Poder
Publicado em 12/04/2019 12:00 -
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Antes dele e para muitas famílias, o Estado nunca havia entrado pela porta. Quando o fez, foi dando um cartão para sacar dinheiro. Mas é como arma política que o Bolsa Família vem sendo identificado desde o início do governo Lula (2003-2010), quando o Banco Mundial ajudou o Brasil a copiar o bem-sucedido Oportunidades mexicano.
Em seu lançamento, ele já serviu como uma espécie de compensação à base social do PT para o ajuste fiscal que Lula seria obrigado a fazer em 2003, quando o Brasil ainda era devedor no Fundo Monetário Internacional —instituição irmã do Banco Mundial em Washington.
Nos anos seguintes, o mapa dos atendidos pelo programa (metade no Nordeste) acabaria virando uma espécie de "decalque" das votações do PT na reeleição de Lula e nas duas vitórias de Dilma Rousseff.
Mas a popularidade recorde de Lula ao final de 2010 e as eleições de Dilma vieram sobretudo na esteira de um forte aumento na renda dos brasileiros via trabalho e novos empregos, especialmente os formais.
Tomando o período de 2004 a 2014, a decomposição das famílias por faixa de renda revela que apenas as muito pobres tiveram ganhos expressivos com o Bolsa Família, segundo dados da FGV Social e do IBGE.
Entre as 10% mais pobres, a contribuição do programa para o aumento da renda foi de 31% no período —mas ela cai a um terço disso para as famílias do estrato 40% mais pobre.
Já na média do país, com todas as faixas de renda, a contribuição do Bolsa Família na melhora dos rendimentos foi ínfima, de apenas 3%. Outros 19% vieram de aumentos nos benefícios previdenciários e o grosso, 78%, da melhora nos níveis de emprego e de trabalhos mais bem remunerados.
Nos governos Lula 1 (2003-2006) e 2 (2007-2010), com as contas públicas em ordem, o Brasil criou 15 milhões de vagas com carteira assinada e chegou a 2014 com uma participação recorde de empregos formais na força de trabalho.
Não por coincidência, foi quando o país passou a ter déficits com as políticas insustentáveis de Dilma que o desemprego e a informalidade cresceram e houve queda significativa na evolução dos rendimentos, além de piora abrupta na desigualdade.
O 13º pagamento que Jair Bolsonaro anuncia agora para o Bolsa Família atenuará um pouco a queda nos rendimentos registrada nos últimos anos entre os mais pobres e possivelmente trará benefícios políticos ao presidente nessa faixa de renda que se desencanta com ele.
Mas sem recolocar as contas públicas em ordem e estimular a criação de empregos, é improvável que Bolsonaro repita a mesma história dos governos Lula e Dilma 1 (2011-2014).
Ocupando espaço
Eleito graças ao impulso que recebeu do antipetismo, maior força eleitoral de 2018, Bolsonaro realiza uma nova incursão no universo político do PT. Com a criação do 13º do Bolsa Família, o capitão invade a última cidadela do rival: os bolsões de pobreza situados nas regiões Norte e Nordeste e nas periferias das grandes cidades. O movimento coincide com a queda da popularidade do presidente.
Deve-se a iniciativa a uma promessa de campanha. Foi a forma que Bolsonaro encontrou para imunizar-se contra o veneno espalhado pelo PT de que ele acabaria com o Bolsa Família se chegasse ao Planalto. Coube ao ministro Osmar Terra (Cidadania) coordenar os estudos para colocar a providência em pé. O mimo vai custar R$ 2,6 bilhões. Alega-se que o dinheiro virá da supressão de fraudes.
Em 2011, quando era deputado federal pelo MDB do Rio Grande do Sul, o mesmo Osmar Terra escreveu no Twitter: "Um programa social que não estimula a emancipação dos chefes de família, que não promove a sua autonomia a médio prazo, é uma coleira política".
Na prática, Bolsonaro tenta retirar a clientela do Bolsa Família da "coleira política" do PT, assumindo ele próprio o controle. Imagina que, atraindo a simpatia remunerada dos membros das 14,1 milhões de famílias cadastradas no programa, transformará a invasão em ocupação. Além de asfixiar o PT, deseja obter prestígio onde não tem.
No Nordeste, por exemplo, Bolsonaro amealhou no segundo turno de 2018 apenas 30% dos votos válidos, contra 70% obtidos pelo petista Fernando Haddad. O PT elabora às pressas um discurso para se contrapor à investida do capitão. Aposta que a tentativa de sedução não surtirá o efeito idealizado pelo Planalto.
Para não cutucar o eleitorado, o PT evita criticar diretamente o 13º. Prefere alegar que o governo tirou com uma mão o que dará com a outra, pois Bolsonaro cancelou o reajuste dos benefícios em 2019. Meia verdade. A Folha fez as contas. Constatou o seguinte:
"Numa projeção do 13º diluído entre os 12 pagamentos mensais, há um acréscimo de R$ 16 no valor médio pago por mês. Se fosse aplicada a inflação (INPC) acumulada nos últimos 12 meses, ele seria de menos de metade: R$ 7,5."
Bolsonaro e o ministro Terra são defensores da tese segunda a qual o Bolsa Família precisa ter "porta de saída". Na festa de aniversário de 10 anos do programa, realizada em 2013, sob Dilma Rousseff, Lula discursou sobre o tema. Disse que a crítica à falta de porta "denota uma visão extremamente preconceituosa no nosso país."
"Significa dizer que a pessoa é pobre por indolência, e não porque nunca teve uma chance real em nossa sociedade", prosseguiu Lula. "É tentar transmitir para o pobre a responsabilidade pelo abismo social criado pelos que sempre estiveram no poder em nosso país."
Decorridos seis anos, Lula está preso e o abismo, além de continuar existindo, foi aprofundado pela ruína construída por Dilma antes do impeachment. Com 13,1 milhões de desempregados na praça, o governo é pressionado a alargar a porta de entrada do Bolsa Família. Porta de saída segura ainda não há. Mas Bolsonaro convida a clientela do programa abandonar o petismo por uma porta lateral, que conduz ao seu colo.
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