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Publicado em 19/12/2014 12:00 -
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Quando a professora Rebeca Monzo retornou de Paris – onde permaneceu por quatro anos como integrante do corpo diplomático cubano – foi convidada para trabalhar no órgão oficial do comitê central do Partido Comunista Cubano, o Granma. Ciente de que o jornalismo praticado em seu país não se coadunava com as funções básicas da profissão, Rebeca recusou a proposta. “Me dei conta de que em Cuba não se podia exercer o jornalismo, não o jornalismo que eu considerava que deveria exercer”, explica.
Rebeca trabalhava no Ministério do Comercio Exterior, onde foi introduzida na juventude comunista devido seu rendimento e pontualidade no trabalho. Houve uma convocação feita pela União dos Jovens Comunistas para quem quisesse estudar Jornalismo e ela se apresentou.
“Frequentei o curso na Escola Superior do Partido com o programa e professores da Universidade de Havana. Entre 1964 e 1967. Então nomearam meu esposo como Conselheiro Comercial de Cuba na França e eu o acompanhei como sua secretária. Ao regressar a Cuba em 1971, o então diretor do Granma me disse que as portas do jornal estavam abertas para mim. Mas não aceitei. Segui no Comércio Exterior pois já não pensava como eles. Em 1989 trabalhei com rádio jornalismo até 1992, quando abandonei de vez a área devido ao excesso de censura”.
O tempo passou, Rebeca tocou sua vida em frente, trabalhou como vendedora, artista plástica e até na Unesco. Desde 1986, no entanto, atua exclusivamente como artesã (veja seus patchworks aqui). “Rompi meus vínculos com o Estado, até certo ponto, pois não há como romper totalmente. Hoje sou o que chamam de artista independente, embora de fato não sejamos independentes, pois para poder comercializar nossos produtos temos que pertencer a uma organização ligada ao Estado”.
Germe jornalístico
Em meio a labuta diária para ganhar a vida, o germe jornalístico ficou encubado até que Rebeca descobriu a possibilidade de se expressar livremente por meio de um blog. Assim como Regina Coyula e Fernando Dámaso – que protagonizaram os dois últimos artigos deste Especial Cuba – ela também foi “infectada” pelo vírus da liberdade de expressão espalhado na ilha pela iniciativa de Yoani Sánchez.
“Meu blog se chama Por el Ojo de La Aguja. Tudo começou quando, há pouco mais de dois anos Regina me contou sobre um curso que daria Yoani Sánchez sobre blogs. Eu não sabia o que era isso. Não tinha a mínima ideia, mas me interessei. Fizemos este curso e ali mesmo decidi abrir meu blog. Faz dois anos que o mantenho. Sigo escrevendo sobre comportamento, receitas de cozinha (de que gosto muito), mas, sobretudo, sobre temas sociais com uma carga política tremenda. Vivencias, anedotas reais sobre o nosso dia a dia”, explica.
Quando o assunto é jornalismo, Rebeca se arrepia. “Não há liberdade de imprensa neste país. Existe apenas uma escola de jornalismo e o acesso se dá com aval político. Quando estudei jornalismo no princípio da revolução eu era marxista-leninista, por isso me escolheram. O ensino era basicamente doutrinário. Me perguntava quando iríamos estudar jornalismo de fato. Quando voltei de Paris percebi o que era imprensa, o que era jornalismo de verdade. Não havia como aceitar fazer este tipo de jornalismo que em Cuba se impõe e que hoje ainda impera como modelo. Um jornalismo doutrinário que serve mais como porta voz do partido e do governo do que como elo de ligação entre a sociedade”.
Jornalismo Doutrinário
De fato, em Cuba não se pratica o jornalismo nos moldes em que a profissão se fundou. Ou seja, uma profissão cuja fiscalização do poder e a liberdade de expressão são objetivos primordiais. Todos os veículos de comunicação cubanos são autorizados e controlados pelo Estado através do Partido Comunista Cubano, que reconhece a liberdade de imprensa apenas quando "em acordo com os objetivos da sociedade socialista”. Qualquer conteúdo que ofenda esta premissa é passível de censura e, seu autor, de processo criminal.
Aos jornalistas independentes e blogueiros sobra a blogosfera mantida em sites hospedados no exterior e atualizados nas embaixadas estrangeiras ou em caríssimas conexões dos hotéis (onde até há alguns anos os cubanos eram proibidos de entrar). O governo cubano continua perseguindo estes profissionais com detenções arbitrárias, vigilância constante, campanhas difamatórias nos meios de comunicação oficiais e até mesmo agressões físicas efetuadas por “milícias populares” a soldo do governo.
“O estado tem o monopólio da informação e é ele quem divulga os índices de analfabetismo e mortalidade infantil que encantam o mundo. Mas não são dados confiáveis”, afirma Rebeca. Da mesma forma, ela desmente a ideia de que há liberdade de expressão na ilha. “O único canal aberto para a população no Granma e o espaço Carta do Leitor que se publica às sextas. Lá você não lê uma palavra sobre o contraditório político”.
Não é à toa que o presidente Raúl Castro se mantém na lista anual de "depredadores" da liberdade de imprensa divulgada recentemente pela organização Repórteres sem Fronteiras (RSF), por ocasião do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. "Os ataques contra a imprensa independente e os blogueiros não cessaram até agora", destacou a RSF em seu relatório, no qual argumentou que Raúl "não se comporta melhor que seu irmão mais velho", Fidel Castro, desde que assumiu oficialmente o poder em 2008. Segundo a entidade, Cuba continua vivendo uma "brutalidade policial" contra a liberdade de imprensa.
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Túlio: O Empreendedor – Quando a vontade de crescer esbarra na ideologia
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