08/10/2024 - Edição 550

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Governo Lula acusa Ortega de promover ‘campanha sistemática de repressão’

ONU sai em defesa de posição do Brasil e diz que embaixada argentina na Venezuela é 'inviolável'

Publicado em 10/09/2024 11:20 - Jamil Chade (UOL) – Edição Semana On

Divulgação Reprodução

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O Itamaraty, numa mudança de posicionamento da diplomacia brasileira, se aliou a outros governos latino-americanos para denunciar o regime de Daniel Ortega por colocar em operação uma “campanha sistemática de repressão” na Nicarágua.

Nessa terça-feira, uma declaração conjunta foi realizada no Conselho de Direitos Humanos da ONU e reuniu Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Paraguai e Peru. A iniciativa ocorreu após as Nações Unidas apresentarem um informe denunciando o aumento da repressão na Nicarágua.

Os governos europeus adotaram um tom similar ao dos latino-americanos, enquanto os Estados Unidos alertaram sobre a necessidade de os responsáveis pelas violações não fiquem impunes.

Desde o início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o Itamaraty evitou se unir às declarações do grupo latino-americano, optando por um discurso mais diplomático. A ideia era de manter um canal de diálogo com Ortega, mesmo que a chancelaria tenha indicado a preocupação com a situação no país centro-americano.

Em resposta, o governo de Ortega rejeitou as acusações e atacou a ONU. Para a procuradora-geral do país, Wendy Carolina Morales Urbina, o informe “é um instrumento do imperialismo” e uma forma de “intervenção”.

Maduro e Putin ao lado de Ortega

Durante o debate, a ditadura de Nicolás Maduro, na Venezuela, saiu em apoio a Ortega e argumentou que o informe “impede o diálogo e cooperação”. Para Caracas, trata-se de um “panfleto de propaganda” que quer “desestabilizar o país”.

Regimes autoritários do Irã, Síria, China, Belarus, Laos, Zimbábue, Cuba e Sri Lanka usaram o encontro para defender Ortega e denunciar a “intervenção” em assuntos internos.

Já o governo russo de Vladimir Putin acusou o evento de tentar “demonizar” o regime sandinista.

Ataques de Ortega a Lula

Nas últimas semanas, o nicaraguense expulsou o embaixador do Brasil de Manágua, fechou uma câmara de comércio do país e ainda usou discursos públicos para atacar diretamente Lula.

A ruptura levou o Brasil, agora, aderiu à ofensiva latino-americana. “Acompanhamos com preocupação os sucessivos relatórios do Escritório do Alto Comissariado da ONU que documentam que, desde 2018, a situação dos direitos humanos na Nicarágua tem se deteriorado progressivamente”, afirmaram os governos, num discurso lido pelo embaixador de Javier Milei.

Entre as denúncias, o grupo heterogêneo de países acusa Ortega de:

Violações sistemáticas das garantias básicas do devido processo legal;

– Detenções arbitrárias de defensores dos direitos humanos, opositores políticos, jornalistas e pessoas ligadas à Igreja Católica e a outros grupos religiosos, inclusive evangélicos;

– Condições desumanas nas prisões;

– Cancelamento da personalidade jurídica de mais de 3. 200 organizações da sociedade civil em menos de um ano;

– Fechamento da mídia;

– Aprofundamento do controle sobre o judiciário e seu uso para implementar uma campanha sistêmica de repressão.

Além disso, os governos denunciaram a “deportação de presos políticos, a revogação de sua cidadania e o confisco de seus bens foram estendidos a outros dissidentes, em violação de seus direitos fundamentais e do direito internacional”.

Os países pediram que a Nicarágua “liberte todas as pessoas detidas arbitrariamente; que permita a comunicação e as visitas de advogados e familiares a todos os detidos, e que restaure os direitos das pessoas privadas de sua nacionalidade”. Eles também fizeram um apelo para que Ortega permita que as equipe da ONU entrem no país,

ONU diz que repressão aumentou

A intervenção do Brasil ocorreu depois que a ONU apresentou um informe no qual denunciava uma “regressão geral da situação dos direitos humanos na Nicarágua”. “No último ano, a perseguição aos oponentes e àqueles que são vistos como vozes dissidentes contra o governo se intensificou”, alertou Cristian Salazar, representante do órgão.

Segundo ele, o espaço cívico continua a se desgastar em um contexto de repressão sistemática das liberdades públicas e alertou que as novas leis podem intensificar ainda mais a perseguição e a repressão aos nicaraguenses, especialmente os exilados, e aos estrangeiros.

A ONU estima que, em julho deste ano, 141 pessoas, 116 homens e 25 mulheres, ainda eram vítimas de detenções arbitrárias.

“A natureza arbitrária da privação de liberdade, bem como a crueldade dos maus-tratos e da tortura, continuam a ser motivo de grande preocupação. O assédio se estendeu a seus parentes, que são proibidos de falar sobre os casos, sob ameaça de perder o direito de visita ou de prender outros membros da família”, denunciou.

Salazar revelou que a ONU documentou pelo menos dois desaparecimentos forçados e 12 casos de tortura em 2023. “Além disso, documentamos um grande número de casos de pessoas condenadas após julgamentos injustos, sem garantias do devido processo legal e com base em acusações forjadas que violam os princípios da legalidade e da segurança jurídica. Em julho, onze jornalistas foram forçados a deixar o país por medo de represálias por realizarem seu trabalho de reportagem e por se expressarem livremente”, disse.

Entre junho de 2023 e junho deste ano, pelo menos 62 nicaraguenses foram impedidos de retornar ao seu país pelas autoridades nicaraguenses. “Esse banimento forçado tem um impacto devastador, pois os deixa em uma situação de apatridia de fato, longe de suas famílias e sem proteção de seus direitos, aprofundando sua vulnerabilidade”, disse.

A ONU ainda denunciou o fechamento de dezenas de entidades em 2023. Mas o número aumentou drasticamente em agosto de 2024 com o cancelamento de 1.500 organizações em uma única decisão, incluindo mais de 700 entidades religiosas. “Isso eleva o número total de organizações dissolvidas desde 2018 para mais de 5 mil”, afirmou.

Ataques contra religiosos

Outra denúncia se refere ao fechamento de pelo menos 1.103 entidades religiosas desde 2018. Essa perseguição também se manifestou em prisões arbitrárias de religiosos, processos judiciais sem garantias, sequestros de padres de suas paróquias, expulsões do país e confisco de bens.

Entre junho de 2023 e agosto de 2024, pelo menos 42 padres e seminaristas católicos foram expulsos para a Santa Sé após serem arbitrariamente presos. Isso inclui 10 padres presos em agosto, 9 dos quais foram expulsos para a Santa Sé e um para o México.

“Esse ataque sistemático às organizações religiosas corroeu profundamente o direito à liberdade de consciência e religião, deixando a sociedade nicaraguense cada vez mais desprotegida e silenciada”, alertou Salazar.

ONU sai em defesa de posição do Brasil e diz que embaixada é ‘inviolável’

O secretário-geral da ONU, António Guterres, saiu em defesa do Brasil na crise diplomática com a Venezuela e alertou que embaixadas não podem ser violadas ou ameaçadas. No final de semana, a embaixada da Argentina em Caracas foi cercada e teve sua energia cortada. O cerco foi reduzido no domingo, mas o controle sobre as vias de acesso continuou.

O governo de Nicolás Maduro revogou a custódia brasileira sobre a embaixada, alegando que o local estava sendo usado para tramar um suposto assassinato contra o presidente. Mas o Itamaraty rejeitou deixar o local e disse que o gesto unilateral por parte de Caracas não era suficiente para desfazer sua responsabilidade sobre o prédio, acervo e pessoas que estavam dentro da embaixada.

“O princípio da inviolabilidade precisa ser restabelecido”, disse o porta-voz de Guterres, Stéphane Dujarric. Questionado pelo UOL, ele insistiu que precisa ser respeitado “todo o tempo, em todos os casos, em todos os lugares do mundo, de acordo com tratados assinados entre países”.

Essa é a tese que o governo Lula sustenta, diante do que passou a ser uma guerra de interpretações sobre o que diz o direito internacional sobre o controle sobre uma embaixada.

O que ocorreu

Logo depois da eleição de 28 de julho, Maduro expulsou os diplomatas argentinos de Caracas. O gesto ocorreu por causa da reação do governo de Javier Milei de não reconhecer a suposta vitória do presidente e insistir que o pleito havia sido fraudado.

Dentro da embaixada, estavam seis integrantes da oposição venezuelana, foragidos da Justiça. Na prática, a expulsão dos diplomatas significava que o governo Maduro poderia romper a inviolabilidade da embaixada e capturar os opositores.

Para evitar uma crise ainda mais grave, o governo brasileiro fechou um acordo no qual passou a assumir os interesses da Argentina em Caracas, inclusive da estrutura da embaixada.

Ficou estabelecido que, a partir daquele momento, aquela era também uma área brasileira, que continuava fora do alcance das forças de ordem de Maduro. Até mesmo uma bandeira brasileira chegou a ser colocada no local. Maduro, assim como fez com os acordos com o Brasil no que se refere à lisura da eleição, também violou mais esse entendimento, abrindo uma crise sem precedentes.

Além de revogar a custódia brasileira da embaixada, o governo Maduro ordenou na sexta-feira um cerco contra o local, elevando a tensão entre os países.

Brasil admite que terá de repassar embaixada

O governo brasileiro considera como irreversível a decisão da Venezuela de revogar a autorização para que o Itamaraty assuma a embaixada da Argentina. A estratégia, a partir de agora, é ganhar tempo até que um novo entendimento seja estabelecido e que um novo governo assuma o local.

Fontes diplomáticas de alto escalão consideram que é inevitável que um novo país seja escolhido para assumir essa função. Isso, porém, vai depender de um acordo entre Argentina, Venezuela e o eventual governo que terá a custódia do prédio.

Se muitas das embaixadas latino-americanas foram expulsas por Maduro, a Europa tem cerca de sete escritórios diplomáticos em Caracas. Um deles, o da Holanda, serviu de refúgio para o candidato da oposição, Edmundo González.

A preocupação do Brasil é que um vácuo legal seja criado, abrindo a possibilidade para que os seis opositores ao governo venezuelano que estão na embaixada possam ser alvos de uma ordem de prisão por parte do regime de Maduro.

Por isso, a esperança é que o governo brasileiro consiga convencer Maduro de que a revogação unilateral não tem efeito e que o prédio, seu acervo e as pessoas dentro continuam a se beneficiar da inviolabilidade da embaixada. Por ordens expressas, a bandeira brasileira continua hasteada.


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