18/06/2024 - Edição 540

Poder

Depoimento de Milton Ribeiro à PF mantém a cara de Bolsonaro nas chamas

Publicado em 02/04/2022 12:00 -

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Está ficando monótono. Ao confirmar em depoimento à Polícia Federal que foi a pedido de Bolsonaro que as portas do MEC se abriram para pastores que trocavam verbas por propinas, o ex-ministro Milton Ribeiro reforçou uma obviedade: o único órgão que funciona em Brasília é o DBB, Departamento de Blindagem de Bolsonaro. O inquérito só daria frutos se os investigadores fizessem duas perguntas a si mesmos: Por que o procurador-geral Augusto Aras excluiu Bolsonaro do rol de suspeitos? Para que serve a moralidade que o presidente da República e o ex-ministro da Educação dizem cultuar?

Na versão contada por Milton Ribeiro à polícia, Bolsonaro pediu que o pastor Gilmar Santos, parceiro de traficâncias do irmão Arilton Moura, fosse recebido. Mas jamais perguntou sobre o resultado da visita. Os dois pastores estiveram quatro vezes com o próprio Bolsonaro. Agendaram e participaram de inúmeras reuniões do então ministro com prefeitos. Mas o depoente jura que os pastores não dispunham de "tratamento privilegiado" no MEC.

Prefeitos relataram os achaques dos pastores. Pediam dinheiro e ouro em troca de acesso aos cofres do MEC. Mas Milton Ribeiro, ele próprio um pastor evangélico, disse à PF que "não tinha conhecimento" do pastoreio dos irmãos. O ex-ministro considera-se um cristão honesto. Bolsonaro não se cansa de dizer que preside um governo sem corrupção. Qualquer um pode prestar testemunho sobre o conceito extraordinário que faz de si mesmo. O diabo é que, abstraindo-se os autoelogios, o que sobra são os fatos. E os fatos transformam a moralidade presumida de pessoas como Ribeiro e Bolsonaro numa inutilidade que ajuda a entender como o Brasil virou uma cleptocracia comandada por almas presunçosas.

Ao determinar a abertura do inquérito sobre o MEC, a ministra do Supremo Cármen Lúcia deu prazo de 15 dias para Augusto Aras refletir sobre a inclusão de Bolsonaro na fogueira. Os fatos intimam o procurador-geral a procurar. O depoimento de Milton Ribeiro manteve a labareda do escândalo na cara do presidente. Mas Aras costuma colocar as conveniência do presidente acima dos fatos.

Presidente levou o MEC da fogueira para o balcão

Bolsonaro havia sinalizado a intenção de efetivar no comando do Ministério da Educação o número 2 da pasta, Victor Godoy Veiga, servidor do Controladoria-Geral da União. De repente, decidiu esticar a interinidade do personagem. Com sua hesitação, o presidente leva o MEC da fogueira para o balcão. Disputam a vaga do pastor Milton Ribeiro e o orçamento de R$ 160 bilhões do ministério o centrão e a bancada evangélica.

Visto como favorito dentro do governo, Victor Godoy assiste a uma movimentação esquisita ao redor. Correm por fora dois azarões: Anderson Correia, reitor do Instituto Tecnológico da Aeronáutica, o ITA; e Garigham Amarante, atual diretor de Ações Educacionais do Fundo Nacional de Desenvolvimento de Educação, o FNDE. O primeiro é o preferido do pastor bolsonarista Silas Malafaia e da bancada da Bíblia. O segundo é um preposto de Valdemar Costa Neto, o dono do PL, partido de Bolsonaro.

De um ninho de víboras a única coisa que se pode extrair é veneno. Mas é preciso considerar que a crise no MEC decorre da ação de pastores que pediam propinas em troca de azeitar, com o aval de Bolsonaro, a liberação de verbas. Contra esse pano de fundo, a efetivação do interino Victor Godoy talvez resulte numa peçonha menos letal. Servidor da CGU, o segundo na hierarquia do MEC é especialista em auditorias. Ninguém espera que consiga retirar a cara de Bolsonaro do fogo. Mas talvez tente evitar que o interesse público queime em novos malfeitos.


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