09/05/2024 - Edição 540

Povos da Terra

Relator da ONU alerta que marco temporal viola padrões internacionais

‘Peço ao Senado brasileiro que rejeite o projeto de lei pendente’, apelou o representante da entidade

Publicado em 21/06/2023 10:32 - Jamil Chade (UOL) – Edição Semana On

Divulgação Marcelo Camargo - Abr

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O relator da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, José Francisco Calí Tzay, afirmou que existe uma “grande preocupação” diante do impacto de uma eventual aprovação do marco temporal, no Brasil.

Para ele, sua adoção seria “contrária aos padrões internacionais”. “Espero que a decisão do Supremo Tribunal Federal esteja de acordo com os padrões internacionais de direitos humanos aplicáveis e que proporcione a maior proteção possível aos povos indígenas do Brasil”, defendeu.

O marco temporal limita o reconhecimento das terras ancestrais dos povos indígenas apenas às terras que ocupavam no dia da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.

“A doutrina do marco temporal” tem sido usada para anular processos administrativos de demarcação de terras indígenas, como no caso da Comunidade Guayaroka dos Povos Indígenas Guarani Kaiowa”, alertou o relator.

“Em diversas ocasiões, foi contestado por órgãos internacionais, povos indígenas e defensores de direitos humanos por desconsiderar o direito dos povos indígenas às terras das quais foram violentamente expulsos, especialmente entre 1945 e 1988 – um período de grande turbulência política e violações generalizadas de direitos humanos no Brasil, incluindo a ditadura”, disse.

Segundo ele, o julgamento poderá determinar o curso de mais de 300 casos pendentes de demarcação de terras indígenas no país. “Peço ao Supremo Tribunal Federal que não aplique a doutrina mencionada no caso e decida de acordo com as normas internacionais existentes sobre os Direitos dos Povos Indígenas”, disse.

Processo no Poder Legislativo também é criticado

O relator ainda se disse muito preocupado com a adoção, em 30 de maio, pela Câmara dos Deputados do Brasil, do Projeto de Lei 490/07 que, se aprovado pelo Senado, aplicaria legalmente a doutrina do marco temporal.

“Se a tese do marco temporal for aprovada, todas as terras indígenas, independentemente de seu status e região, serão avaliadas de acordo com a tese, colocando todas as 1393 Terras Indígenas sob ameaça direta”, disse. “É particularmente preocupante que o Projeto de Lei 490/07 indique explicitamente que sua regulamentação seria aplicável a todos esses casos pendentes, exacerbando a situação ao prolongar ainda mais ou potencialmente obstruir o processo de demarcação e expor os Povos Indígenas a conflitos, contaminação relacionada à mineração, escalada da violência e ameaças a seus direitos sociais e culturais”, afirmou.

O relator defendeu que qualquer decisão garanta reparações históricas para os povos indígenas e que evite a perpetuação de mais injustiças. “Peço ao Senado brasileiro que rejeite o projeto de lei pendente”, apelou o representante da ONU.

Ele ainda fez pedido para que o governo do Brasil tome “todas as medidas para proteger os povos indígenas, suas culturas e tradições, de acordo com a Constituição Federal brasileira e as obrigações internacionais de direitos humanos”.

ONU soa alerta e diz que projetos ameaçam indígenas

No último dia 29, o escritório da ONU para Direitos Humanos na América do Sul já havia feito um alerta sobre o caso. A entidade cobrou das autoridades “medidas urgentes em prol destas populações conforme as normas internacionais de direitos humanos”.

O órgão internacional se mostrou preocupado com a decisão da Câmara. “Aprovar o projeto conhecido como marco temporal seria um grave retrocesso para os direitos dos povos indígenas no Brasil, contrário as normas internacionais de direitos humanos”, destacou o chefe da ONU Direitos Humanos na América do Sul, Jan Jarab.

“A posse das terras existente em 1988, após o expansionismo da ditadura militar, não representa a relação tradicional forjada durante séculos pelos povos com seu entorno, ignorando arbitrariamente seus direitos territoriais e o valor ancestral das terras para seus modos de viver”, ele adicionou.

Em 2021, a ONU apresentou ao Congresso Nacional um parecer analisando aspectos do projeto de lei que são incompatíveis com as normas internacionais de direitos humanos.

A entidade ainda demonstrou preocupação com outra iniciativa na Câmara dos Deputados (MP 1158), que retira atribuições dos Ministérios dos Povos Indígenas e do Ambiente e a Mudança Climática no tocante a demarcação de terras e outros assuntos.

“O Parlamento brasileiro tem uma responsabilidade fundamental na promoção e proteção dos direitos humanos. Portanto, deve avaliar qualquer medida relacionada aos povos indígenas e o ambiente com o intuito de fortalecer as capacidades do país para proteger esses direitos, e para combater os impactos da mudança climática e o desmatamento”, disse o chefe regional.

Segundo a ONU Direitos Humanos, os povos indígenas e outras comunidades tradicionais no Brasil continuam afetadas desproporcionalmente por ataques e ameaças como o garimpo, a exploração ilegal da madeira, a poluição do ambiente, a desnutrição das crianças e outras formas de discriminação e violência.

“A falta de demarcação de terras tradicionais -que não avançou durante o governo anterior- contribui para a deterioração nos direitos destas populações”, disse.

O representante da ONU salientou ainda que vários mecanismos internacionais de direitos humanos -incluindo especialistas independentes e o órgão intergovernamental da Revisão Periódica Universal- já recomendaram ao Brasil a adoção de medidas para melhorar a situação dos povos indígenas.

“Ao invés de enfraquecer o marco de proteção, o Estado brasileiro em sua totalidade deve redobrar seus esforços e tomar medidas urgentes para enfrentar, na lei e na prática, a situação crítica de direitos humanos que vivem os povos indígenas, garantindo sua participação e seu direito a serem consultados nas decisões que os afetam, conforme os compromissos internacionais do país”, exortou Jan Jarab.

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Equipe Semana On

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