09/05/2024 - Edição 540

Povos da Terra

Bolsonaro escondeu massacre de yanomamis para não atrapalhar reeleição

Ou Brasil pune o ex-presidente ou provará que países também cometem genocídio

Publicado em 12/05/2023 11:12 - Leonardo Sakamoto e Josias de Souza (UOL), Murilo Pajolla (DCM) – Edição Semana On

Divulgação Imagem: Urihi Yanomami

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É desconcertante a informação revelada por Igor Mello, nesta sexta (12), no UOL, de que o governo Jair Bolsonaro foi avisado sobre a gravidade da situação gerada pelo garimpo criminoso na Terra Indígena Yanomami, mas decidiu não interferir. O saldo disso, revelado já no início do governo Lula, foi violência, fome e morte.

A Funai produziu um relatório detalhado e pediu providências urgentes, mas a equipe do então ministro da Justiça Anderson Torres (sim, o mesmo que passou os últimos 117 dias preso em meio à investigação sobre a tentativa de golpe de 8 de janeiro) engavetou o documento.

Era agosto de 2022, início da campanha de Bolsonaro à reeleição. Não era hora, portanto, de permitir que o mundo visse imagens de crianças esquálidas e de aldeias repletas de doentes, muito menos de melindrar a base eleitoral do mito, composta inclusive por invasores de terras indígenas.

O governo sabia onde estava o garimpo ilegal devido ao mapeamento da Funai, poderia, portanto, ter enviado as Forças Armadas, a Polícia Federal, a Força Nacional, a Swat, os Vingadores, qualquer um, para fazer a mesma coisa que o novo governo vem fazendo nos últimos meses. Preferiu deixar o pau comer.

Vale lembrar que a direção da Funai era alinhada ideologicamente a Bolsonaro. Mesmo assim, o responsável pelo órgão, Marcelo Xavier, pediu a operação, mostrando que a situação era limite.

Garimpeiros ilegais levaram malária, contaminação por mercúrio e violência ao maior território indígena do país, localizado em Roraima. Durante seu mandato, Jair apoiou a exploração econômica de terras indígenas, desmobilizando as estruturas de fiscalização. Ao mesmo tempo, o seu governo não garantiu atendimento à saúde, vacinação e oferta de medicamentos e de alimentos.

O resultado foi uma crise humanitária sem precedentes. Dados divulgados pelo portal Sumaúma apontam que 570 crianças Yanomami de até cinco anos morreram por doenças que poderiam ter sido tratadas na gestão passada.

No mesmo mês de agosto, o então vice-presidente da República e presidente do Conselho da Amazônia e hoje senador, general Hamilton Mourão, alertou que garimpeiros continuavam invadindo o território e que havia necessidade de uma grande operação no local, como revelou a Agência Pública. Nada foi feito.

Mourão disse ao UOL que faltou dinheiro. A justificativa é uma afronta à inteligência dos brasileiros, uma vez que o governo do qual ele fez parte gastou bilhões para aumentar o Auxílio Brasil durante a eleição, em uma tentativa descarada de compra de voto dos mais pobres, e para reduzir impostos federais sobre os combustíveis? a fim de atrair a simpatia da classe média.

O governo Bolsonaro se virou nos 30 para salvar votos, mas não mexeu um músculo para salvar vidas de indígenas. Provavelmente, a avaliação era de que criança não vota e, portanto, não era um gasto válido.

A Policia Federal abriu investigação para avaliar se houve o crime de genocídio, omissão de socorro e desvios de recursos.

De acordo com pesquisa Genial/Quaest, de fevereiro deste ano, para 44% da população, a morte e a desnutrição dos Yanomami era culpa do governo Jair Bolsonaro. Outros 45% afirmaram que não era possível apontar a gestão do ex-presidente como a responsável pela tragédia. Como a margem de erro é de 2,2 pontos para mais e para menos, havia um empate técnico entre as opiniões.

Apesar de ter sido um dos principais assuntos nas redes sociais e veículos de comunicação naquele momento, 37% dos entrevistados afirmaram que ficaram sabendo da tragédia yanomami pelo entrevistador da pesquisa, enquanto 62% disseram estar por dentro do que estava acontecendo.

O relatório da Funai talvez ajude a mostrar a uma parte dos que eximiam Jair a sua responsabilidade no episódio.

O governo passado ainda negou sistematicamente comida aos indígenas que estavam morrendo de fome, como mostram documentos revelados por Carlos Madeiro, no UOL, em fevereiro. Foram enviados, entre junho de 2021 e março de 2022, aos Ministérios da Justiça e da Cidadania, pedidos de comida e alertas para a fome dos Yanomami. Não tiveram resposta adequada.

Isso reforça a comunicação por tentativa de genocídio indígena contra Jair Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional, em Haia, instituição responsável pelo julgamento de criminosos de guerra. A procuradoria do Tribunal Penal Internacional avalia se o denúncia à corte.

Toda essa história aponta que a reeleição de Bolsonaro teria colocado os Yanomami na rota da extinção. Pois uma coisa é a omissão por incompetência, outra a omissão como projeto.

Ou Brasil pune Bolsonaro ou provará que países também cometem genocídio

Aconteceram tantas coisas em quatro meses sem Bolsonaro no Planalto que algumas delas parecem esquecidas. Ninguém se lembra, por exemplo, de que a Polícia Federal abriu, 25 dias depois da chegada de Lula ao Planalto, inquérito para apurar se os yanomamis foram vítimas do crime de genocídio. É nesse contexto que a reportagem devastadora do UOL deve ser analisada. O repórter Igor Mello traz evidências documentais que, entre tantas outras provas, evidenciam a necessidade de punição de Bolsonaro e dos seus cúmplices.

O artigo 1º da lei 2.889, de 1956, define como genocida aquele que teve “intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso”. Para que um genocida seja punido é preciso comprovar que houve a intenção deliberada de cometer o crime. Em juridiquês, a língua dos advogados, a intenção de delinquir recebe o nome de “dolo”. Um presidente que dispunha de um mapa da mineração ilegal na terra Yanomami e optou por estimular o crime em vez de coibi-lo tornou escancarado o seu instinto doloso.

O artigo 231 da Constituição anota que “são reconhecidos aos indígenas sua organização social, costumes, crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” Bolsonaro questionou a demarcação da terra Yanomami desde a origem, há 30 anos. Na Presidência, estimulou com atos, declarações e omissões a invasão e a exploração da área por criminosos.

Junto com o garimpo ilegal e o crime organizado vieram a degradação ambiental, os estupros, os assassinatos, as mortes por desnutrição e por doenças tratáveis e a negligência no socorro aos indígenas durante a pandemia. Foi algo metódico, não foi ocasional. Nem as ordens do Supremo Tribunal Federal foram suficientes para interromper o descaso do governo com as populações indígenas.

Em março de 2022, o então ministro da Justiça Anderson Torres, que acaba de ser liberado da cadeia com tornozeleira, concedeu a Bolsonaro a Medalha do Mérito Indigenista. Foi um “reconhecimento pelos serviços relevantes” destinados a assegurar “bem-estar” e “proteção” às comunidades indígenas. Ou o Brasil pune Bolsonaro ou provará ao mundo que países também cometem genocídio. Ou, pior, suicídio.

Estudo inédito expõe ligação entre senador bolsonarista e genocídio Yanomami

Um estudo inédito da ONG Transparência Brasil divulgado no último dia 3 expõe a conexão entre o senador bolsonarista Mecias de Jesus (Republicanos-RR) e a crise sanitária que provocou a morte de pelo menos 570 crianças na Terra Indígena Yanomami, em Roraima.

Segundo o estudo, o ex-coordenador do Distrito de Saúde Indígena (DSEI) Yanomami Rômulo Pinheiro de Freitas tem relações estreitas com Mecias de Jesus, antigo defensor do garimpo em terras indígenas e presidente da Comissão do Senado que acompanha a expulsão dos garimpeiros do território Yanomami.

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), a má gestão da saúde indígena foi fator determinante para a crise humanitária que atinge os indígenas de Roraima. Faltaram remédios contra verminose para crianças e disponibilidade de voos pela empresa contratada para fazer as remoções aéreas dos pacientes para Boa Vista (RR).

“O caso evidencia a vulnerabilidade às interferências políticas nos DSEIs, que deveriam ser comandados por pessoas com qualificação técnica adequada, diferentemente de Rômulo. Além disso, ele possuía interesses comerciais junto aos órgãos antes de ser coordenador, através das empresas de seu irmão, Ricardo Pinheiro de Freitas”, afirma a Transparência Brasil, que atua há mais de 20 anos em favor do controle social sobre o poder público.

Não é o primeiro caso de um político bolsonarista com influência na saúde Yanomami. Em fevereiro, o Brasil de Fato mostrou que o senador Chico Rodrigues (DEM), também de Roraima e amigo de longa data de Jair Bolsonaro (PL), era ligado a uma empresa acusada de desvio de medicamentos dos Yanomami que deixou 10 mil crianças sem remédio recebeu R$ 3,5 milhões em contratos com Ministério da Saúde e Exército. A assessoria de Chico Rodrigues negou ter influência na saúde indígena de Roraima.

Os citados pela Transparência Brasil foram procurados pela reportagem. Caso haja resposta, o texto será atualizado.

Entenda o caso

A Transparência Brasil afirma que Rômulo trabalhou como assistente administrativo na Secretaria de Saúde do Estado de Roraima. Em seguida, passou a atuar como representante legal das empresas do irmão em dezenas de contratos com o governo estadual. As empresas receberam ainda R$ 197 mil do governo federal e forneceram materiais de escritório ao DSEI Yanomami em 2015.

Em 2020, ele foi nomeado para o DSEI Yanomami por indicação do senador Mecias e de seu filho, Jhonatan de Jesus, que era deputado federal. Em março deste ano, Jhonatan assumiu cargo de ministro no Tribunal de Contas da União, sob indicação da Câmara dos Deputados.

O estudo afirma que Mecias é alvo de uma investigação sigilosa do MPF. O senador seria suspeito de favorecer a contratação da empresa Táxi Aéreo Piquiatuba pelo governo federal para fazer o transporte na terra Yanomami.

De janeiro de 2010 a março de 2023, diz a ONG, o governo federal firmou 22 contratos com a Piquiatuba para o serviço de táxi aéreo em regiões indígenas, totalizando R$ 160 milhões, somados aditivos e renovações. Um contrato formalizado em 2019 por R$ 8,7 milhões com dispensa de licitação para serviços ao DSEI Yanomami foi executado durante a coordenação de Rômulo.

“Em 2020, a empresa foi acusada pelo MPF de ser o braço do garimpo ilegal em Roraima. No cofre de seu fundador, Armando Amâncio da Silva, foram apreendidos 44 kg de ouro proveniente de garimpo ilegal, segundo processo em andamento na Justiça Federal de Roraima”, ressalta a Transparência Brasil.

Mecias elaborou um projeto de lei que com o objetivo de liberar a “pesquisa e concessão de lavra garimpeira a terceiros em terras indígenas”. Ele também já assinou o pedido de perdão criminal para garimpeiros flagrados ilegalmente nas terras Yanomami.

No final de 2021, o MPF constatou a piora acelerada nos indicadores de saúde dos Yanomami. O serviço custou R$ 190 milhões em dinheiro público nos dois anos anteriores. Um ano depois, o MPF recomendou a interferência do Ministério da Saúde para “garantia da correta aplicação das verbas”, o que foi acatado pelo governo federal, já na gestão de Lula (PT).

“Exonerado em 2022, Rômulo terminou a gestão do DSEI marcado por denúncias de falta de assistência ao território Yanomami, interrupção de serviços de transporte aéreo e desvio de vacinas por servidores, em troca de ouro. O sucessor de Rômulo no DSEI, Ramsés Almeida, também foi nomeado ao cargo por indicação de Mecias e Jhonatan”, conclui a Transparência Brasil.

 

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