Brasil
Publicado em 28/03/2019 12:00 -
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O lugar onde você mora fica a muitos quilômetros da cidade e você e outros meninos e meninas querem estudar, mas lá não existe escola. Você e as famílias da sua comunidade se juntam e coletivamente constroem uma, conseguem apoio e autorização do poder público e educadores da própria comunidade fazem parte do dia a dia escolar. É assim que nascem as escolas que atendem crianças e adolescentes sem-terra na zona rural brasileira. Ao ocupar uma terra improdutiva, uma das principais preocupações do MST é assegurar o direito à educação das famílias camponesas.
Foi assim, por exemplo, com a Escola Bernardo Sabino, no Assentamento Palmares, em Luzilândia, norte do Piauí. A alfabetização das crianças começou a acontecer pelos próprios assentados em um barracão de palha e hoje, mais de 20 anos depois, tornou-se uma referência na região pela qualidade de ensino.
“Em 1997, quando se estabeleceu o acampamento, buscamos quem tinha maior nível de escolaridade entre os acampados. Eu só tinha ensino médio. Começamos a alfabetizar as crianças e depois de três anos legalizamos a escola. Porém, professores da rede municipal se recusavam a dar aula no assentamento. Nós tivemos que nos organizar e fazer curso superior em outro estado. Voltamos pra escolinha com a proposta de ensinar voltado mais para a educação do campo”, lembra Ildener Pereira de Carvalho, assentada e educadora da escola, que fica a 240 quilômetros da capital Teresina.
Um dos primeiros desafios das famílias é conseguir apoio do poder público para construção dos espaços de ensino. Apesar das dificuldades enfrentadas, no Assentamento Palmares atualmente as aulas acontecem em um prédio de alvenaria. Porém, a infraestrutura em âmbito rural precisa ser compreendida em seu contexto. No sul do país, no assentamento Eli Vive1, no Paraná, a Escola Municipal do Campo Trabalho e Saber, as salas são de madeira, mas o envolvimento de educadores é grande e o mais importante acontece: o processo de aprendizagem, independe das condições de infraestrutura — que não são como da cidade.
“A escola é toda feita de madeira e foi construída pelos próprios assentados. As famílias quando chegaram no local se organizaram e construíram salas de aulas. A estrutura ainda é precária, as crianças merecem estruturas melhores, porém isso não impede que o trabalho seja realizado dentro da proposta pedagógica que o próprio município impõe para a educação no campo”, conta José Carlos de Jesus Lisboa, diretor da escola.
O conceito de educação do campo foi formulado a partir da iniciativa de movimentos populares do campo, que começaram a pressionar o Estado por políticas públicas específicas para as populações não-urbanas. Até então, as escolas rurais eram sucateadas e desassistidas pelo poder público. Além do MST, lutaram pelo direito à educação a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e movimentos dos povos da floresta como indígenas, quilombolas e ribeirinhos.
“As famílias que foram chegando nos acampamentos desde a década de 1980 passaram a entender que não bastava lutar pela terra. Para poder plantar, para sobreviver, era preciso lutar por outras políticas públicas fundamentais para o desenvolvimento dos territórios.”, explica Erivan Hilário, da direção nacional do MST, do setor de educação. Foi assim que grupos que vivem no e do campo contribuíram para a efetivação da política, e também para denunciar o fechamento de escolas no campo na década de 1990. Hoje o ensino na zona rural é garantido pela legislação.
“A educação no campo foi conquistada no Brasil pelos movimentos sociais e camponeses como uma modalidade específica de educação formal na nossa legislação. A LDB, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, as resoluções do Conselho Nacional de Educação, o Plano Nacional de Educação reconhecem o direito das populações de camponeses, ribeirinhos, povos da floresta de terem uma oferta educacional que é adequada às suas condições de vida, aos seus territórios. Antes de tudo, é um direito assegurado na nossa legislação”, explica o professor de políticas públicas da UFABC Salomão Ximenes.
Em 2010, o ex-presidente Lula assinou e regulamentou por decreto as políticas públicas voltadas ao meio rural. As escolas instaladas nos assentamentos e acampamentos não são do movimento, mas equipamentos públicos vinculados aos estados e municípios, assim como outras escolas rurais. Mais de 200 mil alunos acessam o ensino básico nas mais de 2 mil escolas públicas construídas em acampamentos e assentamentos que atendem crianças, adolescentes, jovens e adultos. Essas escolas seguem regras das secretarias de educação, mas possuem as particularidades de cada região, de acordo com o território em que estão inseridas.
Para o Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação no Campo da Universidade Federal de São Carlos, Luiz Bezerra, é preciso entender que essas escolas nasceram da luta pelo direito à educação pública, de qualidade e não são propriedade do MST, mas dizem respeito a uma demanda por educação na zona rural.
“É preciso desmistificar que a escolas do campo são do movimento, porque não são. As escolas são públicas e mantidas pelo estado ou município. Quem escolhe professor é o estado ou município, o movimento não interfere nessa escolha. Mesmo quando a escola é de assentamento, não é ele que designa o professor.”
O número de escolas no campo diminuiu significativamente nos últimos dez anos. De acordo com Censo Escolar, elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC), em 2008 existiam no Brasil mais de 85 mil escolas rurais públicas. Em dez anos, esse número caiu para pouco mais de 56 mil escolas. De acordo com levantamento da UFSCar, o número é maior, pois entre os anos de 2002 a 2017 já havia sido registrado o fechamento de 38 mil escolas.
“Esse número pode ser maior. Esses dados de agora estão camuflados. Como tem uma lei que dificulta o fechamento de uma escola, que requer a concordância da comunidade, eles simplesmente suspendem as atividades na escola, mas não fecham. E quando está suspenso, ela não entra nos dados de fechamento. O argumento é que a qualquer momento as aulas podem ser retomadas, mas não tem alunos suficientes”, ressalta o pesquisador sobre os dados do Inep.
O pesquisador explica que não houve êxodo rural que justifique o fechamento nos últimos anos, mas atribui a redução ao custo aluno no campo ser maior do que na cidade. A lei que dificulta o fechamento de escolas rurais indígenas e quilombolas foi sancionada em 2014, pela presidenta Dilma Rousseff.
Segundo o professor da UFABC, a educação no campo é uma modalidade que vem sofrendo um conjunto de ataques significativos nos últimos anos. Ele comenta que antes do golpe de 2016 eram “ataques mais velados” pela ausência de apoio efetivo por parte dos governos estaduais e municipais e, depois, passa a haver “incentivo mais forte de fechamento de salas”.
“Hoje há uma intenção de um ataque mais direto a oferta de educação do campo, sobretudo aquela oferta que é organizada pelo movimento dos trabalhadores do campo, quilombolas, como espaço de resistência e defesa do seu modo de vida e de produção. Há necessidade de fortalecer políticas públicas dessa modalidade de ensino e de resistência desses povos, que na prática mantêm viva a educação no campo”.
Uma reportagem da TV Record acusou o MST de doutrinação socialista de crianças. Desde a campanha eleitoral do ano passado, Jair Bolsonaro (PSL) já apontou o movimento como um dos seus inimigos e enfatizou que irá acabar com escolas do campo que estão em espaços onde as famílias sem terra plantam alimentos para sua subsistência e comercializam produtos agroecológicos.
“Há uma falsa ideia de que o MST atua como estado paralelo. Todas as escolas que existem em assentamentos e acampamentos são públicas e assim defendemos. O MST virou referência por ter lutado para ter escolas públicas em seus territórios, por ter formulado um projeto de educação conectado com a realidade do campo de tal modo que ganhou o prêmio UNICEF como melhor projeto educação ”, comenta o dirigente do MST.
As escolas em assentamentos têm sido exemplares na qualidade de ensino se destacando em olimpíadas da Língua Portuguesa, História e atualmente tem nas pesquisas de educação. Através do método cubano ‘Sim eu Posso’, que o MST promove junto ao governo do Maranhão, mais de 50 mil adultos já foram alfabetizados.
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