30/04/2024 - Edição 540

Brasil

Sérgio Moro faz mal à saúde

Publicado em 28/03/2019 12:00 -

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Para diminuir o contrabando e o consumo de cigarro estrangeiro de baixa qualidade, Sérgio Moro tem uma ideia: diminuir o imposto dos cigarros fabricados no Brasil. Uma portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública, de ontem, instituiu um grupo de trabalho para avaliar a “conveniência e a oportunidade” de reduzir essa tributação. O GT deve fazer estudos para descobrir se o combate ao contrabando seria atingido, e se (ora, ora), a medida poderia causar o aumento no consumo do tabaco. O prazo para o fim dos trabalhos é de três meses. E o grupo vai ser formado por representantes da Polícia Federal, da Secretaria Nacional do Consumidor e da Assessoria Especial de Assuntos Legislativos. Representantes dos ministérios da Economia e da Saúde serão convidados para participar dos estudos, e pesquisadores podem ser chamados a assessorar.

Até a Philip Morris, gigante produtora, saiu melhor na fita do que o ministro. Emitiu nota dizendo que o comércio ilegal precisa ser enfrentado, mas não com “alternativas que possam resultar na redução de tributos e de preços, aumentando o acesso da população de baixa renda a um produto como o cigarro”. Já a Souza Cruz foi favorável.

Durante as votações em plenário, vários senadores criticaram a portaria, mencionando o evidente descalabro em relação à saúde pública. Rogério Carvalho (PT-SE) lembrou ainda que cortar imposto de cigarro num momento em que se discute déficit nas contas públicas é provocativo. Mas a aposta da portaria, ao que parece, é conseguir arrecadar mais com a tal diminuição do cigarro ilegal, que não paga imposto.

Isso é controverso. Dados do Atlas do Tabaco apontados pela ONG ACT Promoção da Saúde mostram que o custo do tabagismo chega a R$ 56,9 bilhões por ano, cerca de quatro vezes mais do que se arrecada com os tributos sobre produtos de tabaco. Além disso, como lembra a reportagem da Folha, o consumo de cigarros ilegais no país caiu nos últimos anos em detrimento dos legais, segundo estimativas um estudo divulgado pelo Inca no ano passado. Não chega mais a 40% do consumo total. 

Há anos o Brasil vem promovendo uma carga tributária alta sobre o tabaco como forma de reduzir o consumo. Há muitas evidências de que funciona. Vejamos o que diz a OMS: “os impostos sobre o tabaco são a forma mais custo-efetiva de reduzir o consumo de tabaco, especialmente entre jovens e pessoas com menor renda. Um aumento de impostos que eleva os preços do tabaco em 10% diminui o consumo de tabaco em cerca de 4% em países de alta renda e cerca de 5% em países de baixa e média renda”. 

Já para a ligação entre a redução dos tributos e o combate ao contrabando, não há nada, segundo informa Paula Johns (diretora da ACT Promoção da Saúde), no Jota. Fora que não dá pra falar, como a portaria nos faz entender, que o cigarro legal é de melhor qualidade que o contrabandeado. “Não existe cigarro menos nocivo. Do ponto de vista da qualidade do produto qualquer cigarro é nocivo à saúde”. 

O GT criado por Moro para estudar a redução de impostos sobre cigarros foi, obviamente, muito criticado. E o ministro também. Na quarta (27) ele se explicou. Mais ou menos. Assegurou que sua intenção foi motivada por uma preocupação com… saúde pública. Disse que, se o GT concluir que a medida vai aumentar o consumo, será descartada. Mas continuou afirmando que seria “preferível” ter o mercado ilegal “preenchido pelo cigarro brasileiro submetido a maiores controles”, dada a baixa “qualidade” do cigarro paraguaio.

A matéria do Estadão detalha, a partir da explicação de integrantes da Receita Federal, por que a ideia não faz muito sentido do ponto de vista de evitar o contrabando: o cigarro paraguaio custa menos de R$ 1 o maço. Se cair muito a tributação, o maço aqui sai de R$ 5,5 para R$ 3. Não dá pra chegar perto. As fontes ouvidas lembram ainda que o mercado legal por aqui está em expansão, e isso justo porque, desde 2016, o aumento dos impostos sobre cigarros está congelado. As pessoas se acostumaram com o preço. Outro problema é que esse tipo de mudança só poderia ser discutido pelo ministério da Economia, o único que tem competência para fazer alterações do gênero.

Carta Aberta

Um grupo enorme de organizações e sociedades médicas, inclusive estrangeiras, assinaram uma carta aberta posicionando-se contra a criação do GT de Moro. O texto destaca que não faz sentido falar em melhor ou pior qualidade de cigarro nenhum, pois “é incontroverso que todos os produtos de tabaco, legalizados ou não, causam forte dependência e mais de 50 doenças e risco de morte”; que “a fórmula é simples: quanto mais caro o produto, mais difícil o acesso”; e que, finalmente, há estrategias já em curso para o combate ao contrabando, inclusive com a recente sinalização do Paraguai em atuar mais ativamente nesse controle. 


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