05/05/2024 - Edição 540

Ecologia

Carlos Nobre alerta: Amazônia está próxima de se tornar savana

A iniciativa que pretende replantar 500 mil km² da região

Publicado em 09/12/2023 11:42 - Valentina Gindri (Agência Brasil) – Edição Semana On

Divulgação José Cruz - Abr

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O climatologista brasileiro Carlos Nobre, que estuda as alterações climáticas, disse, em entrevista à Agência Lusa, que a Amazônia já está muito próxima do ponto em que deixará de ser uma floresta tropical e se tornará uma savana.

Nobre, que participa de cinco estudos sobre a Amazônia brasileira apresentados na 28ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP28), que se realiza no Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, até o próximo dia 12, explicou que o período de seca na região tem aumentado nas últimas décadas, num claro sinal de que o chamado ponto de não retorno, ou seja, a “savanização” do bioma, está próximo.

“Nós estamos muito próximos desse ponto de não retorno porque em todo o sul da Amazônia a estação seca está muito mais longa. Essa estação era de três a quatro meses. Hoje, está de quatro a cinco meses. Se chegar de cinco a seis meses em duas décadas, se continuarmos nessa direção, já é um clima de savana tropical, do cerrado e não mais um clima da Amazônia”, afirmou.

O especialista citou como exemplo da perda de vitalidade do bioma, que é fundamental para deter o aquecimento global, o fato de no sul do Pará e no norte de Mato Grosso a floresta amazônica já se ter tornado uma fonte de carbono, ou seja, emite mais carbono na atmosfera do que absorve.

“Por que a estação seca [na Amazônia] está ficando mais longa? É uma combinação complexa, sinergética, entre o aquecimento global que está fazendo os fenômenos se tornarem mais extremos”, afirmou, mencionando o El Niño, fenômeno climático natural que ocorre em média a cada dois a sete anos, associado ao aumento das temperaturas da superfície no centro e leste do Oceano Pacífico tropical, mas que tem efeitos em todo o mundo.

“Por que os `el Niños` fortes estão se tornando mais frequentes? Aquecimento global, oceanos mais quentes. O Pacífico Equatorial mais quente. O Oceano Atlântico, ao Norte do Equador, está batendo recordes de temperatura e isso induz secas na Amazônia”.

Além das alterações climáticas, o cientista brasileiro, que no ano passado foi eleito o membro estrangeiro da Royal Society, instituição britânica que promove o conhecimento científico no mundo, citou o desflorestamento aliado à criação de gado no Norte do Brasil, que aumentou muito nas últimas décadas.

“O lugar com pastagem é muito pouco eficiente para reciclar água. A pastagem não recicla água como a floresta recicla durante a estação seca. A floresta recicla a água de uma forma muito eficiente, então, é isso que está acontecendo. Essas são as razões. Secas frequentes como em 2005, em 2010, entre 2015 e 2016 e [a seca recorde na Amazônia registada] agora em 2023, que vai até 2024”, acrescentou.

“Antes, tínhamos uma seca mais pronunciada na Amazônia a cada duas décadas. Agora, quatro secas em duas décadas, ou seja, três a quatro vezes mais frequentes e, isso, junto com o desflorestamento, coloca a Amazônia num enorme risco de chegar ao ponto de não retorno”, afirmou.

A avaliação de Nobre vai ao encontro de dados do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), o grupo de cientistas estabelecido pelas Nações Unidas para monitorar e assessorar toda a ciência global relacionada com as alterações climáticas, do qual foi integrante. Os dados indicam que a savanização da Amazônia já é um fenômeno em curso.

A Amazônia é a maior floresta tropical do mundo, tem a maior biodiversidade registrada no planeta, com cerca de 5,5 milhões de quilômetros quadrados, e inclui territórios do Brasil, Peru, da Colômbia, Venezuela, do Equador, da Bolívia, Guiana, do Suriname e da Guiana Francesa (pertencente à França).

A iniciativa que pretende replantar 500 mil km² da Amazônia

O Painel Científico para a Amazônia (SPA), formado por mais de 200 cientistas e pesquisadores dos oito países amazônicos, têm um plano ambicioso: implementar um dos maiores programas de restauração florestal do mundo. O projeto visa recuperar um quarto dos 2 milhões de quilômetros quadrados desmatados e degradados em toda a Amazônia. A ação contemplaria dois distintos arcos onde a cobertura de floresta se encontra em estado crítico.

O primeiro é o Arco de Restauração do sul da Amazônia, que se estende da costa atlântica até a Amazônia boliviana – área que teve a pecuária como principal vetor de desmatamento. Cientistas já alertaram que a região, repleta de pastos abandonados, estaria emitindo mais CO2 do que absorvendo da atmosfera. Já o outro Arco da Restauração seria ao longo dos Andes, em territórios do Peru, Equador e Colômbia, onde os principais vetores de desmatamento são a mineração ilegal e a exploração de petróleo.

Os esforços para conter o avanço da degradação da Amazônia são urgentes, já que estudos apontam que a floresta tropical está próxima de um ponto de não retorno, quando um processo irreversível de savanização se consolidaria. Além de parar o desmatamento, é preciso reverter o estrago.

O primeiro anúncio do projeto ocorreu na COP 27 no Egito. De lá para cá, um dos grandes avanços da iniciativa foi o engajamento do BNDES como apoiador e financiador. Estima-se que cerca de 20 bilhões de dólares são necessários para iniciar o projeto em escala adequada.

Para o climatologista Carlos Nobres, uma das mentes à frente dos Arcos da Restauração, o suporte do BNDES pode mobilizar a entrada de outros parceiros financeiros. “O lançamento com o BNDES durante a COP28 pode induzir grandes financiamentos para dar escala para esta restauração”, avalia.

Desafios e entraves

A expectativa é que o processo de restauração dure 30 anos. “Numa restauração florestal bem-sucedida, após esse período o sistema já alcança a sua máxima produtividade em termos de remoção de carbono da atmosfera”, explica Nobre. À medida que a floresta ganha biomassa, aumenta também a diversidade de habitat e parte da fauna é restabelecida.

Ainda não existe acordo ou definição sobre quem realizaria atividades de plantio e monitoramento. Nobre aponta que seria necessário o envolvimento de universidades, institutos de tecnologia, viveiros, ONGs e empresas privadas com atuação na região.

“Também será importante o engajamento de povos indígenas e comunidades locais, que têm historicamente mantido a quase totalidade de suas florestas. Estas áreas de florestas facilitam a regeneração natural de áreas desmatadas e degradadas próximas a elas”, observa o climatologista. Estima-se que 160 mil km2 da área desmatada e abandonada na Amazônia brasileira está em processo avançado de regeneração natural.

As barreiras são muitas, incluindo custo e disponibilidade de insumos, baixa oferta de sementes e mudas nativas, falta de crédito para experimentos e assistência técnica insuficiente. Esse auspicioso projeto de restauração demandará a participação de produtores em propriedades públicas. O projeto apoiará restauração em áreas como Unidades de Conservação, Terras Indígenas e áreas públicas não destinadas.  “O grande problema é que os produtores têm pouca experiência, baixo nível educacional, estão descapitalizados ou pouco motivados”, diz Nobre. Faltam agroindústrias para agregar valor aos produtos da restauração florestal.

Restaurar como área produtiva

Restauração ecológica significa a intervenção humana intencional em ecossistemas alterados ou degradados para desencadear, facilitar ou acelerar o processo natural de sucessão ecológica. Na prática, isso significa muito mais do que apenas plantar árvores.

Os sistemas agroflorestais são essenciais para essa transformação, pois, de acordo com Nobre, eles têm o potencial de gerar produtos com valor comercial que podem cobrir os custos do projeto e ainda gerar lucro. O pesquisador aponta que o projeto Arcos da Restauração pretende plantar espécies nativas frutíferas e de crescimento rápido, como açaí, andiroba, buriti, bacuri, cacau, castanha, cumaru, cupuaçu, grandiflorum, pupunha, entre outras.

Integrantes do painel Científico da Amazônia destacam que uma infraestrutura industrial básica é capaz de agregar valor aos produtos primários da agrofloresta, por meio de processos de despolpamento, prensagem, filtragem, desidratação, refrigeração e pasteurização.

“Por exemplo, os frutos de açaí são comprados a preços que variaram de R$ 1,2 a R$ 1,7 por quilo, enquanto a polpa pode ser comercializada por R$ 6,4 a R$ 10 e o óleo por R$ 250. As sementes de andiroba tem preço de compra entre R$ 1 e R$ 7,5 por quilo, e o óleo extraído dessas sementes atingiu valores de venda entre R$ 24 e R$ 30. No caso da castanha, as sementes frescas com casca foram compradas de R$ 1 a R$ 14 por quilo, enquanto as sementes desidratadas para consumo foram vendidas por R$ 50 por quilo”, exemplifica Nobre.


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