Poder
Publicado em 24/12/2021 12:00 -
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O massacre de inocentes que o ministro da Saúde Marcelo Queiroga e o presidente Jair Bolsonaro promovem ao negar a vacina a crianças foi comparado pelas redes sociais àquele que é atribuído a Herodes, rei da Judeia, na época do nascimento de Jesus Cristo. Uma triste ironia brasileira de Natal.
Na quinta (23), Queiroga repetiu uma ameaça que havia sido feita por seu chefe e disse que a vacinação de pessoas entre 5 e 11 anos só vai ser realizada com um médico justificando a necessidade caso a caso. Considerando que a maioria da população não tem um médico à mão, isso dificulta o acesso dos imunizantes principalmente aos mais pobres.
Também alegou que há uma quantidade aceitável de mortes por covid-19 ao dizer que "óbitos de crianças estão dentro de patamar que não implica em decisões emergenciais". E como, na sua avaliação, o Brasil ainda não ultrapassou esse patamar, não é necessário pressa para começar a vacinação delas.
O comportamento de Queiroga e Bolsonaro é de quem vê a vida dos mais jovens como um instrumento para seus interesses políticos, tal como a bíblia cristã descreve Herodes.
Diz o Evangelho de Mateus, em seu capítulo 2, que ele ficou preocupado após a visita dos reis magos que buscavam o menino recém-nascido que seria o rei dos judeus para adorá-lo, pois temia perder o poder. E que, por via das dúvidas, teria mandou passar as crianças na espada.
Queiroga e Bolsonaro não ordenaram a morte de crianças, mas são cúmplices dos óbitos ao negar acesso ao produto que poderia salvar sua vida e saberem disso. Desde o início da pandemia, mais de 300 famílias perderam seus filhos entre 5 e 11 para a covid-19.
Ambos fazem isso para agradar tanto o naco terraplanista de seu eleitorado mais fiel, quanto o grupo que defende a liberdade plena para contaminar e ser contaminado. Esse pessoal prefere ver o capeta do que criança vacinada. Criando uma falsa guerra pela "liberdade", o governo posterga o quanto possível o início da imunização.
Só para atrapalhar, Queiroga abriu uma consulta pública sobre a vacinação para pessoas entre 5 e 11 anos, mesmo após a aprovação técnica do imunizante da Pfizer para esses fins pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e o posicionamento favorável da Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização da Covid-19, ligada ao próprio Ministério da Saúde.
Sem contar que Bolsonaro fomentou ameaças contra a equipe da Anvisa, dizendo que iria entregar os nomes dos técnicos e diretores que aprovaram a vacina.
O coronavírus mata crianças, apesar de ser menos letal do que com adultos, o que já seria motivo para protege-las. O risco de não se vacinar é muitas vezes maior do que qualquer efeito colateral. Isso sem contar que uma criança vacinada reduz a chance de transmissão da covid-19 quando infectada, o que ajuda a frear a circulação do vírus.
No fundo, a diferença no comportamento de Queiroga e Bolsonaro e Herodes é que os primeiros colocam em risco a vida de crianças entre 5 e 11 anos enquanto o segundo teve como foco meninos de até dois anos.
No desespero de conquistar o apoio de comunidades religiosas cristãs para a sua reeleição, Bolsonaro acabou se transformando em um personagem bíblico. O problema é que escolheu um conhecido por ceifar vidas.
Queiroga escora retórica infanticida no Supremo
Marcelo Queiroga, o titular da pasta da Saúde, firmou uma parceria inusitada com o ministro Ricardo Lewandowski. Ao justificar sua falta de pressa em vacinar crianças contra Covid, ele declarou que o magistrado do Supremo Tribunal Federal avalizou a consulta pública que o governo fará na internet até 2 de janeiro.
Brandindo dados segundo os quais a Covid já matou no Brasil 301 crianças de 5 a 11 anos, Queiroga impacientou-se com os repórteres que o apertaram na quinta-feira: "Os óbitos de crianças estão dentro de um patamar que não implica em decisões emergenciais."
Três centenas de crianças lotariam um jato. Mortas de supetão, num acidente fatal, chocariam o país. Exterminadas em conta-gotas viraram estatística para ornamentar o negacionismo do ministro da Saúde. Com o aval de uma toga suprema.
No último dia 17, Lewandowski dera 48 horas para que o governo prestasse esclarecimentos sobre a inclusão da vacina infantil da Pifizer no plano nacional de imunização. A resposta veio num formato de embromação.
O governo pediu mais prazo a Lewandowski. Embora a Anvisa tivesse aprovado a vacina, Queiroga alegou que precisava ouvir a Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização da Covid, além de realizar uma consulta pública sobre a vacina.
Era tudo lorota. Em decisão unânime, a câmara técnica já cerrara fileiras ao lado da Anvisa. A consulta pública é uma inovação inédita e esdrúxula. Não faz nexo contrapor a opinião de leigos às conclusões científicas.
Curiosamente, Lewandowski concedeu o prazo reivindicado pelo governo: 5 de janeiro. Só então Queiroga dirá até quando pretende sonegar vacina às crianças. Segue ordens de Bolsonaro. Mas pode escorar a retórica infanticida no Supremo.
Segundo Queiroga, ainda que as vacinas infantis começassem a ser aplicadas amanhã não haveria como resolver "o problema de forma retrospectiva". De fato, não há como ressuscitar meninos mortos. O que se deseja é salvar os vivos.
Numa pandemia, tempo é vida. Ao matar o tempo, Queiroga como que reescreve o atestado de óbito das futuras vítimas mirins do vírus.
Até aqui as crianças infectadas morriam de Covid. Enquanto a vacina não chegar aos postos de Saúde, a causa mortis será "ministro da Saúde". A esse ponto chegamos. Morre-se de Queiroga no Brasil.
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