10/09/2024 - Edição 550

Conexão Brasília

Bolsonarismo sem Bolsonaro

O fascismo brasileiro chega à modernidade digital e as instituições e a imprensa são analógicas

Publicado em 30/08/2024 3:23 - Rafael Paredes

Divulgação

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Pablo Marçal, o ex-coach messiânico e candidato a prefeito de São Paulo pelo folclórico PRTB, engoliu os jornalistas da Globo News em sua sabatina na emissora. Um exemplo do anacronismo entre o fascismo de redes e a imprensa de papel foi a pergunta que a Natuza Nery fez ao candidato. Em determinado momento do programa, ela pergunta: “O senhor viu o vídeo do deputado Eduardo Bolsonaro criticando o senhor? Isso não significa um racha na direita”. Marçal respondeu também questionando: “Você viu os mais de 40 mil comentários naquele vídeo?”. Natuza rebateu: “Isso não importa…”.

“Isso não importa”? Isso explica tudo. O bolsonarismo é a faceta do fascismo brasileiro e ele não tem dono. Bolsonaro não foi símbolo, mas sim veículo de um conjunto de valores e formas cosmogônicas de visão de mundo que sempre existiram e que, pelo que parece, eclode como o ovo de uma serpente de 100 em 100 anos. O nazifascismo surgiu no começo do século passado, teve seu auge na Década de 1930, horrorizou o mundo, perdeu o poder, mas nunca deixou de existir na forma de odiar e de interpretar o mundo por muitos.

No livro da filósofa Márcia Tiburi “Como conversar com um fascista”, a autora apresenta os resultados de pesquisas mostrando que os valores que alicerçam o fascismo habitam corações e mentes de 25% a 30% da população dos Estados Unidos. É possível acreditar que essa porcentagem pode ser repetida em países como o Brasil. O racismo, a homofobia, o ódio aos pobres, a falta de empatia, a babaquice, o culto à violência sempre existiram. Esses valores travestidos de práticas assustaram a sociedade brasileira durante a ditadura militar (1964 – 1988). As novas tecnologias aceleraram o tempo, distanciaram esses traumas das consciências e esses valores, que sempre existiram, saíram do armário pelo discurso abjeto de Jair Bolsonaro.

Rapidamente, essa forma messiânica e violenta de pensar foi denominada de bolsonarismo, mas nada mais é que o fascismo à brasileira, que perdeu a vergonha. As lideranças da extrema direita não vêm dos bancos acadêmicos, da ciência ou das artes. Essas lideranças surgem criticando e perseguindo esses ambientes e, por vezes, erram os cálculos, perdem o poder e se envaidecem na personificação de valores anteriores a esses próprios quadros políticos.

Pablo Marçal é quase um nativo digital. É lá que ele vive, criou sua persona, engana multidões e enriquece. É lá que ele defende os mesmos valores da extrema-direita e comprova que o bolsonarismo nada mais é que fascismo e essa cadela no cio não tem dono. Pablo Marçal conhece o mecanismo das redes, sabe o poder da segmentação e do impulsionamento, abriga em seu coração todos os sentimentos torpes do fascismo, é frio como um psicopata. Esbraveja em debates para assumidamente chamar a atenção e criar engajamento ao mesmo tempo em que se porta como um frade elegante, simpático e inteligente frente à “arrogância discreta” (e injustificável) de Natuza Nery.

Pablo quis ensinar, voltar a ser coach, ao afirmar que não importa o conteúdo do vídeo do deputado Eduardo Bolsonaro criticando-o, o que importa é que, nas redes, os valores do fascismo, que agradam a muitos, estão cada vez mais identificados com outro ator: M de Marçal.

RAFAEL PAREDES

É jornalista em Brasília.

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Rafael Paredes


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