Conexão Brasília
Para você que acreditava ter derrotado o bolsonarismo, saiba: a vigilância contra o fascismo tem de ser permanente
Publicado em 12/08/2024 2:39 - Rafael Paredes
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Em 2022, fui sondado para coordenar a equipe de comunicação de uma empresária de Brasília que planejava ser candidata à deputada federal. Começamos a conversar, organizar a equipe e uma metodologia de trabalho. A pré-candidata tinha uma bela história de vida e se mostrava uma mulher muito decente e com princípios bem demarcados. Seu marido era o coordenador da campanha e vinha insistindo para participarmos de um grupo formado por eles para explanar suas ideias.
Foi a primeira vez que ouvi falar de Pablo Marçal. Na reunião, onde fui acompanhado de minha esposa, em um auditório com umas 50 pessoas, foi realizado uma espécie de culto. Porém, além de Jesus Cristo, outra divindade também era digna de reverência no evento: Pablo Marçal. A reunião/culto seguia todos os protocolos e atores de um culto evangélico, mas misturava um misticismo exotérico, meditações, cores e luzes. No final, informes sobre a viagem para São Paulo para o lançamento da candidatura de Pablo Marçal à Presidência da República.
Saímos da reunião, eu e minha esposa, quase fugindo do assédio para irmos para São Paulo nesse evento maior. Naquela noite, minha esposa teve uma rara insônia e começou a pesquisar o nome de Pablo Marçal na internet. Quando acordei, meu celular estava inundado de matérias sobre crimes, acusações, investigações e polêmicas sobre o empresário. Identificamos um padrão de lavagem cerebral muito rentável, misticismo cristão, semelhanças cognitivas de participantes e empresários fazendo parcerias, que viriam se arrepender depois.
Decidimos, então, nos afastar do grupo. Participei de uma última reunião, ajudei a organizar a equipe e anunciei minha desistência em participar da empreitada. Dias depois, tive a informação que a jornalista que me antecedeu havia se mudado para o condomínio do Pablo Marçal e parecia estar arrependida e muito confusa em um entorpecimento religioso, messiânico e caótico.
Depois dessa oportunidade, comecei a ficar mais atento aos passos do coach messiânico e sua estranhas condutas. Acompanhei pela imprensa seu impressionante lançamento de candidatura à presidência da República, suas polêmicas envolvendo perigo de vida àqueles que tentaram segui-lo ao escalar montanhas e a morte de um funcionário que foi acompanhá-lo em uma maratona. Ao responder às acusações, Marçal sempre se saia com uma lógica muito conhecida em igrejas neopentecostais: “se não deu certo, foi por falta de fé do fiel”. Essa falta de fé custou uma vida até agora.
Com o passar do tempo, percebemos que a “mensagem” do Pablo Marçal já vinha conquistando corações e mentes de pessoas próximas. Essas pessoas sempre com as mesmas características: pobres, evangélicos, revoltados com suas situações de penúria e altamente influenciáveis por discursos de ódio e teorias da conspiração.
A candidatura de Pablo Marçal à Presidência da República se converteu a candidatura para deputado federal apoiado por Bolsonaro. Teve votos suficientes para se eleger, mas sua candidatura foi cassada antes da posse. Depois do início da vida política, vídeos de Pablo Marçal, sejam de suas palestras, sejam de críticos que utilizam as próprias aparições de Pablo para desmascará-lo, alçaram-no a um fenômeno ainda maior nas redes sociais. Dessa forma, Marçal passou a ter ainda mais público, mais seguidores e se mostrou um mestre em monetizar suas aparições e convencer incautos a pagar R$ 5 mil para participarem de suas palestras.
Agora, Pablo Marçal embola a disputa pela prefeitura da cidade mais importante da América do Sul. Filiado ao PRTB, do folclórico e já falecido Levy Fidelix, Pablo Marçal adota um discurso beligerante em debate na Band e falas ponderadas em entrevistas em rádios do Grupo Globo. Marçal é produto do mesmo caldo cultural que deu origem a Bolsonaro e ao bolsonarismo, o fascismo brasileiro. Porém é inteligente, fala com muito mais propriedade e articulação, é jovem e monetiza nas redes sociais como poucos e representa um perigo muito maior que Bolsonaro. Ele não faz um discurso semelhante ao religioso, ele é a própria religião.
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RAFAEL PAREDES
É jornalista em Brasília.
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