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Governo minimiza cobrança internacional e diz que já trabalha por Venezuela
Publicado em 07/08/2024 2:37 - Jamil Chade e Carla Araújo (UOL) – Edição Semana On
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Uma delegação de parlamentares brasileiros, organizada pelo Instituto Vladimir Herzog, costura a criação de uma rede internacional de defesa da democracia.
Durante a viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o Chile, no início desta semana, deputados e senadores brasileiros e chilenos assinaram uma declaração na qual se unem “internacionalmente para combater as práticas antidemocráticas entre as quais estão a desinformação, o discurso de ódio, a discriminação de gênero e raça e a promoção da violência política e o autoritarismo”.
A carta é um passo do compromisso sobre a criação de uma frente parlamentar em nível regional e internacional para a promoção da democracia no mundo. A iniciativa, que ainda contou com o apoio da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República do Brasil, consolida a ambição dos deputados e da sociedade civil de consolidar uma rede de apoio internacional contra ameaças às instituições democráticas e promover o intercâmbio de melhores práticas legislativas.
A Argentina será o próximo país a ser visitado pela Missão em Defesa da Democracia na América, já com a confirmação dos parlamentares chilenos. O mesmo grupo ainda costura viagens para Colômbia e para a UE, além outros países como o México.
O processo começou quando o Instituto Vladimir Herzog organizou uma missão aos EUA, em maio, que permitiu a criação de um pacto e entre parlamentares americanos e brasileiro para lidar com as ameaças à democracia.
Ficou ainda estabelecido que a iniciativa não seria apenas bilateral e que missões a outros países também seriam realizadas.
Um dos princípios é de que o processo, ainda que tenha as ameaças da extrema direita como pano de fundo, não incluirá apenas movimentos, políticos e partidos de esquerda. O objetivo é o de também ter a adesão de todas as forças democráticas.
No caso do Chile, a delegação brasileira foi liderada pela senadora Eliziane Gama, relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos Antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 e contou também com o deputado federal Henrique Vieira.
Em Santiago, eles estiveram com os senadores Francisco Chahuán, Fabiola Campillai, Claudia Pascual, Juan Ignacio Latorre, Paulina Vodanovic e Isabel Allende.
Na reunião, foram tratados temas como a situação atual da democracia, os desafios relacionados à desinformação, violência política e discursos de ódio, e a busca por pontos de convergência para fortalecer a rede de parlamentares comprometidos com a defesa democrática.
O grupo ainda se reuniu com a ministra Camila Vallejo e outros representantes do governo chileno para tratar da defesa da democracia e combate à desinformação. A missão também incluiu encontros com a sociedade civil.
De acordo com o Instituto Vladimir Herzog, o evento marcou a consolidação de uma rede de apoio internacional contra ameaças às instituições democráticas e promover o intercâmbio de melhores práticas legislativas.
A presença de parlamentares de diversas colorações políticas reforça o compromisso com um diálogo democrático transversal, focado na proteção dos valores democráticos e dos direitos humanos.
Governo minimiza cobrança internacional e diz que já trabalha por Venezuela
Enquanto o presidente Lula parece querer ganhar tempo para se posicionar mais enfaticamente em relação à crise na Venezuela, membros do Itamaraty e do Palácio do Planalto tentam minimizar a pressão vinda do exterior para que o petista enfrente o ditador Nicolás Maduro.
Interlocutores do presidente tataram até com certo desdém a carta assinada por 30 ex-chefes de Estado e governos pedindo que Lula “reafirme o compromisso com democracia” e pressione Caracas.
A avaliação é que o documento reforça o papel relevante que Lula tem na mediação do conflito, ao mesmo tempo que demonstra que tais ex-líderes desconhecem o trabalho que o governo brasileiro já tem feito desde segunda-feira da semana passada.
Fontes da diplomacia brasileira afirmam ainda que o país tem atuado nos bastidores e que a carta enviada a Lula seria “extemporânea e fora de foco”.
Para defender que o governo brasileiro tem atuado para solucionar a crise na Venezuela fontes citam o reconhecimento da oposição.
Edmundo Gonzalez, candidato da oposição na Venezuela, incluiu o Brasil nos agradecimentos à comunidade internacional. Segundo ele, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva foi um dos que se posicionaram de forma a cobrar transparência e a entrega de atas das eleições, antes de reconhecer os resultados finais.
Signatários repletos de polêmicas
A carta enviada a Lula é assinada por membros da Idea (Iniciativa Democrática da Espanha e das Américas). O grupo é composto por 37 ex-líderes mundiais e, entre os que assinaram o documento, estão os ex-presidentes Maurício Macri, da Argentina, Álvaro Uribe e Iván Duque, da Colômbia, e Guillermo Lasso, do Equador.
O documento também é assinado por Mariano Rajoy, ex-primeiro-ministro (chamado de ex-presidente de governo) da Espanha, que governou em meio a um escândalo de corrupção sistêmica em seu partido e que levou à prisão do tesoureiro de seu grupo político.
Outro ex-líder espanhol, José María Aznar, também chancela o documento. Aznar mentiu sobre o atentado terrorista há 20 anos em Madri, acusando o ETA de um ataque reivindicado, no final, pela Al Qaeda. Ele ainda adotou posições negacionistas em temas climáticos.
Na carta, assinada por líderes majoritariamente associados à direita, os ex-presidentes dizem que não há dúvidas de que a reeleição de Nicolás Maduro é ilegítima e dizem que o dirigente venezuelano se mantém no poder por meio da repressão e da “violação generalizada e sistemática dos direitos humanos” da população local.
Lula quer atas e solução conjunta
O governo brasileiro por sua vez tem buscado uma solução conjunta com Colômbia e México, também comandados pela esquerda, para a crise. Enquanto isso, Lula opta por um caminho em cima do muro e diz que aguarda as atas da eleição para definir um caminho.
As atas foram entregues pelo CNE (Conselho Nacional Eleitoral) à Corte Suprema na segunda-feira (5), mas a suspeição continua. Fontes do Itamaraty dizem que o governo brasileiro ainda aguarda informações do material que foi entregue para se manifestar.
Lula deixou o Chile na terça-feira sem falar sobre a crise venezuelana. Como mostrou a Folha de S. Paulo, o presidente teria atendido a um pedido da gestão do presidente chileno, Gabriel Boric, de não abordar o tema em Santiago, para evitar contaminar a visita. Auxiliares de Lula disseram a jornalistas que ele falará sobre o assunto no Brasil.
Brasil vê proclamação de González como erro em estratégia de negociação
O governo Lula interpretou como uma “estratégia negociadora equivocada” a decisão da oposição venezuelana de se declarar como vencedora da eleição, realizada há uma semana. O gesto tem, segundo negociadores, o potencial de ampliar a radicalização das posições entre os diferentes grupos dentro da Venezuela.
Edmundo González emitiu uma carta que, na prática, se proclama como vencedor do pleito e pede o apoio dos militares. Isso ocorre dias depois de Nicolás Maduro ter feito o mesmo.
O gesto desta semana gerou um “desânimo” e “preocupação” por parte de negociadores. Brasil, México e Colômbia tentam abrir canais de diálogo entre oposição e Maduro, na esperança de encontrar uma saída política para a crise. No Palácio do Planalto, as declarações dos últimos dias por parte da liderança da oposição indicavam que existia espaço para uma negociação.
Mas a percepção, neste momento, é que os diferentes interlocutores ainda estão se posicionando para o debate e querem chegar à mesa com uma atitude de força.
No governo brasileiro, não se esconde que o gesto da oposição tem o potencial de dificultar a estratégia do governo Lula. Imediatamente após a proclamação da vitória, as autoridades de Caracas anunciaram a abertura de um inquérito criminal contra os líderes da oposição.
A dificuldade agora é para colocar, numa só mesa, dois lados que se declararam como vitoriosos.
Nesta semana, o governo brasileiro deve voltar a conversar com mexicanos e colombianos, na esperança de estabelecer um mecanismo para iniciar o processo de diálogo. Não está ainda claro como isso ocorreria e nem quem faria parte. Mas o objetivo inicial é o de buscar interlocutores que estejam dispostos a abrir mão de posições extremistas, de ambos os lados.
O Brasil não reconheceu a vitória de Maduro e nem chancelou a declaração de González. O governo também tenta costurar apoios externos ao processo, na esperança de que não se repita o cenário de Juan Guaidó, o presidente autoproclamado e que levou europeus e americanos a reconhece-lo. Meses depois, a UE reverteu sua atitude.
Brasil apostava em González para evitar o radicalismo de Corina Machado
A proclamação da vitória por parte da oposição ainda abala a estratégia do Brasil pela abertura de canais de diálogo.
Os mediadores acreditavam que o processo não deve incluir Maria Corina Machado, uma das figuras-chave das denúncias contra o regime venezuelano nos últimos anos e mobilizadora de milhões de seguidores.
A constatação dos três países é que, neste momento, seria necessário que o processo tenha como interlocutor o ator político que de fato era o concorrente na eleição, no caso Edmundo Gonzalez.
Mas, agora, sua carta pode fechar esses canais e tirar sua capacidade de ser aceito como interlocutor pelo governo Maduro.
Corina Machado foi inabilitada de sua candidatura, no início do ano. A decisão das autoridades venezuelanas causou constrangimento entre os fiadores do pacto fechado em outubro de 2023 e que previa as regras para a eleição, realizada há uma semana. O presidente de Colômbia, Gustavo Petro, qualificou o gesto de “golpe antidemocrático”.
Mas, segundo observadores da ONU, o que chamou a atenção é que governos como o dos EUA e da Europa não abandonaram o plano de seguir adiante com a eleição, mesmo com a decisão arbitrária de Caracas contra a líder da oposição. A recomendação: busquem outro nome.
Também foi considerado como estratégica a pressão de governos como o do Brasil sobre Maduro, o que acabou permitindo que Caracas aceitasse a nomeação de um substituto para Corina Machado, no caso o próprio Edmundo Gonzalez.
Em 2023, Corina Machado tinha vencido a votação que escolheria o nome da pessoa que enfrentaria Maduro nas urnas. Ela somou 92,5% de apoio. Mas sua vitória avassaladora era muito mais uma estratégia que um sentimento de consenso ao redor de seu nome.
Nos bastidores, muitos se mostravam insatisfeitos com suas posturas consideradas como radicais. Em 2018, ela criticou aqueles que buscaram um diálogo com Maduro. No ano seguinte, sinalizou que poderia aceitar uma intervenção armada. “Um regime criminoso apenas pode sair diante da ameaça do uso da força”, disse.
Anos antes, seus encontros com o então presidente americano George W. Bush foram vistos como a comprovação de sua simpatia pelo poder na Casa Branca e reforçava o discurso de Hugo Chávez de que se tratava apenas de um instrumento do imperialismo. Sua família de industriais ainda era usada como um argumento aos chavistas de que se tratava apenas de uma “burguesinha”.
Ao longo dos anos, a radicalização de ambos os lados levou a uma situação de tensão. Chávez chegou a esnobá-la em um debate, alertando não discutia com alguém sem poder. “Uma águia não caça-moscas”, disse o então presidente. Ela, que era deputada, o acusava de “ladrão” e de estar levando a Venezuela ao colapso.
Em 2002, no golpe contra Chávez, Corina Machado ainda esteve presente no palácio presidencial. Naquele momento, ela assinou o que ficou chamado como o “Decreto Carmona”, ato que estabelecia o governo de fato do empresário Pedro Carmona Estanga. Chávez, porém, voltaria ao poder, o que a colocou de uma forma permanente para o chavismo como um alvo de censura, de medidas judiciais e ataques.
Por isso, tanto em Brasília como em Bogotá, negociadores costuraram com Edmundo Gonzalez um entendimento de que, se o diálogo se transformar numa realidade, será ele o canal, e não a opositora.
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