17/05/2024 - Edição 540

Artigo da Semana

Coincidências militares inesquecíveis

Publicado em 05/04/2022 12:00 -

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O último general-presidente da ditadura militar, João Baptista Figueiredo, saiu do Alvorada pela porta dos fundos, no final do seu mandato, em 1985. General de divisão, Figueiredo só aceitava ser nomeado presidente (em 1978) se primeiro fosse promovido a general de Exército, o que exigia “ser passado na frente” de outros generais com mais tempo de carreira e por isso direito de promoção antes dele. Comandante do Serviço Nacional de Informações (SNI), Figueiredo era conhecido apenas por gostar de cavalos. Presidente, tornou-se famoso por frases polêmicas, problemas de saúde, e a pública falta de empatia com o sofrimento da população – agravado na época pelo desemprego, maxidesvalorização e hiperinflação: 77% em 1979 e 215% em 1984.

Figueiredo estava na reunião ocorrida dia 30 de março de 1974, com os generais Geisel e Milton Tavares, respectivamente presidente da República e comandante do Centro de Inteligência do Exército (CIE), na qual Milton Tavares defendeu a continuidade dos assassinatos de opositores políticos, cometidos em larga escala no governo Médici, via Destacamento de Operações e Informações e Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), em parceria com o CIE. Participou da reunião também o general Confúcio Danton de Paula Avelino, que substituiria Milton Tavares no comando do CIE.

Essa reunião foi relatada em memorando de 11 de abril, pelo diretor da Agência Central de Inteligência (CIA), William Egan Colby, para o secretário de Estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger. No documento da CIA, disponível no site do Departamento de Estado dos EUA desde 2015, encontrado e divulgado pelo pesquisador Matias Spektor, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em maio de 2018, é citada a fala do general Milton Tavares na reunião, sobre os “métodos extra-legais” empregados pelo Exército que teriam resultado na execução sumária de 104 brasileiros e brasileiras pelo CIE em 1973. Geisel pediu um tempo para pensar a respeito e, em 1º de abril, informou concordar com a continuidade da política de execuções de opositores políticos, com a condição que antes fossem aprovadas por ele.

Passados quase 50 anos dessa reunião, reveladora dos métodos da ditadura militar para lidar com opositores políticos, é importante lembrar do episódio, principalmente para que não se tenha dúvida do que são capazes de fazer militares no poder. Em seu discurso de despedida do Exército, em 28/02/2018, o general Mourão, atual vice-presidente da República, se referiu ao coronel do Exército Brilhante Ustra, um dos principais comandantes da política de execuções (e de torturas e desaparecimento dos corpos) de opositores políticos da ditadura militar, como “herói”.

Lembrei-me de todos esses fatos ao ler, dia 31/03, a nota patética do ministro da Defesa, alusiva ao golpe militar de 1964. Esses fatos remetem a algumas coincidências: fui obrigado a prestar serviço militar em 1978, na 4ª Divisão do Exército (DE), em Belo Horizonte, unidade militar sob comando do general Milton Tavares, à qual estava subordinada a 4ª Brigada de Infantaria, comandada pelo general Leônidas Pires Gonçalves, que em 1975/1976 participou das ações que resultaram no Massacre da Lapa, no qual foram assassinados Ângelo Arroyo, João Batista Drumond e Pedro Pomar.

O general Milton Tavares foi transferido da 4ª DE dia 17 de abril, três meses depois de assumir, e dois dias antes da explosão de uma bomba na casa de Helena Greco, líder da Campanha pela Anistia em Minas Gerais, que morava em frente à guarita da 4ª DE. Eu estava de serviço nessa noite, e fui impedido de me dirigir ao local da explosão por alguns sargentos do DOI-CODI. Somente no dia seguinte é que soube o que havia acontecido.

Milton Tavares foi comandar a 1ª DE, no Rio de Janeiro, sob cuja jurisdição ocorreram mais de 20 atentados terroristas de extrema-direita, sendo mais lembrados os da OAB-RJ, em 1980, e o do Riocentro, em 1981. Com a desmoralização resultante do “acidente de trabalho” na tentativa de atentado no Riocentro (onde havia 20 mil pessoas naquela noite), no qual morreu um sargento e ficou ferido um capitão do DOI-CODI, a onda terrorista da extrema-direita militar parou de repente.

Detalhe: todos esses acontecimentos não resultaram em nenhuma condenação. No caso do Riocentro – onde o plano era desligar as luzes, fechar as portas de emergência e causar pânico com as bombas –, foram indiciados o capitão sobrevivente e alguns coronéis e generais. A ação penal contra os oficiais militares acusados foi “trancada” e tudo ficou por isso mesmo, apesar de 20 mil pessoas terem corrido risco de morte, no que teria sido um acontecimento difícil de se imaginar, dezenas de vezes maior do que a tragédia na boate Kiss, em Santa Maria (RS).

Milton Pomar – Geógrafo e mestre em Políticas Públicas


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