20/05/2024 - Edição 540

Poder

PF intima Bolsonaro a depor no inquérito das joias

Em quatro anos, ex-presidente e sua equipe fizeram 150 viagens à Arábia Saudita

Publicado em 30/03/2023 1:56 - DW, Ricardo Noblat (Metrópoles), Leonardo Sakamoto (UOL), Iara Lemos (Congresso em Foco) – Edição Semana On

Divulgação Bolsonaro almoçou com embaixador saudita no dia em que Bento Albuquerque começava viagem de volta ao Brasil com diamantes. Foto: Alan Santos/PR

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A Polícia Federal (PF) intimou o ex-presidente Jair Bolsonaro a prestar depoimento no inquérito que investiga joias recebidas de presente por ele da Arábia Saudita e que entraram ilegalmente no Brasil.

O antigo ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, também foi intimado. Os depoimentos foram marcados para 5 de abril, às 14h30, em Brasília.

A defesa do ex-mandatário afirmou em nota que a oitiva será “uma oportunidade para ele prestar todas as informações necessárias”. “É um ato processual corriqueiro, ocasião em que ele esclarecerá que agiu sempre de acordo com a legislação que regula a oferta de presentes de governos estrangeiros”, diz o comunicado dos advogados.

Em 2021, o governo Bolsonaro tentou trazer ilegalmente ao Brasil um pacote de joias presenteado pela Arábia Saudita ao então presidente. O jogo era composto por um colar, um relógio e um par de brincos de diamantes, avaliados em R$ 16,5 milhões.

As joias foram apreendidas pela Receita Federal no aeroporto de Guarulhos, após serem localizadas na bagagem de um integrante de uma comitiva do governo que viajou ao país árabe. Depois disso, o governo tentou reaver as joias diversas vezes.

Um segundo conjunto de joias, também recebido da Arábia Saudita, foi entregue pela defesa de Bolsonaro à Caixa Econômica Federal em Brasília na última sexta-feira, após determinação do Tribunal de Contas da União (TCU).

As peças incluem relógio, caneta, abotoaduras, anel e um tipo de rosário, todos da marca suíça de diamantes Chopard, e estavam no acervo privado do ex-presidente.

Contudo, somente presentes de baixo valor podem ser considerados privados pelo presidente da República. De acordo com o TCU, itens de grande valor, como joias, devem ser colocados no acervo público da Presidência.

O jornal O Estado de S. Paulo revelou ainda a existência de um terceiro pacote de joias, ainda em posse do ex-presidente, avaliado em mais de R$ 500 mil. Entre as peças estariam uma caneta da marca Chopard, um anel de ouro branco e um relógio Rolex.

Esses itens teriam sido entregues à comitiva de Bolsonaro durante uma viagem ao Catar e à Arábia Saudita em 2019. Nesta quarta-feira, o TCU determinou a entrega imediata do pacote.

Justiça

Bolsonaro poderá pensar que basta devolver as joias que surrupiou ao Estado brasileiro para escapar a qualquer condenação. Vai ter que dar explicações à Polícia Federal. E poderá ser processado por tentativa de desvio de patrimônio público. Não fosse assim, os golpistas do 8 de janeiro alegariam que não devem ser processados simplesmente porque o golpe fracassou.

Antes de embarcar, ontem à noite, de volta ao Brasil, Bolsonaro deu um show de desfaçatez ao falar sobre a descoberta de um terceiro pacote de joias, presente da ditadura da Arábia Saudita: “Está à disposição. No máximo depois de amanhã a gente entrega, sem problema. O TCU diz que esse material eu nem poderia usar. Sem problema nenhum. Pra que vou usar um relógio de mais de R$ 200 mil? Eu jamais usaria”.

Bolsonaro também comentou sobre os outros dois estojos de joias milionárias que aqui aportaram durante seu governo: “A gente tentou recuperar por ofício, ninguém tentou recuperar na mão grande. Era tudo pro acervo do presidente da República”.

Se eram para o acervo, por que não foram declarados à Receita Federal? O estojo com joias para Michelle foi apreendido e, em momento algum, antes ou depois da apreensão, a Receita foi informada que as joias iriam para o acervo da presidência.

O estojo com joias para Bolsonaro entrou ilegalmente no Brasil, e a Receita, em momento algum, soube que as joias iriam para o acervo. Se iriam, por que Bolsonaro, que recebeu as dele, levou-as consigo quando abandonou a contragosto o Palácio da Alvorada?

Se ele, como diz agora, jamais usaria um relógio de mais de R$ 200 mil, por que ficou com o relógio? Por que seria uma lembrança? Por que, num aperto, poderia vendê-lo e fazer dinheiro? Ora, mas o relógio não iria para o acervo?

A sorte de Bolsonaro é que ele não precisará responder a essas e outras perguntas face a face com agentes especialistas em interrogatório. Advogados experientes responderão no seu lugar, e por escrito. Isso já acontecerá na próxima semana.

Contente-se, Bolsonaro, se não for surpreendido até lá por um mandado de prisão. Conforme-se em sair do aeroporto por uma porta lateral. Não haverá, ao que tudo indica, a recepção festiva com a qual você tanto sonhou. Nem desfile em carro aberto.

Prepare-se para o acerto de contas com a Justiça.

Racismo

Após ser revelado que Bolsonaro surrupiou um terceiro pacote de joias dadas ao Brasil pela Arábia Saudita, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), aliado e ex-ministro de Jair, afirmou ao UOL Entrevista, na terça (28), que esse escândalo não vai cair na conta do ex-presidente porque ele “não tem cara de ladrão”. Mas o que é ter cara de ladrão?

“A questão das joias vai ser explicada. Bolsonaro não tem cara de ladrão, não tem atitude de ladrão. Isso não vai colar de forma nenhuma na população”, disse. O senador defendeu que o caso é “de menos importância”, que “temos que esquecer um pouco isso de governo Bolsonaro” e que é hora de criticar o governo Lula.

A declaração reforça o racismo de que há um tipo físico atrelado à criminalidade, que a nossa elite branca sistematicamente atribui à cor da pele, seja ao atravessar a rua quando um homem negro vem na direção oposta, seja ao acusar a empregada doméstica negra de roubo mesmo sem provas, por exemplo. Esquece, assim, que os mais bem-sucedidos larápios deste país não são ladrões de carro ou de celular (que têm todas as cores), mas os que se locupletam do dinheiro público e os que manipulam a economia para seus interesses particulares.

O governo petista seria o único foco de fato, como pede o senador, se o bolsonarismo não tivesse tentado dar um golpe de Estado em 8 de janeiro, se o ex-presidente não tivesse sido responsável por chegarmos ao patamar de 700 mil mortos por covid-19, se não tivesse feito a coisa pública de privada durante seu mandato e se não tivesse deixado um rastro de corrupção em órgãos. Como o Ministério da Educação.

Vale lembrar que a profusão de denúncias de desvios envolvendo o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), dirigido na gestão passada, vejam só, por um ex-assessor de Ciro Nogueira (PP-PI), indica que teve sobrepreço e superfaturamento que virou grana não declarada para gastar da eleição de 2022.

Uma CPI do MEC foi aberta, mas, por conta de acertos políticos, sua instalação ficou programada para acontecer após o pleito – o que nunca aconteceu. Se ela tivesse ido a fundo, conheceríamos muito do uso ilegal de recursos públicos levados a cabo por parlamentares que têm cara de santo, mas não de ladrão.

Como esquecer a multimilionária licitação de 4 mil ônibus escolares que, se não fosse por denúncia do jornal O Estado de S.Paulo, teria feito a alegria de muita gente? Como esquecer as compras de kits de robótica com preços absurdos? Como esquecer o icônico áudio do então ministro da Educação Milton Ribeiro afirmando que Bolsonaro havia pedido para acolher as necessidades do pastor Gilmar Santos e de seus “amigos” prefeitos, interessados em recursos públicos.

Santos e o pastor Arilton Moura integravam o “gabinete paralelo” montado no MEC. Para tanto, cobravam propina em dinheiro, Bíblias e até barras de ouro. Ironicamente, parte do autointitulado povo de Deus continua recolhendo ouro para seus bezerros e falsos ídolos (livro de Êxodo, capítulo 32), milhares de anos depois do episódio na base do Monte Sinai.

Jair Bolsonaro, por sua vez, também recolheu ouro para si, mas ironicamente, é ele o falso ídolo.

Depois da revelação de que surrupiou do patrimônio público uma caixa com cerca de R$ 1 milhão em joias dadas pela Arábia ao Estado brasileiro e que teria tentando ficar com outra de R$ 16,5 milhões em mimos, usando a força do cargo para pressionar a Receita Federal para liberá-la, agora descobrimos que ele ficou com uma terceira com produtos de luxo avaliados em R$ 500 mil.

Reportagem de André Borges e Adriana Fernandes, do jornal O Estado de S.Paulo, aponta que um estojo que continha, entre outros itens, um relógio Rolex, de ouro branco, cravejado de diamantes, foi entregue pessoalmente a Jair em outubro de 2019. As regras brasileiras afirmam que presentes desse porte pertencem ao patrimônio público e não a uma única pessoa.

Ouro, diamantes e outras pedras preciosas são uma das formas mais simples para transportar ilegalmente grandes somas sem ser identificado por instituições nacionais e internacionais de controle.

O crime de peculato, previsto no artigo 312 do Código Penal, prevê de dois a 12 anos de xilindró para um funcionário público que se apropria de um bem em benefício próprio ou de terceiros. Enquanto isso, o furto (artigo 155 do Código Penal) ocorre quando alguém subtrai coisa alheia móvel para si ou para terceiros sem o emprego de violência, com pena de um a quatro anos.

Ou seja, furtar uma TV ou um celular dá menos tempo de cadeia do que um político subtrair patrimônio público. Mas enquanto temos a prisão cheia do primeiro tipo, o segundo costuma permanecer impune, ganhando passadas de pano homéricas, como o do nobre senador e do rebanho de seguidores fiéis do ex-presidente.

Em quatro anos, Bolsonaro e equipe fizeram 150 viagens à Arábia Saudita

Nos últimos quatro anos de governo, o ex-presidente da República Jair Bolsonaro ou representantes de sua equipe presidencial fizeram 150 viagens para a Arábia Saudita. O país dos Emirados Árabes está no centro da confusão das joias recebidas por Bolsonaro, e que foram mantidas pelo ex-presidente de forma irregular.

A frequência com que Bolsonaro e sua equipe visitaram o país acendeu o alerta entre os partidos de oposição a Bolsonaro no Congresso, que pedem novas investigações sobre o caso das jóias. No final da manhã de terça-feira (28), o senador Humberto Costa (PT-PE), ingressou com um pedido de investigação junto ao Ministério Público de Contas junto ao Tribunal de Contas da União, em relação a um terceiro pacote de jóias que Bolsonaro recebeu do governo da Arábia Saudita.

Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, o ex-presidente recebeu uma caixa com um relógio Rolex, uma caneta Chopard, abotoaduras, anel e uma masbaha — espécie de rosário para a religião islâmica. Os presentes somam mais de R$ 500 mil e ficaram com o ex-presidente mesmo após o fim de seu mandato.

“Solicita-se que esse Digno Ministério Público avalie apurar as reais razões de tão constantes deslocamentos oficiais, e se, ao final de cada uma dessas visitas, a comitiva ou o ex-presidente receberam objetos valiosos, e se assim for, a que título foram recebidos”, solicitou o senador.

Bolsonaro teria recebido a caixa após um almoço com o rei saudita Salman Bin Abdulaziz Al Saud, em outubro de 2019. Ao retornar ao Brasil, o presidente teria ordenado que os itens fossem guardados no acervo privado da Presidência. Os itens permaneceram lá até junho de 2022, quando um formulário foi apresentado para que os presentes fossem “encaminhados ao gabinete do presidente Jair Bolsonaro”.

As joias estavam sob posse da comitiva do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, em outubro de 2021. Na sexta-feira da semana passada (24), a defesa de Bolsonaro atendeu a determinação do Tribunal de Contas da União (TCU) e devolveu parte dos presentes. O terceiro pacote de joias não foi devolvido.


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