06/05/2024 - Edição 540

Brasil

Anistia Internacional: polícias de 3 estados mataram quase 400 em 3 meses

Levantamento aponta excesso de violência policial na Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo

Publicado em 24/04/2024 10:07 - Saulo Pereira Guimarães e Josias de Souza (UOL) – Edição Semana On

Divulgação Imagem: Divulgação/SSP-SP

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Um levantamento da Anistia Internacional aponta que 394 pessoas foram mortas durante operações policiais nos estados da Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo entre os meses de julho e setembro de 2023.

Os dados foram obtidos a partir de reportagens e pedidos feitos via Lei de Acesso à Informação. Em notas, as secretarias de segurança de São Paulo e Rio disseram adotar medidas para tentar reduzir a letalidade nas ações policiais.

O Brasil viveu crise de segurança pública no terceiro trimestre de 2023, diz a Anistia. O início das operações policiais na Baixada Santista (SP), que deixaram dezenas de mortos, e uma ação policial com 10 mortes na Vila Cruzeiro, no Rio, foram alguns dos casos de repercussão no período. A situação justificou a escolha dos meses para análise.

Descontrole e omissão

Para a Anistia, os números revelam uma situação de “descontrole” em relação ao uso da força pela polícia, agravada pela “omissão” dos ministérios públicos, que permitem que casos do tipo não cheguem aos tribunais.

“O recado que o Estado reitera é de que a polícia tem carta branca para matar e cometer outras violações, sobretudo, contra comunidades negras e periféricas”, diz Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil.

Medidas ignoradas

Decisão do Supremo Tribunal Federal segue sendo “desacatada”. Para a Anistia, o descumprimento de medidas para reduzir a violência policial, estabelecidas pelo STF desde 2020, resultou em tiroteios, execuções extrajudiciais, tortura, desaparecimentos forçados e outros problemas — como crianças baleadas, por exemplo.

O relatório critica fala de secretário executivo do Ministério da Justiça. Em outubro do ano passado, Ricardo Capelli afirmou que “não se enfrenta o crime organizado com rosas”. Segundo a Anistia, o Brasil também ignorou a adoção de medidas para reduzir a violência policial, como o uso de câmaras corporais.

Secretarias dizem tentar reduzir letalidade

A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo afirmou que “os casos de confronto são consequência direta da reação violenta de criminosos”. O órgão disse ainda que “todos os casos de morte decorrente de intervenção policial são rigorosamente investigados” e “medidas para a reduzir a letalidade são permanentemente avaliadas e adotadas”.

A Polícia Militar do Rio disse que também “realiza ações integradas junto aos órgãos de segurança visando a redução dos índices de homicídio” no estado. A PM afirmou que “suas ações são planejadas com base em informações de inteligência, pautadas por critérios técnicos e pelo previsto na legislação” e que investe em tecnologia para mapear áreas instáveis.

“De acordo com os dados compilados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), o indicador estratégico de Morte por Intervenção de Agente do Estado apresentou diminuição de 35% em 2023 com relação ao ano anterior. Este foi o menor índice para o acumulado desde 2015”, diz a Polícia Militar do Rio, em nota enviada ao UOL.

Procurado, o governo da Bahia não comentou os dados da Anistia Internacional.

Violações de direitos humanos

O Brasil teve 3,4 milhões de denúncias de violações de direitos humanos em 2023. O número representa um aumento de 41% em relação a 2022, quando houve cerca de 2 milhões de registros, segundo o relatório. Na conta da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos entram denúncias de racismo, assédio sexual e outras situações.

O continente americano é “uma das regiões mais perigosas para defensores de direitos humanos”, diz relatório. De acordo com o texto, a região é especialmente hostil a negros, indígenas e mulheres que desempenham essa função, e as autoridades locais usam várias ferramentas para impedi-los de fazer seu trabalho.

“No Brasil, em média, três defensores foram assassinados por mês nos últimos quatro anos, de acordo com a Justiça Global”, diz trecho da edição 2023 do relatório “O Estado Dos Direitos Humanos no Mundo”, da Anistia Internacional.

PCC consolidou-se como máfia

Notabilizado internacionalmente pelo comércio de drogas, tráfico de armas e pelos assaltos, o Primeiro Comando da Capital consolidou-se no universo dos empreendimentos formais.

Não é de hoje que, mimetizando seus congêneres estrangeiros, o PCC infiltrou-se na política, cooptou agentes públicos, virou CNPJ e passou a firmar contratos com o Estado.

A novidade é que o aparato de controle estatal começa a roçar, com décadas de atraso, os subterrâneos da lavanderia do dinheiro do crime por meio da distribuição de dividendos de empresas formalmente constituídas.

Um par de operações deflagradas pelo Gaeco, o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado do Ministério Público de São Paulo, sinaliza que não é impossível combater a delinquência organizada.

A fórmula que conduz ao êxito contém dois ingredientes manjados: cooperação entre órgãos estaduais e federais e uso de dados de Inteligência.

Juntos, o Gaeco, a PF, a Receita Federal e o Coaf seguiram o rastro do dinheiro para desbaratar esquema que vincula o PCC a empresas de ônibus contratadas pela prefeitura de São Paulo.

Desvendou-se também um arranjo que liga a facção a prestadoras de serviço privado de limpeza e vigilância contratadas por órgãos públicos de municípios paulistas e até do governo estadual.

O crime organizou-se porque o Estado, esculhambado, perdeu os fios de todas meadas —se é que um dia chegou a encontrar. Estudando o novelo, Brasília poderia costurar um modelo de cooperação nacional.

Entretanto, o Ministério da Justiça e o Congresso lidam com outras prioridades. Entre elas o projeto de lei que proíbe a “saidinha” de presos, parcialmente vetado por Lula.

As autoridades dizem a todo instante que estão profundamente preocupadas com o aumento do crime organizado. Convém ajustar a lamúria. A criminalidade opera noutro patamar.

Ultraorganizado, o PCC consolidou-se como máfia. A maior facção do país percebeu que, fomalizado, o crime compensa muito mais.


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