08/10/2024 - Edição 550

Mundo

Governo decide expulsar embaixadora da Nicarágua em retaliação a Ortega

A decisão tomada hoje marca uma ruptura sem precedentes entre movimentos de esquerda latino-americanos

Publicado em 08/08/2024 2:13 - Jamil Chade (UOL) - Edição Semana On

Divulgação

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O governo Lula decidiu expulsar a embaixadora da Nicarágua, Fulvia Castro, em Brasília, depois que o ditador Daniel Ortega decidiu pedir a saída do diplomata brasileiro Breno de Souza da Costa em seu país.

Nesta manhã, o chanceler Mauro Vieira conversou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para definir a resposta do país. A praxe diplomática estipula medidas a serem tomadas pelo governo afetado, o que levou à ordem para que a embaixadora nicaraguense no Brasil deixe Brasília.

Duas fontes do governo indicaram que a expulsão de Breno de Souza Costa da Nicarágua estaria sendo efetivada nesta quinta-feira. Por reciprocidade, a representante da ditadura de Ortega terá de sair do Brasil.

Fulvia Castro havia chegado ao Brasil no final de maio, depois que Ortega decidiu fazer uma mudança profunda nas representações do país no exterior. Mas ela sequer havia sido apresentada ao presidente Lula.

A decisão tomada hoje marca uma ruptura sem precedentes entre movimentos de esquerda latino-americanos.

Medida foi para desmontar papel de Lula

O UOL ouviu de altas fontes diplomáticas que a decisão da ditadura de Daniel Ortega de expulsar o embaixador do Brasil na Nicarágua faz parte de uma operação por parte dos sandinistas para impedir que o governo Lula tenha um papel para forçar o diálogo entre o regime e a oposição.

Oficialmente, o caso está sendo apresentado por um desentendimento entre Lula e Ortega por conta da pressão feita pelo Itamaraty em relação à prisão do bispo católico Rolando José Álvarez, que estava detido no país centro-americano.

Mas fontes na Nicarágua confirmaram que o tema vai muito além e que não foi apenas por conta do religioso que os sandinistas decidiram congelar a relação com o Brasil. A crise foi aberta pelos próprios nicaraguenses, segundo pessoas próximas ao processo político no país.

Existe um esforço internacional para que o Brasil atue como uma espécie de mediador e que permita que um processo de redemocratização possa ocorrer no país centro-americano. Para Ortega, porém, isso seria uma ameaça e seu esforço passou a ser por deslegitimar o papel do Brasil na região.

Atenção à crise na Venezuela

Os aliados de Ortega acompanham ainda com atenção a postura de Lula no caso de Nicolás Maduro e a recusa de Brasília de reconhecer a vitória dos chavistas, após as eleições contestadas de duas semanas atrás.

O temor é de que, mantendo a presença brasileira em 2025, o Itamaraty chegue em 2026 nas eleições na Nicarágua com a mesma capacidade de ser um fiador do processo. Mas sem que haja garantias por parte de Ortega de que Lula vai pender para seu lado.

Fim de diálogo

A expulsão da embaixadora representa o fim de um esforço do governo pelo diálogo. Ortega chegou a viajar ao Brasil em janeiro do ano passado. Em março de 2023, por exemplo, o governo Lula não se somou a um grupo de países latino-americanos que denunciou o regime de Ortega numa reunião da ONU. O bloco formado por governos de esquerda como Chile e Colômbia — além de Peru, Paraguai e Equador — criticou as autoridades da Nicarágua por violações de direitos humanos.

Até então, o Brasil fazia parte do grupo latino-americano que era o responsável por propor resoluções no Conselho de Direitos Humanos sobre o país centro-americano e autor do projeto que criou a investigação sobre Ortega. Mas, naquele momento, a delegação do Chile tomou a palavra para ler a acusação contra as autoridades nicaraguenses e deixou claro que o Brasil não fez parte.

Dias antes, uma outra declaração lida em nome de mais de 50 países denunciando Ortega tampouco tinha recebido o apoio brasileiro.
Em meados do ano passado, mais de 50 dissidentes nicaraguenses protestaram contra o posicionamento do governo Lula na OEA (Organização dos Estados Americanos). O centro do debate era uma resolução que condenava o regime centro-americano. Mas uma proposta brasileira de modificação do texto foi interpretada como uma tentativa do Itamaraty de suavizar as críticas contra Ortega.

O governo brasileiro negou que quisesse enfraquecer a resolução e insistia que apenas buscava que canais de diálogo fossem mantidos. No lugar de um documento para isolar o regime ainda mais, o Brasil alertava que o caminho era o de fortalecer a democracia. O Itamaraty também aponta que apenas iria chancelar denúncias e fatos que estivessem comprovados.

Mesmo assim, o grupo de dissidentes nicaraguenses se uniu para protestar. Numa carta aberta, dezenas deles denunciaram o que seria uma “manobra” do governo Lula. No segundo semestre de 2023, o Itamaraty promoveu um mudança no seu tom e se aliou a uma iniciativa de países que questionam as violações de direitos humanos, cometidas pelo regime de Ortega.

Na ONU, a decisão do Itamaraty foi a de se unir ao grupo formado por Canadá, Costa Rica, Colômbia, Equador, Paraguai e Peru, além do Chile. O bloco solicitava que Ortega libertasse dissidentes e que aceitasse a equipe de inspetores da Comissão de Inquérito, criada na ONU, para investigar os crimes cometidos pelo regime.


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