18/05/2024 - Edição 540

Mundo

Mais de 850 crianças palestinas já foram mortas e 25% das habitações destruídas em Gaza

Números não levam em conta as vítimas que ainda estão sob os escombros dos bombardeios israelenses

Publicado em 19/10/2023 9:57 - Jamil Chade (UOL), Yurick Luz (DCM), Bruno Huberman (The Intercept_Brasil) – Edição Semana On

Divulgação Imagem: Ibraheem Abu Mustafa

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

A ONU alerta que corpos de palestinos estão em decomposição em Gaza, enquanto 100 mil unidades residenciais já foram atingidas pelos ataques de Israel. Os dados publicados na manhã desta quinta-feira pelo Escritório Humanitário da ONU revelam a dimensão da crise.

De acordo com o levantamento, mais de 3,4 mil palestinos foram mortos, incluindo 853 crianças. 47 famílias inteiras foram dizimadas e não restou nenhum membro daqueles grupos. Do lado de Israel, são 1,4 mil mortos.

Pelo menos um quarto das residências de Gaza está destruído e hospitais trabalham no escuro.

Eis as principais conclusões da ONU sobre a crise humanitária que vive a região:

O número de mortes na Faixa de Gaza é de 3.478, incluindo pelo menos 853 crianças.

Além disso, estima-se que centenas de pessoas ainda estejam presas sob os escombros, aguardando resgate ou recuperação. A decomposição de corpos sob prédios desmoronados é uma preocupação humanitária e ambiental cada vez maior, com equipes de resgate tendo sérias dificuldades em meio a ataques aéreos contínuos, grave escassez de combustível para operar veículos e equipamentos e com conexão limitada ou inexistente a redes de celular.

Na Cisjordânia, as forças israelenses mataram três palestinos durante protestos após a explosão no hospital Al Ahli, em Gaza. Isso elevou para 64 o número de palestinos mortos pelas forças israelenses ou por colonos desde 7 de outubro, incluindo 18 crianças.

Em Gaza, 12.500 pessoas foram feridas. O número de vítimas fatais em Gaza durante os 12 dias de hostilidades ultrapassou significativamente o número total de vítimas fatais durante a escalada de 2014, que durou mais de 50 dias (2.251 vítimas fatais palestinas).

47 famílias inteiras foram mortas, totalizando cerca de 500 pessoas.

O número de deslocados internos em Gaza é estimado em cerca de um milhão e o cerco total continua.

Falta de água

O consumo médio de água para todas as necessidades (beber, cozinhar e higiene) é atualmente estimado em três litros por dia por pessoa em Gaza. As pessoas consomem cada vez mais água de fontes inseguras, correndo risco de morte e colocando a população em risco de surto de doenças infecciosas.

De acordo com a ONU, a produção de água de fontes municipais está em menos de cinco por cento do nível anterior às hostilidades. As três usinas de dessalinização de água do mar, que antes das hostilidades produziam sete por cento do abastecimento de água de Gaza, não estão funcionando no momento.

As operações de transporte de água foram interrompidas na maioria das áreas devido à falta de combustível, à insegurança e às estradas bloqueadas por escombros.

A água engarrafada está praticamente indisponível, e seu preço a tornou inacessível para a maioria das famílias. Os vendedores particulares, que operam pequenas usinas de dessalinização e purificação de água, em sua maioria movidas a energia solar, tornaram-se os principais fornecedores de água potável.

As pessoas recorreram ao consumo de água extraída de poços agrícolas, aumentando a exposição a pesticidas e outros produtos químicos, colocando a população em risco de morte ou de surto de doenças infecciosas.

A maioria das 65 estações de bombeamento de esgoto não está funcionando, aumentando o risco de inundação de esgoto. Em algumas áreas, isso tudo já se acumula nas ruas, o que representa riscos à saúde e ao meio ambiente. Todas as cinco estações de tratamento de águas residuais em Gaza foram forçadas a fechar devido à falta de energia.

Israel

Os disparos indiscriminados de foguetes dos grupos armados palestinos contra os centros populacionais israelenses continuaram, sem nenhuma nova morte israelense relatada. No total, cerca de 1.400 israelenses e estrangeiros foram mortos em Israel, de acordo com as autoridades israelenses, a grande maioria em 7 de outubro. O número de mortes é três vezes maior do que o número acumulado de israelenses mortos desde que a ONU começou a registrar vítimas em 2005.

Pelo menos 199 pessoas são mantidas em cativeiro em Gaza, incluindo israelenses e estrangeiros.

25% das casas de Gaza atingidas

Em 14 de outubro, o Ministério de Obras Públicas de Gaza informou a destruição de 8.840 unidades habitacionais e a inabilitação de 5.434 unidades habitacionais, resultando no deslocamento de cerca de 25.000 famílias.

Outras 83.750 unidades habitacionais sofreram danos menores ou moderados.

O número total de unidades habitacionais destruídas ou danificadas – 98.024- representa cerca de 25% de todas as unidades habitacionais e residenciais na Faixa de Gaza. Esse número pode ser muito maior, pois grandes áreas que foram severamente atingidas, como Beit Hanoun e Ash Shuja’iyeh, na cidade de Gaza, permanecem inacessíveis e os edifícios que foram destruídos não estão incluídos na conta.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) documentou 59 ataques a serviços de saúde, incluindo o Hospital Al Ahli, resultando em 491 mortes e 370 feridos, incluindo 16 mortes entre profissionais de saúde e 28 feridos entre profissionais de saúde em serviço.

Quatro dos hospitais, todos no norte de Gaza (Beit Hanoun, Hamad Rehabilitation, Al Karama e Ad Dura) tiveram que ser evacuados e não estão mais funcionando.

170 instalações educacionais foram atingidas, incluindo pelo menos 20 escolas da UNRWA, duas das quais foram usadas como abrigos de emergência para deslocados internos.

Um prédio de universidade e sete igrejas foram danificados, e pelo menos onze mesquitas foram destruídas.

As instalações de água e saneamento também foram severamente danificadas, ameaçando o abastecimento de 1,1 milhão de pessoas.

Apagão

Segundo a ONU, pelo oitavo dia consecutivo, Gaza está sob um apagão total de eletricidade, depois que Israel interrompeu o fornecimento de eletricidade e combustível, o que, por sua vez, provocou o desligamento da única usina de energia de Gaza.

De acordo com funcionários da usina de energia de Gaza, as autoridades israelenses alertaram que a usina seria alvo se tentasse retomar as operações. O Ministro da Defesa de Israel indicou que a eletricidade, o combustível e o abastecimento total de água para Gaza não seriam restaurados até que os reféns israelenses fossem libertados.

Hospitais trabalhando no escuro

Os hospitais estão à beira do colapso. A maioria deles está operando em sua capacidade mínima. As medidas adotadas para manter as salas de emergência operacionais incluem a suspensão de determinadas cirurgias, o trabalho no escuro e a limitação do uso de elevadores. Procedimentos vitais, como esterilização e diálise, poderão ser interrompidos em breve.

A maioria dos feridos na explosão do hospital Al Ahli foi evacuada para o Hospital Shifa, o maior hospital de Gaza, localizado na cidade de Gaza. O grande número de feridos que chegou ao hospital forçou os médicos a tentarem realizar cirurgias no chão e nos corredores, a maioria sem anestesia.

Antes do incidente, o Shifa já estava operando muito além de sua capacidade, tratando cerca de um quarto de todos os pacientes de Gaza.

O Ministério da Saúde de Gaza pede que às pessoas que têm combustível para consumo doméstico que o doem aos hospitais.

As taxas de mortalidade em Gaza, excluindo as baixas no contexto das hostilidades, têm aumentado devido ao acesso extremamente limitado aos serviços essenciais de saúde.

A ONU aponta que é “particularmente preocupante” a situação de cerca de 20.000 pessoas com doenças mentais, já que o acesso dessas pessoas a serviços de saúde mental e medicamentos foi interrompido.

Estima-se que 50.000 mulheres grávidas enfrentam desafios extremos para ter acesso a cuidados pré-natais e de maternidade devido aos riscos relacionados à movimentação, à paralisação das instalações de saúde e à escassez de suprimentos que salvam vidas.

Padarias fechadas

Durante a noite de 18 de outubro, uma das seis padarias contratadas pelo ONU que fornecia pão para cerca de 12.000 pessoas, foi atingida. A padaria ficava em Deir Al Balah e não está mais funcionando. Quatro outras padarias na Faixa de Gaza talvez não consigam fornecer pão até amanhã devido à falta de combustível para o maquinário.

As padarias não estão conseguindo operar devido à escassez de ingredientes essenciais, principalmente farinha de trigo, que deve se esgotar em menos de uma semana. Apenas um dos cinco moinhos de Gaza está funcionando.

O apagão, os ataques e falta de água ainda ameaçam os pequenos produtores agrícolas, que alertam que estão perdendo sua colheita e interrompendo a alimentação para criação de aves, gado e peixes. O resultado pode ser o colapso do sistema de produção de alimentos em Gaza.

Brasil tenta aprovar na ONU nova resolução para libertar reféns e ajudar civis em Gaza

O Brasil busca ativamente uma nova resolução no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), como informado por fontes do Itamaraty. A diplomacia brasileira mantém abertas as negociações com outros membros do conselho, não considerando encerrado o processo.

Em 18 de outubro, o Conselho de Segurança da ONU rejeitou uma proposta brasileira relacionada ao conflito entre o grupo terrorista Hamas e Israel, devido ao veto dos Estados Unidos. A proposta do Brasil obteve 12 votos favoráveis, com Rússia e Reino Unido se abstendo.

De acordo com relatos, a posição dos EUA surpreendeu não apenas o Brasil, mas também outros países que fazem parte do conselho. As informações são do Blog da Ana Flor, do G1.

Embora tenha enfrentado o esperado veto dos EUA, a votação destacou a habilidade do Brasil em garantir apoio significativo em um tema tão delicado. Diplomatas brasileiros se surpreenderam ao conquistar o apoio de membros permanentes do Conselho de Segurança como a França e a China, além de todos os membros não permanentes.

Para dar continuidade às negociações, o Ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, viajou para Nova York na noite do mesmo dia. Ele planeja participar de uma cúpula internacional no Egito em 20 de outubro para debater a crise envolvendo o Hamas e Israel.

Diplomatas em Nova York enfatizam a importância de persistir na tentativa de aprovar uma resolução semelhante à proposta pelo Brasil, com foco na ajuda aos palestinos na Faixa de Gaza e na libertação de reféns mantidos pelo Hamas.

Até o momento, o número de mortos em decorrência da guerra entre Israel e o Hamas chegou a 4.942. São 3.542 palestinos da Faixa de Gaza e Cisjordânia e 1.400 israelenses, segundo o Ministério da Saúde da Palestina e o Al Jazeera.

Os feridos somam mais de 17.775: 12.000 na Faixa de Gaza, 1.300 na Cisjordânia e 4.475 em Israel.

Estes são os maiores massacres de Israel contra a Palestina

O contexto importa para entender o que se passa na Palestina, mais particularmente em Gaza, desde 7 de outubro. A ofensiva militar liderada pelo Hamas não surgiu como um raio no céu azul. Os guerrilheiros palestinos que improvisaram drones e outras formas de superar o bloqueio terrestre, aéreo e marítimo imposto sobre a Faixa de Gaza desde 2005 são o estouro da panela de pressão.

Importante destacar: a violência que gera mortes de civis, como na ofensiva do Hamas, não deve ser justificada sob nenhum ponto. O objetivo aqui é compreender a razão que faz os palestinos recorrerem à violência para lutar por libertação nacional. E a razão principal é a violência colonial sionista-israelense.

Este é o ataque palestino mais letal desde o início da colonização sionista-israelense da Palestina no final do século 19. Foi a primeira vez, desde 1948 (quando o estado de Israel foi criado por meio de um processo de limpeza étnica), que palestinos retomaram território expropriado pelos israelenses.

Descolonização, como muitos palestinos têm lembrado desde sábado, não é uma metáfora, não é um discurso, não é uma teoria acadêmica, mas um ato material de retomada de terra, libertação e autodeterminação. A questão é que, aos povos colonizados, como os palestinos, muitas vezes não resta outra alternativa a não ser a violência. Frantz Fanon, intelectual martinicano ativo na libertação anticolonial da Argélia contra a França nos lembra: o colonizador cede apenas com a faca no pescoço.

As descolonizações, ao longo da história, sempre envolveram, em maior ou menor grau, formas de violência por parte dos povos colonizados. Isso porque o colonialismo é a representação da violência pura. E a única linguagem que ele compreende, segundo o mesmo Fanon, é a violência. O intelectual martinicano acrescenta: a violência ainda é essencial para a humanização do colonizado. Para a sua transformação em novos homens e mulheres que deixem de ser objetificados e animalizados pelo colonizador.

Algo muito similar é dito pelo intelectual C.R.L. James sobre a libertação dos haitianos contra os mesmos franceses e por Rosemary Saiygh. Ela mostra como os refugiados palestinos que viviam sob opressão do Líbano em campos de refugiados se sentiram humanizados quando guerrilheiros palestinos pegaram em armas e assumiram o controle dos campos para lutar por sua libertação e retorno à Palestina.

O resultado do levante dos palestinos no Líbano foi o massacre de Shabra e Shatila, em 1982. A milícia libanesa formada por cristãos maronitas de direita, a Kataib, aliada de Israel na Guerra Civil do Líbano, assassinou entre 800 e 3,5 mil palestinos, incluindo idosos e crianças. O ataque contou com apoio das tropas israelenses que ocupavam Beirute sob a anuência do então ministro da Defesa de Israel, Ariel Sharon.

Esse foi o mais famoso de uma série de massacres que os israelenses provocaram contra os palestinos. Essa é a realidade da Palestina desde a Nakba, que é o termo em árabe para catástrofe, que os palestinos utilizam para designar a tragédia que o seu povo sofreu no processo de criação de Israel e da Guerra Árabe-Israelense de 1948-1989. Isso porque, além da expulsão em massa e da criação da diáspora palestina (são aproximadamente 7 milhões de refugiados espalhados pelo mundo), aconteceram diversos massacres contra a população nativa.

O maior deles ocorreu no vilarejo de Dawayima, perto de Hebron, quando 145 palestinos foram executados por militares israelenses, em 29 de outubro de 1948. Mas o massacre mais famoso aconteceu no vilarejo de Deir Yassin, próximo a Jerusalém. Na ocasião, integrantes das milícias sionistas de direita Gang Stern e Irgun mataram 110 palestinos – incluindo 30 crianças – depois que a liderança palestina do vilarejo fez um acordo de não agressão com a principal milícia sionista, a Haganah.

O ataque provocou pânico nos palestinos dos vilarejos do entorno e causou a fuga de milhares durante as operações israelenses de conquista de Jerusalém. Os massacres contribuíram decisivamente para o que o historiador israelense Ilan Pappe chamou de processo de “limpeza étnica” na Palestina.

Massacres de Israel contra palestinos se acumulam

Listo aqui os massacres cometidos por Israel contra os palestinos antes do conflito iniciado este mês. O compilado foi feito pelo historiador Nur Masalha em seu livro “The Palestine Nakba: Decolonising History, Narrating the Subaltern, Reclaiming Memory” [“A Nakba palestina: descolonizando a história, narrando o subalterno e reivindicando a memória”] e atualizado por mim:

Qibya, em outubro de 1953: tropas israelenses da Unidade 101 atacaram o vilarejo de Qibya, na Cisjordânia, matando 69 palestinos. Muitos se escondiam em suas casas quando bombas explodiram as residências. Foram destruídas 45 casas, uma escola e uma mesquita.]

Kafr Qasim, em outubro de 1956: a polícia de fronteira israelense massacrou 48 cidadãos palestinos de Israel, incluindo seis mulheres e 23 crianças.

Vilarejos na Galileia, em março de 1976: seis cidadãos palestinos de Israel foram mortos, 100 foram feridos e outros 100 foram presos em protestos contra a expropriação de terras na Galileia pelo estado de Israel.

Hebron, em fevereiro de 1994: foram massacrados 29 muçulmanos dentro de uma mesquita em Hebron pelo colono fundamentalista judeu Baruch Goldstein.

Campo de refugiados de Jenin, em abril de 2002: o Exército de Israel atacou o campo usando bulldozers, tanques e helicópteros. Estima-se que morreram centenas de homens, mulheres e crianças, embora não se saiba o número exato,pois muitos foram enterrados sob os escombros.

Intifadas em 1987, 1993, 2000 e 2002: milhares foram mortos e feridos pelo Exército de Israel.

Gaza, em dezembro de 2008: 1.417 palestinos foram mortos, sendo mais de 900 deles civis.

Gaza, em novembro de 2012: 174 palestinos foram mortos e centenas ficaram feridos em uma ação israelense para assassinar o dirigente militar do Hamas, Ahmad Jabari.

Gaza, em julho e agosto de 2014: o sequestro de três jovens israelenses pelo Hamas resultou em uma guerra de sete semanas em que 2,1 mil palestinos e 73 israelenses foram mortos, incluindo seis civis de Israel.

Gaza, em março de 2018: milhares de palestinos protestaram próximos à cerca em torno de Gaza na Marcha do Retorno. As tropas israelenses abriram fogo e mataram 170 palestinos ao longo de vários meses de protesto, resultando em um novo confronto entre Hamas e Israel.

Gaza, em maio de 2021: depois de meses de tensão durante o Ramadan, centenas de palestinos foram feridos em um dia de reza na mesquita de Al-Aqsa em Jerusalém. O Hamas demandou a desocupação israelense. Em um confronto que durou 11 dias, 260 palestinos e 11 israelenses foram assassinados em Gaza.

O resultado de décadas de colonialismo israelense é a formação de um apartheid em todo o território da Palestina. Dentro de Israel, existem os palestinos que sobreviveram à Nakba e que compõe cerca de 20% da população israelense como cidadãos de terceira classe. Eles são uma minoria marginalizada, mas com direitos civis.

Nos territórios palestinos ocupados da Cisjordânia e da Faixa de Gaza desde 1967, Israel é soberano e não oferece direito algum aos palestinos. A Autoridade Nacional Palestina, estabelecida nos Acordos de Oslo, tem o poder de uma prefeitura: assegura serviços como educação, saúde, transporte, etc. Mas o poder de controlar fronteiras, finanças, comércio, entre outros, pertence exclusivamente ao estado de Israel, o que limita severamente a autodeterminação palestina.

Anos de cooperação de segurança e reza à cartilha neoliberal de desenvolvimento pela ANP não resultaram na criação de um estado da Palestina. A moderação do grupo dirigente da ANP, o Fatah, e a negociação diplomática trouxe apenas mais colonização para os palestinos. Essa é a razão de o Hamas ainda optar pela resistência violenta, como fizeram diferentes grupos guerrilheiros palestinos durante a Guerra Fria.

Em Gaza, é onde os palestinos têm a vida mais restrita. Onde ninguém entra nem sai. Onde Israel controla a entrada de alimentos calculando a quantidade de calorias mínimas para sobrevivência dos 2 milhões de palestinos. Onde bombas caem do céu e destroem prédios inteiros. Onde a ONU considera a vida “invivível”. Uma distopia na realidade. É nesse ambiente que a radicalidade do Hamas ferve e explode.

O que acontece agora em Gaza é uma continuação do que ocorre desde 1948. É por isso que os palestinos dizem viver uma “Nakba contínua” , isto é, uma catástrofe diária. Os massacres se repetem, as expulsões se repetem, as demolições de casas e vilarejos se repetem. A negação da autodeterminação palestina por meio da ocupação militar na Cisjordânia e na Faixa de Gaza criou uma panela de pressão de insatisfação e ressentimento entre os palestinos. No sábado, ela estourou.

Repito: a violência do Hamas é fruto do colonialismo israelense, que segue a lógica dos colonialismos por povoamento, segundo o teórico australiano Patrick Wolfe. Enquanto houver terra indígena, os colonos buscarão expropriá-la. Enquanto houver resistência indígena, os colonos buscarão silenciá-la. A ofensiva dos ruralistas brasileiros sobre as terras indígenas na proposta do Marco Temporal revela como essa lógica vai do Brasil a Israel, passando também por países como EUA, Canadá, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia. A eventual reação violenta de indígenas contra o roubo de terras por grileiros operaria na mesma racionalidade observada em Gaza.

Importante ressaltar que os palestinos têm encontrado diferentes formas de resistir ao longo da história além do levante armado. Manifestações em massa, boicotes e auto-organização são algumas das formas utilizadas para lutar por sua libertação nacional. E, embora a luta armada possa ser importante para fazer os palestinos serem ouvidos globalmente e interromper a normalização da sua ausência de liberdade, ela nunca trouxe vitórias significativas para a conquista do seu estado. O aumento da opressão após a Segunda Intifada e o fim das negociações diplomáticas entre Israel e palestinos demonstram o fracasso da luta armada.

Será somente com o combate à ordem internacional liderada pelos EUA, que permite que esse regime de apartheid colonial se mantenha de pé, que virá a libertação da Palestina. Essa é a importância de trazer à tona a lógica colonial que estrutura a violência opressora contra os povos indígenas na Palestina e em diferentes localidades do mundo, para construir novas alianças internacionais de solidariedade capazes de mover a descolonização.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *