08/05/2024 - Edição 540

Eles em Nós

Entre os problemas de Neymar, as noitadas são ‘o de menos’

Idelber Avelar fala de futebol, política e quetais

Publicado em 02/11/2023 10:36 - Idelber Avelar

Divulgação

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Se pudermos suspender por um momento o juízo político que tenhamos sobre Lula e o juízo futebolístico que tenhamos sobre Neymar, creio que a conversa fica mais interessante. Claro que podemos criticar Lula pela indireta tosca, mas fazer apenas isso seria perder a dimensão da indireta, que diz mais que a bobagem enunciada em si.

O contexto: Messi ganhou pela oitava vez a Bola de Ouro, levando vários críticos de futebol da Europa a dissertar sobre o tédio do prêmio. Lula pontificou sobre o esforço e a dedicação de Messi como “exemplo” para “jogadores brasileiros” de que a Bola de Ouro não combina com “noitada”.

Outro elemento do contexto é que circulou nas redes uma suposta resposta de Neymar que dizia que “se noitada não faz craque, cachaça não faz Presidente”, mas essa resposta, por tudo o que se apurou, é FAKE, é uma montagem. Neymar acusou o golpe, sim, publicou algo na linha de “cuidar da própria vida”, depois apagou, e isso o que sabemos.

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Em todo caso, obviamente a indireta do Lula é para Neymar, pelo simples motivo de que Neymar tem sido o único repetido candidato brasileiro à Bola de Ouro nos últimos anos. Vinicius Jr. agora também é candidato, mas essa, para ele, é uma aspiração recente, e que ele ainda tem muito tempo para conquistar. O recado de Lula é só para Neymar mesmo.

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O recado é curioso, porque do enorme rol de problemas que tem Neymar — a tutela do pai, a tendência à simulação de faltas, a obsessão com a imagem e com as redes sociais, a bagunça da vida privada, a falta de empatia com os adversários (o que o torna detestado entre colegas), a burrice tática de jogar atrás levando mais pancada (em vez de avançar e ser protegido pela grande área), a ausência de um planejamento inteligente de carreira e uma longa lista de etecéteras –, as “noitadas” são o de menos, certamente muito menos do que elas representaram para as carreiras de Sócrates, Ronaldinho e Adriano, por exemplo, para mencionar três gênios da bola indiscutivelmente afetados por noitadas. Isso para não falar de Romário, que também era das noitadas, mas cuja carreira estranhamente não parecia afetada por elas (e há que se dizer que o Romário sempre foi adepto da noitada sem álcool — ele não bebia).

Não importa que a resposta de Neymar de que “cachaça não faz Presidente” seja fake — ela é uma resposta plausível, que muita gente já usou para falar de Lula, e o próprio fato de que a resposta fake tenha circulado tanto já diz muito. O próprio Ronaldo Fenômeno já usou esse argumento para alfinetar Lula, quando Lula o alfinetou por estar gordo na Copa de 2006. O que também é outra bizarrice, porque das mil e uma críticas que se podem fazer a Lula (e eu nem vou me dar ao trabalho de listá-las), certamente o gosto pela cachaça não está entre elas. Nunca o afetou em nada.

As duas vertentes de críticas vazias (o Neymar baladeiro e o Lula cachaceiro) mostram bem o que somos: um país moralista, hipócrita, que escolhe sempre atacar o outro pelo que o outro acolhe de puro prazer. Como se o prazer fosse sempre pecaminoso.

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A outra coisa que o tweet de Lula deixa à mostra é o advento de uma época em que as referências dos políticos aos jogadores de futebol e destes àqueles já operam segundo uma lógica da polarização total, em que cada jogador escolhe seu lado.

Nem sempre foi assim: Ronaldinho Gaúcho, por exemplo, acompanhava o político de ocasião, e tirou fotos com FHC e com Lula, depois com Dilma, com Temer etc. Nos últimos anos, a foto parece decretar um lugar, uma posição. Ela não é mais um significante vazio, preenchível a qualquer momento com o sorriso do Bruxo, seja lá qual for o político que esteja na foto. Isso acabou.

Mas acabou também a época em que Lula era um comentarista razoável de futebol. Não estranhem se aparecerem por aí mais tweets dizendo que o problema do futebol brasileiro são as dancinhas ou os vídeos dos jogadores no Tik Tok. É uma tagarelice ranzinza vazia, apenas isso, mas continua sendo melhor que o minúsculo, que zanzava por aí com a camisa de todos os times sem o menor interesse real no futebol em si. O Lula pelo menos torce de verdade para um time.

O fato é que mandou mal. Presidente não deveria enviar indireta para jogador de futebol–ainda mais quando a leitura passa longe do alvo, como foi o caso aqui.

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Idelber Avelar


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