30/04/2024 - Edição 540

Poder

Bolsonaro decide liberar mineração em terras indígenas

Publicado em 08/11/2019 12:00 -

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O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, afirmou que o governo Jair Bolsonaro enviará a proposta de mineração em terras indígenas dentro de 15 dias. “Não é vontade do governo federal realizar mineração em terras indígenas; 14% do nosso território são classificados como terras indígenas. A Constituição já prevê essa atividade econômica nas terras indígenas, dependendo de regulamentação, que nunca foi feita”, afirmou o titular da pasta ao jornal O Globo.

Segundo Albuquerque, “a sociedade brasileira está observando atividade ilegal de mineração, de agricultura, de extração de madeira ilegal. Nada agride mais o meio ambiente que atividade ilegal”.

“O que estamos querendo fazer, e vamos encaminhar nos próximos 15 dias, é a nossa proposta para o Congresso, de regulamentação. Estamos trabalhando para aperfeiçoar o marco legal na faixa de fronteira para atividades de mineração e criar ou dar estrutura à Agência Nacional de Mineração”.

A iniciativa pode gerar efeitos catastróficos para o governo Jair Bolsonaro. Ele  não tem boas relações com os povos indígenas por causa de posição contrárias à demarcação de terras. Os conflitos aumentaram em setembro, quando Bolsonaro culpou os indígenas por queimadas na Amazônia. “Clima seco favorece queimadas. Existem queimadas praticadas por índios”, disse em discurso na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU).

Bolsonaro criticou o que chamou de “ambientalismo radical e indigenismo ultrapassado”, que, segundo ele, representam o “atraso” (veja aqui).

Os assassinatos de terras indígenas também preocupam. Houve um aumento de 20% em 2018 na comparação com o último levantamento do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Foram foram registradas pelo menos 135 mortes, contra 110 no ano anterior.

No último dia 1º, o guardião indígena Paulo Paulino Guajajara foi assassinado em uma emboscada feita por cinco madeireiros na Terra Indígena Araribóia (MA). Uma delegação de líderes indígenas, de cinco regiões do Brasil, cumpre agenda nesta semana em Bruxelas, na Bélgica, para denunciar as violações aos direitos dos povos nativos a órgãos da União Europeia e das Nações Unidas, como parte da jornada Sangue Indígena: Nenhuma Gota a Mais, realizada pela APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), em parceria com organizações da sociedade civil, que visitará 12 países europeus.

“Estamos aqui para dizer que a cada importação que é feita para a Europa, é o nosso sangue que vem”, afirma a liderança Nara Baré, coordenadora da COIAB (Coordenação dos Povos Indígenas da Amazônia). “É hora de dizer basta! Medidas precisam ser tomadas e a responsabilidade é de todos, dos parlamentos, da sociedade civil, do consumidor e dos próprios empresários”, complementa.

Servidores da Funai relatam "medo de ir para campo e tomar um tiro de um invasor”

"Servidores estão com medo de ir para campo e tomar um tiro de um invasor. Ou de estar fazendo uma atividade de proteção territorial, me deparar com um garimpeiro, o garimpeiro pode se empoderar e me dar um tiro ali. A Funai não garante nossa segurança”. O desabafo é de Guilherme Daltro Siviero, servidor da Funai e coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental (FPE) Cuminapanema, no norte do Pará.

Siviero desabafou sobre as condições de trabalho dos servidores da Funai. “Desde o dia primeiro de janeiro, somos surpreendidos com ações do governo federal para desestruturar todo o trabalho que vinha sendo realizado. Não vou dizer que o trabalho estava ideal, tínhamos muitas críticas, mas com o atual governo piorou muito, pois ele potencializou todos os ilícitos que afligem os territórios indígenas”, explica.

Para Siviero, não há dúvida sobre a tentativa do governo federal de imobilizar a Funai. “Estão cortando as pernas da Funai, as asas. Estão tentando fazer com que o órgão não funcione, mas de forma gradual. Porque se eles chegam com os dois pés no peito da Funai, haverá pressão internacional.”

Desde a exoneração de Bruno Pereira, que era coordenador-geral de índios isolados da Funai, os servidores passaram a sofrer com “frequentes cortes” e escassez de recursos para realizar o trabalho diário no órgão. A denúncia foi feita em uma carta aberta, assinada por 33 coordenadores de Frentes de Proteção Etnoambiental, e divulgada na última quarta-feira (6).

Os servidores decidiram publicar a carta após mais um ataque, o quinto em 13 meses, à base de proteção de índios isolados da Funai no Vale do Javari. Homens que tentavam invadir o território atiraram contra a guarita do órgão. Ninguém ficou ferido.

“Não temos poder de polícia, não somos órgão de segurança pública e muito menos forças armadas. Nós nos deparamos com pessoas desrespeitando a lei em Terras Indígenas, pessoas que entram para usurpar recursos naturais, mas não podemos fazer nada, só ir até a pessoa e conversar. Na Javari, eles reagiram e atiraram contra a base da Funai”, explica Sevieri.

A carta

No documento, os servidores alertam para o “processo de fragilização das condições de trabalho nas FPEs”. “Tem se agravado nos últimos meses pelos motivos supracitados, podendo levar ao risco iminente de paralisação das atividades das Bases Avançadas de Proteção Etnoambiental (Bape), inviabilizando a atuação dos servidores e, consequentemente da Funai, em sua missão institucional de garantia e promoção dos direitos desses povos”, explica o texto.

O Brasil possuiu, de acordo com documentos da Funai, 114 registros de índios isolados ou de recente contato. Para garantir a segurança e preservação desses povos, foram criadas 11 frentes de trabalho, todas espalhadas pela floresta amazônia, região norte do país.

Os servidores alertam, também, que os cargos nas coordenações da Funai são técnicos e que devem ser ocupados por pessoas com conhecimento sobre a situação dos indígenas isolados: “As frentes são postos avançados da Funai em diversos pontos da Amazônia e têm o objetivo de monitorar de perto potenciais ameaças aos índios isolados e de recente contato. Muitos destes coordenadores vêm, ao longo de muitos anos, se aperfeiçoando em relação aos trabalhos junto a estes Povos e dedicam suas vidas para tal função, sendo dificilmente substituídos sem prejuízos para os povos em questão.”

Cana na Amazônia e no Pantanal

Depois de admitir a investidores árabes que “potencializou” as queimadas na Amazônia por discordar de políticas ambientais de governos anteriores, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) decretou que a região – bem como o Pantanal e a Bacia do Alto Paraguai, na mesma região – está liberada para o plantio da cana. O Decreto 10.084, de 5 de novembro, publicado no último dia 6 no Diário Oficial da União, revogou o Decreto 6.961, de setembro de 2009, em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva instituiu o zoneamento para o plantio da cana e as operações de financiamento ao setor sucroalcooleiro. Além de Bolsonaro, assinam o decreto a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, e o ministro da Economia, Paulo Guedes.

A publicação coincide com os novos dados sobre o papel dos biocombustíveis na redução das emissões brasileiras de carbono em 2018, divulgados hoje pelo Observatório do Clima na Conferência Brasileira sobre Mudança do Clima, realizada em Recife.

“Com seu ato, os dois ministros, tidos como a ‘ala razoável’ do governo, expõem dois biomas frágeis à expansão predatória e economicamente injustificável da cana e jogam na lama a imagem internacional de sustentabilidade que o etanol brasileiro construiu a duras penas”, afirmou o Observatório por meio de nota.

A medida foi repudiada pelo ex-ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, que chamou Bolsonaro de “ecocida”.

Sonho antigo

A liberação do plantio de cana na floresta é objetivo antigo do agronegócio que sustenta o governo e que tem na ministra da Agricultura, a “musa do veneno“, seu mais forte representante. Em março de 2018, mais de 60 entidades ambientalistas, de direitos humanos e de defesa da reforma agrária, entre outras, assinaram manifesto contra a aprovação do Projeto de Lei do Senado (PLS) 626/2011, de Flexa Ribeiro (PSDB-PA), que libera o cultivo de cana de açúcar na Amazônia Legal.

Para essas entidades, permitir o cultivo de cana na região, mesmo que em terras degradadas, é um erro. “Significa acrescentar mais um motor ao crescente desmatamento. Para dar lugar à lavoura, a pecuária será empurrada para novas áreas, estimulando a devastação da floresta, a violência contra as populações locais e a injustiça social. Além disso, a área já liberada para a cana-de-açúcar no resto do país é do tamanho do território de Minas Gerais.”

A produção de cana também está associada à degradação do solo e dos ecossistemas. E o uso intensivo de agrotóxicos, principalmente por meio da pulverização aérea, tem aumentado o número de intoxicações agudas, crônicas e o aumento de casos de diversos tipos de câncer, malformações congênitas e outras doenças graves.


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