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Palavra do Editor

A Venezuela por um fio

Publicado em 21/02/2014 12:00 -

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A história não é algo que surja, nova, a cada segundo. Pelo contrário. Ela traz consigo práticas do passado. Identificar estas práticas e associá-las a outras não significa adotar uma postura de torcida organizada no âmbito da política. É condição essencial para que possamos debater temas com um mínimo de clareza.

O Estado centralizador, o controle sobre a imprensa, o culto a personalidade, a adaptação das regras institucionais para a manutenção do regime, a cartelização e o controle sobre a economia têm origens nos totalitarismos (de esquerda e de direita). Não há como fugir disso. Estas são características do chavismo na Venezuela, acirradas com o presidente messiânico Nicolás Maduro.

Faço este preâmbulo para refletir a polarização do debate sobre a crise venezuelana. De um lado, “anticomunistas” exacerbados bradam contra os vermelhos. Do outro, “esquerdistas” convictos execram a influência dos yankees na América do Sul. Anacronismos à parte é preciso, ao menos, honestidade intelectual para compreendermos o que ocorre o país vizinho.

O Estado centralizador, o controle sobre a imprensa, o culto a personalidade, a adaptação das regras institucionais para a manutenção do regime, a cartelização e o controle sobre a economia têm origens nos totalitarismos.

Esta honestidade intelectual passa pelo entendimento de que a divulgação de fotos falsas sobre o conflito na Venezuela (veja aqui) não significa que nada esteja ocorrendo por lá. Usar a imbecilidade alheia para justificar a violência estatal – ou negá-la – é um crime tão perverso quanto o cometido pelos falsificadores de imagens. Uma desonestidade se equipara a outra.

Hoje, o debate não se dá no âmbito econômico. Não se resume a um extremo ocupado por aqueles que veem a gestão econômica chavista como base para os avanços sociais conquistados, a partir da distribuição da renda do petróleo; e por outro, onde estão os que enxergam ineficiência e anacronismo nas estatizações e nos acordos comerciais com países como China e Cuba. Não. A questão em foco é a adoção de estratégias totalitaristas, que transformem a Venezuela em uma ditadura personalista como Cuba.

O fato é que, lenta, mas inexoravelmente, o chavismo perde apoio popular. E isso não ocorre por conluio direitista, planos da imprensa capitalista ou ações da CIA, mas pelo excesso de corrupção, pelo caos econômico, pela escassez, pela altíssima inflação e pelo o aumento da criminalidade. A incapacidade do presidente Nicolás Maduro para liderar um sistema abalado por discórdias e rivalidades internas tem levado os chavistas a mostrar a verdadeira cara do regime.

A violência estatal, assoberbada diante da insatisfação popular das últimas semanas, não é novidade na Venezuela. No ano passado, por exemplo, deputados da oposição foram agredidos durante uma sessão presidida por Diosdado Cabello, ex-militar que acompanhou Chávez no seu frustrado golpe contra o governo de Carlos Andrés Pérez.

A divulgação de fotos falsas sobre o conflito na Venezuela não significa que nada de grave esteja ocorrendo por lá.

O presidente do Congresso iniciou a sessão retirando o direito dos parlamentares de oposição de se manifestar sobre a fraude eleitoral das últimas eleições venezuelanas e ordenou que seus microfones fossem desligados. Quando os deputados protestaram, levantando uma faixa que denunciava um “golpe contra o Parlamento”, membros oficialistas e seus guarda-costas lançaram-se contra eles com socos e pontapés.

À exemplo do apagão midiático promovido por Maduro durante as manifestações deste ano – veículos de comunicação não atrelados ao governo estão impedidos de divulgar os acontecimentos – as câmaras da TV oficial foram direcionadas para o teto da Assembleia. Mas os celulares de muitos participantes filmaram o ocorrido e o mundo inteiro tomou conhecimento da selvageria cometida contra a deputada María Corina Machado, arrastada pelos cabelos e espancada pelos valentes revolucionários chavistas.

Veja o vídeo da agressão aos deputados oposicionistas

Ao mesmo tempo em que o governo de Maduro transformou o Parlamento num palco de brutalidade, a repressão nas ruas aumentou, com a detenção de oposicionistas, perseguições contra líderes universitários e a expulsão de centenas de funcionários públicos dos seus cargos pelo fato de terem votado na oposição nas eleições de 2013.

É óbvio que há conquistas no regime chavista. Especialmente no campo social. No entanto, conquistas fincadas no esfacelamento das liberdades democráticas não se sustentam de fato e nem como ideias.


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