ualid Rabah, endossou nesta segunda-feira (19) a fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o massacre perpetrado pelo governo de Israel na Faixa Gaza. Em entrevista ao UOL, Rabah trouxe números que mostram que, proporcionalmente, o assassinato sistemático de civis em Gaza atinge percentuais tão ou mais horrendos do que os que foram perpetrados pelois nazistas contra a população de origem judaica na Europa, contra homossexuais, esquerdistas, ciganos e pessoas com deficiência.

 

O que ocorre em Gaza hoje pode ser classificado como um genocídio?

Em primeiro lugar é preciso dessacralizar os genocídios para que não se diga que apenas um ocorreu e importa. Houve muitos outros genocídios, gigantescos, como por exemplo o do Congo, que vitimou perto de 11 milhões de pessoas em 10 anos, o de Ruanda, que talvez, proporcionalmente, tenha sido o maior de todos os tempos, bem como o genocídio nuclear no Japão, que foi seguramente o maior de todos os tempos, que em poucos minutos matou dezenas de milhares de pessoas. Em segundo lugar, os números de Gaza não permitem mentir.

Quais são estes números, que definem como genocídio a situação dos palestinos em Gaza?

A escala de morte hoje na faixa de Gaza se aproxima dos 3% da população, que foi a proporção da população morta no mundo inteiro quando houve a Segunda Guerra Mundial. A escala de crianças mortas na faixa de Gaza, hoje, supera proporcionalmente em 236 vezes as que foram mortas durante a Segunda Guerra Mundial. Segundo o Save the Children, morreram uma criança por um milhão de habitantes no mundo nas guerras entre 2019 a 2022. E em Gaza, agora, morreram 7.337 crianças por um milhão de habitantes. A quantidade de civis mortos na Alemanha durante toda a Segunda Guerra Mundial, correspondeu a 5,5% da sua população. Hoje, na faixa de Gaza, entre 90% e 92% das vítimas são, reconhecidamente, civis. Portanto, 1.650% a mais do que os mortos entre civis na Alemanha durante a Segunda Guerra. As crianças correspondem a 45% do total de mortos na faixa de Gaza. As mulheres, perto de 25%: 70.1% dos mortos hoje são mulheres e crianças na faixa de Gaza. Essa é a maior matança, segundo alguns analistas, de mulheres e crianças em guerras convencionais em todos os tempos. Isso significa um genocídio programado.

Outro dado importante é o nível de destruição da infraestrutura local, que atinge diretamente a vida das pessoas…

Sim. Este é outro dado que, talvez, passe despercebido dos grandes meios de comunicação. Segundo a Universidade do Oregon, nos Estados Unidos, o nível de destruição na Faixa de Gaza hoje é de 75%. Durante a Limpeza Étnica da Palestina, que durou quase 4 anos, de dezembro de 1947 até 1951, o nível de destruição da infraestrutura local da parte Palestina, tomada à força pelos sionistas, foi de 69%.

As pessoas deslocadas ou mortas, hoje, totalizam 92% da população da Faixa de Gaza. Durante todo o período da Limpeza Étnica da Palestina, este montante foi de 88% da população. Então, sim, estamos diante de um genocídio de uma magnitude poucas vezes vista em toda história humana, para não arriscar dizer que nunca foi visto algo parecido.

Não há, portanto, que se sacralizar um genocídio e se dessacralizar todos os demais genocídios. Há, sim, um genocídio em curso na Palestina e é possível fazer comparações históricas.

É possível distinguir o Governo Netanyahu do Estado e da sociedade de Israel, ou as coisas se confundem?

O cidadão comum não pode ser confundido com o plano genocida de um regime. O Estado de Israel, hoje, é um étnico Estado, declarado em 2018 como exclusivamente para os judeus. Então, esse é um problema deste regime. Mas, nós não podemos confundir o cidadão comum de Israel com a sua elite. Assim foi na África do Sul. Também não se poderia dizer que toda a população alemã deveria ser eliminada ou julgada em Nuremberg porque a sua elite política, intelectual e dirigente do Estado nazista alemão cometeu o que cometeu.

Mas, há uma coisa muito importante: a lei básica de Israel, deliberada por maioria no parlamento israelense em 2018. Em seus princípios básicos, ela diz o seguinte:  o direito à autodeterminação no Estado de Israel – e Netanyahu desenhou um Estado de Israel na ONU composto por toda a Palestina – é exclusiva do povo judeu. E depois, no item 7 dessa mesma lei, sobre os assentamentos judaicos, diz o seguinte: o Estado vê o desenvolvimento da colonização judaica como um valor nacional e deve agir para incentivar e promover o seu estabelecimento e consolidação. Isso quer dizer que expulsar a população palestina de Gaza, bem como da Cisjordânia, para instalar colonos, passou a ser um princípio de Estado, que deve ser promovido pelo Estado, consequentemente até pelas suas forças de colonização.

Infelizmente a maioria da população israelense de origem judaica apoia o regime em sua ação em Gaza. Essa é uma realidade que vem sendo desenhada desde a morte do Yitzhak Rabin, em 1995, assassinado por um colono judeu, extremista, por ter assinado os acordos de Oslo. Logo depois, em 1996, Netanyahu chegou ao poder, bem como Ariel Sharon, considerado o Carniceiro de Beirute.

O senhor acha que a sociedade israelense, em sua maioria, apoia o massacre em Gaza?

A sociedade israelense foi, aos poucos e solidamente, durante todos esses anos, perdendo o seu campo da paz. Só para nós termos uma ideia, hoje, menos de 10% da sociedade israelense, mesmo saindo às ruas contra Netanyahu, por outras razões internas, apoia uma solução pacífica na Palestina, para que israelenses e palestinos possam conviver em paz.

Esta situação ultrapassa a questão entre direita e esquerda?

Até 1977, a direita nunca esteve no poder em Israel. De 1947 – ainda antes do sionismo se autoproclamar Estado e se autodenominar Israel, em 14 de maio de 1948, quando começa a Limpeza Étnica na Palestina – até 1977, quando o Menachem Begin chega ao poder, todo o processo de Limpeza Étnica na Palestina e todas as guerras que levaram à expansão territorial de Israel foram comandadas pela esquerda israelense. Então o grande problema é o sionismo. O sionismo pretende tomar toda a Palestina: esse é o problema. Assim como foi, por exemplo, na África do Sul e em todos os demais regimes supremacistas, análogos ou idênticos.

Acha possível fazer uma distinção entre o Hamas e a maioria da população da Faixa de Gaza?

Em primeiro lugar, a sociedade palestina não é homogênea. Ela é heterogênea e tem suas escolhas políticas. A sociedade palestina é fundamentalmente laica. Neste particular, ela pode divergir, por exemplo, do Hamas, que pode ser interpretado – pelo menos na sua maioria – como uma formação política que imagina um Emirado Islâmico para a Palestina. Entretanto, não há que neste momento fazer essas distinções. Quando está em curso um genocídio, é o genocídio que precisa ser combatido. É o bloqueio da sociedade palestina, o bloqueio das soluções de paz, o bloqueio da vida humana normal na Palestina, especialmente em Gaza, que podem levar os palestinos a, eventualmente, escolher um caminho não promissor para a própria sociedade palestina. Então, o grande problema é a ocupação. Há, na Palestina, um fato insofismável: existe uma ocupação duradoura de 76 anos, que começa muito antes de existir o Hamas.

Além disso, há em Israel partidos extremistas…

Que precisam passar por um escrutínio, especialmente no Ocidente, para distinguir o que seriam partidos admitidos na sociedade global e quais são aqueles que têm conduta supremacista de eugenia total, equivalente ao que defendeu o nazismo, e que, portanto, deveriam ser impedidos de existir na sociedade humana.

A fala de Lula ajuda ou atrapalha à causa palestina?

Que líder relevante mundialmente falou contra o nazismo durante sua ascensão? Pesquisei e não achei nenhum. Se houvesse um Lula lá atrás, talvez o nazismo tivesse sido contido antes de se fortalecer.


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