Brasil
Publicado em 09/05/2019 12:00 -
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A preferência por ensinar os filhos em casa levou a americana Kim Glanowski a dedicar a vida à educação de suas quatro crianças.
No passado, a profissão de seu pai, então agente do FBI, obrigou a família a se mudar inúmeras vezes e Glanowski a frequentar diversas escolas públicas nos Estados Unidos. Quando se tornou mãe, não teve dúvidas de que o ensino domiciliar era a melhor opção.
Os valores cristãos foram um dos motivos que a levaram a não matricular Melissa, Jack, Bo e Anna em escolas tradicionais. Eles estão entre as 1,7 milhão de crianças e adolescentes ensinadas pelos pais ou professores particulares em 2016, de acordo com o Departamento de Educação dos Estados Unidos.
Alunos de ensino domiciliar representam 3,3% do total dos estudantes de 5 a 17 anos no país, aumento de 750 mil em relação a 1999, primeiro ano do Programa Nacional de Pesquisas Domiciliares de Educação.
Projeto de lei do governo Jair Bolsonaro (PSL), o ensino domiciliar está em vias de ser apreciado pelo Congresso. O texto foi assinado no início de abril e é uma das principais metas do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos para o início do governo.
Chefe da pasta, Damares Alves quer urgência na tramitação do projeto, que se inspira no modelo americano.
Argumentos a favor do ensino religioso e contra uma possível doutrinação ideológica nas escolas brasileiras embasam as justificativas.
Entre outras, as razões são as mesmas que levaram a educação domiciliar a ser implementada nos EUA, onde, segundo especialistas, não há provas da sua efetividade na educação de crianças e adolescentes.
A pesquisa realizada pelo Departamento de Educação dos EUA não apresenta dados que comparam o desempenho de alunos educados em casa com o de aqueles matriculados em escolas públicas.
Alguns especialistas concluem, porém, que os educados em casa poderiam alcançar o mesmo desempenho escolar se fossem matriculados em escolas tradicionais.
O diagnóstico é de Christopher Lubienski e T. Jameson Brewer, autores do artigo “Educação Domiciliar nos Estados Unidos: Examinando os fundamentos para Educação individualizada”.
Os pesquisadores explicam que fatores socioeconômicos, como renda e estabilidade familiar —que inclui o nível de escolaridade dos pais, se são casados e qual o seu envolvimento com a educação dos filhos— são mais determinantes para a realização escolar do que o método utilizado.
De acordo com o Departamento de Educação dos EUA, em 2012 cerca de 83% dos alunos ensinados em casa eram brancos, e 89% foram classificados como não pobres. A residência dos estudantes variava entre áreas centrais, rurais e subúrbios.
O artigo cita ainda que a falta de supervisão do governo no ensino domiciliar pode aumentar a incidência de abuso sexual contra crianças, uma vez que a vítima não terá ninguém a quem reportar.
Para Lubienski, autor do artigo e também professor de políticas educacionais na Universidade de Indiana, não há provas ou estudos que comprovem a eficácia do método.
“Defensores diriam que o ensino domiciliar está funcionando, mas eu diria que precisamos de melhores evidências.”
Embora famílias brancas sejam predominantes, famílias negras também optam por educar os filhos em casa.
Os motivos nem sempre são os mesmos. Uma das razões que levou Karen Doyle, moradora do estado de Virgínia, a educar ela mesma seus nove filhos foi o medo de sofrerem preconceito racial.
Há pelo menos dez anos que Doyle vive em uma comunidade majoritariamente branca.
Para Marilyn Lashley, professora de ciências políticas da Howard University, os estudantes negros educados em casa não estão protegidos do racismo, uma vez que não estão isolados das comunidades em que vivem.
Por outro lado, Lashley afirma que os pais devem ter o direito de ensinar os filhos, mas que os estados devem supervisionar o processo a fim de garantir que os valores de “cidadania, direitos humanos e participação democrática” sejam respeitados.
As leis que regulamentam o ensino domiciliar entre os estados americanos variam. A Associação de Defesa Legal do Ensino Doméstico (HSLDA) categoriza os estados entre alta, moderada, baixa ou nenhuma regulamentação.
Esta divisão indica o nível de supervisão do governo em relação aos conteúdos estudados, a quantidade de horas de aulas, desempenho nos testes e qual a burocracia a ser enfrentada pelos pais caso optem por ensinar os filhos em casa.
Dos 50 estados americanos, apenas seis possuem alta regulamentação. Os contabilizados com nenhuma ou pouca somam juntos 25 estados. A maior categoria são aqueles de regulamentação moderada, contabilizando 19.
Até 14 de fevereiro de 2018, a estudante brasileira Kemily Duchini estava entre os 2,7 milhões de estudantes que frequentavam escolas públicas no estado da Flórida.
Um ataque, porém, mudou o rumo de sua trajetória escolar. Duchini sobreviveu ao massacre de Parkland, quando um ex-aluno abriu fogo na escola secundária Marjory Stoneman Douglas e deixou 17 mortos.
Após o trauma, a estudante não conseguiu mais frequentar as aulas. A alternativa foi o ensino domiciliar.
A Flórida está entre os estados com regulação moderada. Para ela, porém, é como se ainda fosse à escola.
Todo o estudo é feito por meio de um site do governo, no qual há livros, exercícios, testes e professores disponíveis 24 horas por dia. Um sistema de inteligência por comparação de palavras identifica se os alunos estão “colando”. Duchini já foi pega duas vezes.
“Minha filha nunca precisou de mim para estudar porque o site do governo dá tudo o que ela precisa”, diz Fabiana Santos, mãe da estudante e entusiasta da aprovação do ensino domiciliar no Brasil. “Mas não sei se vão conseguir fiscalizar [no Brasil] como aqui”.
No Texas, onde pais não precisam provar o progresso dos alunos, um casal foi acusado na Suprema Corte do estado de usar o ensino domiciliar para que seus filhos ficassem em casa enquanto esperavam a segunda volta de Jesus Cristo e fossem arrebatados para o céu.
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