14/09/2024 - Edição 550

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Site de extrema direita pede assassinato de políticos de esquerda na França

Na França e no Brasil, direita aposta na “suavização” do fascismo

Publicado em 09/07/2024 10:28 - Leonardo Sakamoto (UOL), João Filho (Intyercept_Brasil) – Edição Semana On

Divulgação Zakaria ABDELKAFI / AFP

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Após a derrota dos ultraconservadores nas eleições legislativas na França, um site de extrema direita faz uma convocação para que políticos de esquerda sejam mortos e incentiva ataques contra advogados, jornalistas e ativistas.

A publicação fala até mesmo sobre os possíveis métodos: “armas de fogo, facas de cozinha, bestas e até mesmo o cabo de uma picareta”. Os nomes citados já anunciaram que estão abrindo um processo na Justiça.

No final de semana, de forma inesperada, a coalizão de partidos de esquerda na França saiu em primeiro lugar na eleição legislativa e impediu que o movimento Reunião Nacional — de extrema direita — chegasse ao poder.

No site Reseau Libre, quatro políticos de esquerda são apontados como alvos legítimos: os deputados Manuel Bompard, Alexis Corbière, Rachel Keke e o senador comunista Ian Brossat. Um advogado que luta contra a violência policial também foi incluído na lista. Seus endereços foram publicados, com detalhes e argumentos para justificar um ataque.

A campanha eleitoral foi marcada por incidentes de violência e ataques contra pelo menos 51 políticos e suas equipes. O mesmo site já havia sido alvo de atenção da Justiça ao publicar, na semana passada, uma lista com 98 advogados que deveriam ser “eliminados”.

Uma queixa formal na Justiça foi apresentada contra o grupo criado em 2015 e que, hoje, tem seu registro estabelecido na Rússia. O site é liderado por um militante de extrema direita que vive em território russo e que a França não consegue sua extradição. Entre as acusações que pesam contra ele está a suspeita de um plano de um atentado contra muçulmanos na França.

Nesta segunda-feira, um dia depois da derrota nas urnas da extrema direita, um artigo assinado no site diz que a eleição deixou o grupo com opções:

“Ou tomamos nota e deixamos que isso aconteça, contentando-nos em proteger os nossos, ou decidimos colocar essa manada de idiotas sob controle usando os únicos métodos que nos restam, que eu deixo para vocês imaginarem”, afirmou o site, num artigo assinado por um misterioso Leon.

Uma segunda opção seria adotar “ataques gerais não direcionados”, ainda que se recuse a ser visto como. Mas afirma que ficaria com “imenso prazer” se jihadistas cometessem outro ataque semelhante ao do Bataclan para punir os franceses que apoiam a imigração.

O autor sugere um terceiro caminho: “Proteja-se e proteja sua família, MAS ataque regularmente não apenas alvos aleatórios entre os 95% de idiotas, mas alvos que aceitem seu status de inimigo”. Ele inclui nessa categoria”advogados, jornalistas, ativistas comunitários e políticos de segunda categoria”.

Fascismo de Le Pen cresce e é normalizado

A nova moda entre os reaças brasileiros é arrancar Le Pen e o Reunião Nacional a fórceps da extrema direita do espectro político. Bolsonaristas e articulistas que posam de direitistas moderados passaram a reescrever a história dos extremistas liderados por Le Pen.

Para eles, o tempo passou, os fascistas franceses mudaram, caminharam em direção ao centro e hoje fazem parte da direita tradicional.

O comentarista Demétrio Magnoli da Globo News, por exemplo, discutiu ao vivo com seu colega Guga Chacra ao tentar normalizar a extrema direita francesa. Ele ficou irritado por classificarem Le Pen e sua turma como políticos de extrema direita – algo que é óbvio para qualquer analista político minimamente sério.

Guga Chacra, ainda mais irritado com o terraplanismo político de Magnoli, rebateu: “Ela (Marine Le Pen) é extrema direita. Eu prefiro ficar com o Le Monde, The Economist, New York Times, Washington Post, com quase toda a imprensa mundial. Tenho orgulho de ser jornalista, cientista político”.

Mas Magnoli não está sozinho. Há muita gente na imprensa que compartilha dessa barbaridade analítica. Os adeptos dessa ciência política freestyle contribuem, conscientemente ou não, para o processo de repaginação da imagem do neofascismo francês liderado por Le Pen.

No país do iluminismo, os ideais fascistas encontravam dificuldade para ganhar aderência entre a população. Desse modo, há pelo menos 10 anos, Le Pen vem adotando uma série de estratégias para suavizar o discurso e tornar os reacionários mais palatáveis ao gosto francês.

A maior pedra no sapato desse processo de repaginação do partido sempre foi seu pai, Jean-Marie Le Pen, um fascista que é aberta e ostensivamente antissemita, islamofóbico, homofóbico e já foi condenado inúmeras vezes nos tribunais franceses por discursos de ódio.

Ele já afirmou publicamente que a ocupação nazista na França não foi “especialmente desumana”, que as câmaras de gás usadas pelos nazistas foram um mero “detalhe” da história, que “era preciso salvar a europa boreal e o mundo branco” e que um cantor francês de origem judaica teria que “passar pelo forno”.

É esse o nível de extremismo dessa turma. Ao ver o filme do partido sendo queimado em praça pública pelo pai, Marine Le Pen expulsou-o do partido. Mas isso não passou de um grande jogo de cena. Apesar da expulsão, Marine não condenou seu pai com a veemência necessária, para demonstrar claramente que pensa bem diferente dele.

Apenas se limitou a dizer que ele cometeu um mero “erro político” — é assim que Le Pen trata o fascismo ostentação do seu papai. O fato é que ela e o seu partido continuaram a defender os mesmos ideais fascistas de sempre. Mudaram a roupa, mas a essência fascista permanece a mesma de sempre.

A expulsão do pai, a mudança de nome do partido (antes chamado de Frente Nacional) e a escolha de Jordan Bardella como liderança do partido foram alguns dos movimentos de Marine Le Pen para dourar a pílula do neofascismo francês.

Bardella é uma espécie de Nikolas Ferreira francês: é jovem, tem muitos seguidores nas redes sociais e se tornou a cara moderninha e descolada de uma ideologia apodrecida. O sucesso da extrema direita nessas eleições se deu em grande parte pela popularidade da sua figura.

Assim como Jean-Marie Le Pen, Bardella costumeiramente faz declarações racistas e homofóbicas, mas de maneira velada. O fato é que nunca houve mudança de rotas nas linhas gerais do programa de governo do partido de Le Pen, mas Magnoli e outros terraplanistas querem nos fazer acreditar que esses nazistas se tornaram moderados.

As principais propostas do Reunião Nacional são baseadas no nativismo, uma ideologia que visa proteger as pessoas nascidas na França e oprimir imigrantes e filhos de imigrantes que nasceram no país.

Eles defendem que filhos de estrangeiros nascidos na França não tenham mais direito à nacionalidade francesa. Ou seja, para eles, apenas filhos de pais franceses são considerados cidadãos.

Bardella prometeu erradicar do país o que ele chama de “perigosas ideologias islâmicas”, fechando mesquitas e deportando religiosos muçulmanos considerados radicais.  O Magnoli pode ficar chateado, mas isso é neonazismo em estado bruto.

Repaginação do bolsonarismo

No Brasil, esse mesmo movimento de suavização do fascismo está a todo vapor. A extrema direita é articulada internacionalmente e essa repaginação do neofascismo certamente se consolidará como nova tendência.

Há uma clara intenção de se fabricar um candidato com tons moderados, que herde o espólio eleitoral de Bolsonaro, que está inelegível.

O governador Tarcísio de Freitas parece ser o candidato natural, já que, apesar de ter atuado como linha de frente do fascismo bolsonarista nos últimos anos, conseguiu consolidar a imagem de tecnocrata moderado, um bolsonarista que sabe se portar à mesa e usar os talheres.

É o candidato preferido do mercado, de boa parte da imprensa corporativa e de bolsonaristas envergonhados.

Torçamos para que a França consiga continuar freando o avanço do neofascismo.


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