07/10/2024 - Edição 550

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Golpismo na Bolívia pede para Brasil não esquecer seus próprios militares golpistas

No país vizinho, sociedade colocou inimigos da democracia para correr

Publicado em 27/06/2024 9:32 - Leonardo Sakamoto (UOL), Rafael Cardoso e Bruno Bocchini (Agência Brasil), DW – Edição Semana On

Divulgação Reprodução

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A tentativa fracassada de golpe ou quartelada na Bolívia por militares incapazes de viver sob as balizas de um governo civil democraticamente eleito lembra que nossa América Latina segue terreno fértil para insurreições de bandidos que querem se esconder atrás de fardas verde-oliva. E mostra que o discurso usado por eles não encontra fronteiras, vale para La Paz ou para Brasília.

Comandados pelo general Juan José Zúñiga, que havia sido destituído de seu cargo ontem, militares tomaram a região do palácio presidencial e chegaram a invadir o prédio nesta quarta (26). Brandem um discurso bizarro de tutela das instituições. Imagens de tropas e blindados circulam nas redes. O presidente Luis Arce ordenou que as tropas se desmobilizem. O ex-presidente Evo Morales falou de um golpe de estado em gestação e convocou uma “mobilização nacional pela democracia”.

Por mais que eles voltem às casernas, não dá para dizer que isso deu em nada. O que houve foi um espancamento da Constituição boliviana por quem deveria proteger a pátria.

Zúñiga foi removido do cargo por Arce após se meter na política nacional com ameaças contra Evo. Como qualquer golpista chinfrim, ele usou a justificativa de defesa da democracia para atacá-la: “não permitirei que pisoteie a Constituição, que desobedeça ao mandato do povo”.

“Parem de destruir o país, parem de empobrecer o país, parem de humilhar o Exército”, afirmou. E dizendo que “as Forças Armadas são o braço armado do povo, o braço armado da pátria”, coloca-se ele próprio como guardião dos interesses do povo – que, em sua visão, se confundem com os dele próprio.

O general golpista prometeu libertar a ex-presidente Jeanine Añez, condenada por organizar um golpe de estado em 2019, entre outros golpistas condenados na justiça, que os militares agora chamam de “presos políticos”. Ele foi preso, na noite desta quarta, por ordem da Procuradoria-Geral da Bolívia.

As ameaças são semelhantes àquelas vociferadas durante anos por um certo ex-capitão indisciplinado que se tornou presidente, fomentando a suspeita sobre as instituições, colocando-se como mediador da vontade popular e como líder incondicional das Forças Armadas. Não à toa, ele usava sempre o exemplo de Añez para exemplificar o que poderia acontecer com ele e seu grupo.

O plano golpista de Bolsonaro contou com generais como Braga Netto, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira, Estevam Theophilo, com o almirante Garnier, e um rosário de oficiais. Tratar esses oficiais do alto escalão militar como um grupelho assanhado é jogar a realidade para baixo do tapete. O golpismo é entranhado nas Forças Armadas porque nunca foi devidamente dissuadido.

A despeito de militares que tenham resistido aos ímpetos golpistas dos colegas, seja por amor à democracia ou por medo das consequências, há uma dúvida que deveria afligir mais a jovem república brasileira: se a oportunidade que estivesse diante da cúpula das Forças Armadas não fosse a conspiração tosca de Jair, mas algo mais bem costurado, com apoio internacional (imagine se Donald Trump tivesse sido reeleito) e respaldo de setores importantes aqui dentro, ela entraria de cabeça no golpe?

Bolsonaro atacou as urnas eletrônicas com a ajuda dos militares ao longo de anos. E, em novembro de 2022, os comandantes das três forças soltaram uma nota com uma falácia absurda, apontando que o fato de não terem encontrado problemas nas urnas não significava que eles não existiam.

O acampamento golpista em frente ao QG do Exército também serviu de cabeça-de-ponte para o ataque à sede da Polícia Federal e a queima de carros e ônibus no dia 12 de dezembro e o planejamento da bomba colocada em um caminhão de combustível a fim de explodir o aeroporto de Brasília na véspera de Natal, além do próprio 8 de janeiro.

Para além da tramoia que levou ao 8 de janeiro, fardados continuaram agindo mesmo após a intentona. O Exército impediu a entrada da Polícia Militar no acampamento golpista em frente ao seu quartel-general, em Brasília, naquela noite. Imagens de dois blindados deslocados para mostrar que o comando falava sério chocaram muita gente que apostava que a ditadura militar havia terminado em 1985. Com isso, muitos bolsonaristas tiveram tempo de fugir.

Como explicar que a nossa força terrestre foi guarda-costas de golpistas? A quem a sua “mão amiga” e o seu “braço forte” estavam protegendo?

Este seria o momento de promover mudanças legislativas no Brasil para garantir que militares fardados fiquem na caserna, deixando a política para civis, como tramita no Congresso Nacional. Mas não só: o ideal seria revisar a legislação para impedir a distorção da Constituição por extremistas que acreditam na mentira do tal poder moderador.

E punir com anos de cadeia os militares que conspiraram contra a democracia. Perdemos a chance quanto a 1964, que o erro não se repita sobre 2022 e 2023.

Apesar de ter uma democracia mais frágil que a nossa, o golpismo na Bolívia lembra que o naco criminoso dos militares segue à espreita. Esperando uma chance.

Especialistas explicam crise no país

Tanques e soldados do Exército invadem a entrada do palácio presidencial em La Paz, na Bolívia. Roteiro e imagens lembram as décadas de 1960 e 1970, quando ditaduras militares se espalharam pela América do Sul. Mas a cena ocorreu na quarta-feira (26) no país sul-americano. Acontecimento surpreendente ou desfecho para um governo em crise? Especialistas em Relações Internacionais explicaram o cenário que levou à tentativa fracassada de golpe na Bolívia.

Em primeiro lugar, existe um entendimento comum de que o episódio foi muito mais um ato isolado do general Juan José Zúñiga do que um movimento bem planejado, com apoio de diferentes forças sociais. O general foi demitido na terça-feira (25) do cargo de comandante do Exército, depois de ameaçar o ex-presidente Evo Morales.

“O general teve um erro de cálculo político. Achou que receberia algum respaldo ao ameaçar o Evo Morales. Mas o atual presidente boliviano bancou a aposta e tirou o general do comando do Exército. E aí ele se viu numa situação de isolamento e tentou o golpe de uma maneira muito improvisada, sem participação de outras lideranças das Forças Armadas. E foi importante ver que ele não teve apoio significativo de nenhum grupo social do país”, diz Maurício Santoro, cientista político e professor de Relações Internacionais.

“O Evo Morales já convocou uma greve geral e tem os movimentos sindicais muito alinhados com ele. O próprio presidente Luis Arce também veio a público para pedir que a sociedade boliviana se junte contra esse golpe. E setores da oposição se colocaram contra o golpe. A própria Jeanine Añez, que já foi presidenta e opositora do Evo, disse que não aceita o que aconteceu. O Luís Camacho, importante líder contra o Evo Morales em 2019 falou que não aceita também. Então, esse movimento de golpe parece isolado. Muito mais uma tentativa do Exército e do próprio Zúñiga de demonstrar poder, do que de fato querer impor um novo governo”, diz Arthur Murta, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.

O general Zúñiga foi preso após liderar a tentativa de golpe.

Crise econômica e disputas políticas

Em segundo lugar, o ato do general pode ser entendido a partir de problemas mais estruturais que o país enfrenta, como a dimensão econômica.

“A Bolívia está vivendo uma situação econômica muito difícil. O principal setor é o de gás natural, que está enfrentando uma série de problemas. Isso levou a uma queda nas exportações, e as reservas internacionais da Bolívia estão muito pequenas, em torno de US$ 3 bilhões. O que é nada para as necessidades de um país. Para comparar, o Brasil que tem uma situação bastante confortável em termos de reservas tem hoje mais de US$ 350 bilhões. Isso significa que a Bolívia está com muita dificuldade de importar mesmo produtos básicos para o dia a dia: alimentos, remédios, combustíveis”, diz Maurício Santoro.

“Os países andinos estão baseados no extrativismo pesado e com os preços nas alturas. O Estado quer se apropriar de uma parte desse excedente econômico. E grupos nacionais e multinacionais querem pegar absolutamente tudo. Mas não é como Salvador Allende. Na década de 70, que estava mantendo a companhia do cobre sob o controle, ou estatizando empresas. Agora é o contrário, é uma administração que quer se apropriar de parte desses excedentes para a realização de políticas públicas. A classe dominante e as multinacionais nem isso topam. Então nós ficamos sempre numa situação limite entre o Estado e essas forças sociais”, explica o professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Nildo Ouriques.

Do ponto de vista das disputas políticas, as tensões entre diferentes líderes e partidos do país contribuem para aumentar os riscos à democracia.

“O componente político dessa crise é o fato de que no ano que vem a Bolívia vai ter eleições presidenciais e o general que tentou o golpe hoje disse ontem que se o Evo Morales se apresentar como candidato à presidência, as Forças Armadas iriam intervir e prender o Evo. Há poucos anos aconteceu uma crise política semelhante na Bolívia, em 2019, que terminou com a deposição do Evo e a intervenção dos militares. Então, é uma ferida que ainda está aberta”, diz Maurício Santoro.

“Se voltarmos mais no tempo, a década de 1990 é relativamente estável na Bolívia. As tensões começam com a chegada ao poder do Evo Morales em 2006, que provoca fraturas de poder. Ele começa a fazer política redistributiva de renda, nacionalizar os hidrocarbonetos, entre outras questões, que geram insatisfações com a elite. A Bolívia ela entra num cenário de piora dessa estabilidade democrática, porque o Evo desestabiliza um sistema anterior de poder, em que a população pobre indígena estava sub-representada. Isso faz crescer o movimento reacionário, que se manifesta até hoje”, diz Arthur Murta.

Contexto regional

Para os pesquisadores, é preciso considerar também um contexto mais amplo na América do Sul, com avanço de grupos e lideranças de extrema-direita, que representam o crescimento de movimentos autoritários e antidemocráticos. Em alguns casos recentes, houve tentativas de golpe igualmente fracassadas.

“Essa tentativa de golpe faz parte de um contexto mais amplo de crise da democracia na América Latina. Esse ano a gente teve na Guatemala uma tentativa de impedir a posse de um presidente eleito. Manifestantes invadiram o Congresso no Brasil no ano passado em tentativa de golpe. Bom que a democracia está resistindo e mostrando ter anticorpos e ser mais resiliente. Mas é preocupante que todas essas crises estejam ocorrendo na região nos últimos anos”, diz Maurício Santoro.

“O que foi positivo hoje é que a resposta internacional foi muito forte na defesa da democracia boliviana. Todos os países da América do Sul se manifestaram em maior ou menor grau em defesa da democracia. Isso foi uma coisa importante. A Organização dos Estados Americanos também respondeu de modo muito rápido e contundente”, acrescentou.

Organizações e países condenam tentativa de golpe

Representantes de organizações internacionais e presidentes de diversos países condenaram a tentativa de golpe na Bolívia.

O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, emitiu um comunicado em defesa da democracia no país latino americano e disse que a entidade não vai tolerar a quebra da constitucionalidade no país.

“A Secretaria Geral da OEA condena da forma mais enérgica os acontecimentos na Bolívia. O Exército deve se submeter ao poder civil legitimamente eleito. Enviamos nossa solidariedade ao presidente da Bolívia, Luis Arce Catacora, a seu governo e a todo povo boliviano. A comunidade internacional, a OEA, e a Secretaria Geral não tolerarão nenhuma quebra da ordem constitucional legítima na Bolívia ou em outro lugar”, disse, nas redes sociais.

A presidente da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), a presidenta hondurenha, Xiomara Castro, convocou os presidentes dos países membros a condenar a tentativa de golpe de estado na Bolívia.

“Convoco urgentemente os presidentes dos países membros da Celac a condenar o fascismo que hoje atenta contra a democracia na Bolívia e exigir o respeito pleno ao poder civil e à constituição. As forças militares levaram a cabo mais uma vez um golpe de estado criminoso. Expressamos nosso apoio incondicional ao povo irmão da Bolívia”, disse nas redes sociais.

A presidente da Comissão Europeia, órgão executivo da União Europeia (UE), Ursula Von Der Leyen, condenou também a tentativa de quebra da democracia no país sul-americano. “Condeno firmemente as tentativas de derrubar o governo democraticamente eleito da Bolívia. A União Europeia apoia as democracias. Expressamos o nosso forte apoio à ordem constitucional e ao Estado de direito na Bolívia”, disse nas redes sociais.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse, em uma rede social, que a posição do Brasil é clara pela defesa da democracia. “A posição do Brasil é clara. Sou um amante da democracia e quero que ela prevaleça em toda a América Latina. Condenamos qualquer forma de golpe de Estado na Bolívia e reafirmamos nosso compromisso com o povo e a democracia no país-irmão, presidido por Luis Arce”, disse.

O presidente do México, Andres Manuel Lopez Obrador, também foi enfático contra a tentativa de golpe. “Manifestamos a mais enérgica condenação a tentativa de golpe na Bolívia. Nosso total apoio e respaldo ao presidente Luis Alberto Arce Catacora, autêntica autoridade democrática do povo do país irmão”, disse nas redes sociais.

O presidente do Chile, Gabriel Boric, afirmou estar preocupado com a situação boliviana e disse que a ação de parte do exército boliviano é inaceitável. “Manifesto minha preocupação pela situação da Bolívia. Expressamos nosso apoio a democracia no país irmão e ao governo legítimo de Lucho Arce. Condenamos energicamente a inaceitável ação de força de um setor do exército desse país. Não podemos tolerar nenhuma quebra da ordem constitucional”, disse nas redes sociais.

Também publicaram manifestações contrárias a tentativa de golpe os presidentes do Peru, da Espanha, da Colômbia, do Uruguai, do Paraguai, e a chanceler argentina.

Tentativas de golpe de Estado marcam história da Bolívia

A tentativa de golpe na Bolívia é mais um capítulo de uma turbulenta história política no país sul-americano, marcada por uma sucessão de motins militares que se repetem desde 1964. Alguns especialistas afirmam que a Bolívia já enfrentou mais de 190 tentativas de golpe e revoluções desde a sua independência em 1825, num ciclo repetitivo de conflitos entre as elites políticas urbanas e os mais pobres mobilizados pelo setor rural.

Desde a sua independência, a história da Bolívia tem registrado uma série de ditaduras militares e civis, triunviratos, conselhos governamentais, presidentes que não completaram os seus mandatos e dezenas de golpes de Estado, isso sem falar nas revoltas militares frustradas.

Ainda assim, o ex-presidente Carlos Mesa (2003-2005), em seu livro Presidentes da Bolívia, entre urnas e fuzis (2003), garante que sua nação não foi vítima de tantos golpes de Estado como se acredita no exterior. Segundo Mesa, a cifra de quase 200 golpes que costuma ser citada é “absolutamente arbitrária”. Ele especifica que o país teve 37 governos, dos quais, a rigor, 23 foram decorrentes de golpes “na sua concepção convencional”, isto é, com a derrubada de um governante.

Ao longo da história, o país possui uma lista de golpes emblemáticos. Em 1930, o presidente Hernando Siles deixou o cargo para o seu gabinete de ministros, num governo que durou apenas 30 dias e foi derrubado. Já a primeira mulher a presidir a Bolívia, Lidia Gueiler, assumiu o governo em 1979 como chefe da Câmara dos Deputados, após o fracasso do golpe sangrento do general Alberto Natusch Busch. Um ano depois, ela seria deposta por outro general.

Outro governante, o tenente-coronel Germán Busch, herói da Guerra do Chaco (1932-1935), cometeu suicídio em 1939, enquanto Hernán Siles Suazo foi sequestrado por dez horas em 30 de junho de 1984 por um grupo armado que planejava um golpe de Estado.

Em 2003, o presidente Gonzalo Sánchez de Lozada renunciou, sendo sucedido por seu vice, Carlos Mesa. Após assumir o cargo, Mesa, por sua vez, acabaria renunciando três vezes, com a última renúncia sendo aceita pelo Congresso em 9 de junho de 2005.

Na época, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça Eduardo Rodríguez assumiu o governo com a tarefa de realizar as eleições gerais, vencidas em dezembro de 2005 por Evo Morales.

Em 2013, o Tribunal Constitucional abriu caminho para que Morales concorresse a um terceiro mandato, sob a avaliação de que o primeiro mandato do governante não contava, dado que o país foi refundado como Estado Plurinacional em 2009.

Em setembro de 2015, o Parlamento boliviano aprovou uma emenda constitucional para permitir que Morales concorresse à reeleição, mas ela foi rejeitada em referendo em 21 de fevereiro de 2016.

A despeito da decisão, Morales concorreu como candidato a uma reeleição inconstitucional em 2019. Em 20 de outubro de 2019, dia seguinte ao pleito, suspeitas de fraude levaram à eclosão de protestos em massa.

Apesar de autoridades eleitorais locais terem declarado a vitória a Morales, uma auditoria da Organização dos Estados Americanos (OEA) revelou “graves irregularidades” durante as eleições. Em 10 de novembro daquele ano, por pressão das Forças Armadas, Morales apresentou então sua renúncia, deixando o país no dia seguinte e denunciando um golpe de Estado.

Em 12 de novembro de 2019, a senadora da oposição Jeanine Áñez, do Movimento Social Democrata, tomou posse como presidente interina da Bolívia com a promessa de convocar novas eleições em meio a um caos crescente, com confrontos violentos que deixaram mais de 30 mortos e centenas de feridos.

Inicialmente convocadas para maio de 2020, as novas eleições tiveram que ser adiadas devido à pandemia de covid-19. Foi só em 18 de outubro de 2020 que Luis Arce – aliado de Morales e candidato do Movimento para o Socialismo (MAS) –venceu as eleições presidenciais com 55,1% dos votos. Ele assumiu o cargo em 8 de novembro.

Em março e abril de 2021, foram realizadas eleições subnacionais (regionais e municipais) nas quais o MAS perdeu terreno e ganhou apenas três dos nove governadores.

Também em março de 2021 foi detida a ex-presidente Jeanine Áñez, que no ano seguinte (junho de 2022) seria condenada a 10 anos de prisão por incumprimento de deveres e resoluções contrárias à Constituição quando assumiu o poder em 2019.

No final de 2020, Evo Morales regressou ao país e começou a recuperar sua importância política, ao mesmo tempo em que aumentavam as suas divergências com Arce. Essas diferenças dividiram o MAS entre “evistas” e “arcistas”.

Em setembro de 2023, Morales anunciou sua candidatura às eleições presidenciais de 2025. Em dezembro, porém, o Tribunal Constitucional Plurinacional (TCP) da Bolívia emitiu uma decisão anulando a possibilidade de reeleição por tempo indeterminado, o que implicaria sua desqualificação como candidato.

Já em 2024, seguidores de Morales e Arce convocaram dois congressos do partido. O primeiro, em maio, promovido pelos “arcistas”, excluiu Evo Morales da liderança e nomeou Grover García como novo presidente, embora o Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) tenha rejeitado o referido congresso e mantido Morales como líder da legenda.

Caos político na América do Sul dificulta plano de Lula de integração

Quando Luiz Inácio Lula da Silva venceu a eleição de 2022, pediu que uma nova política externa fosse desenhada ao país. Como resultado, a equipe de transição elaborou um documento no qual os pilares da nova inserção do Brasil no mundo ocorreriam. Mas uma delas era considerada como estratégica: voltar a reunir a América do Sul ao redor de uma só mesa e retomar o processo de integração regional.

A tentativa frustrada do golpe de estado na Bolívia nesta semana, porém, foi apenas mais um sinal da dificuldade em concretizar o projeto. Com crises políticas, tensões, acusações de repressão, ameaças de anexação e o crime organizado que ganha espaço, o continente vê os ensaios de recriar uma estratégia regional abalados.

Bolívia

“Coração” geográfico da América do Sul, a Bolívia conseguiu impedir a ruptura democrática no país. Mas a tensão e o processo nos últimos dias mostraram que as ameaças são constantes.

Na prisão condenada por golpe de estado, a ex-presidente da Bolívia Jeanine Áñez chegou a receber a oferta por parte de Jair Bolsonaro de lhe conceder asilo. Meses antes, o Brasil havia sido o primeiro país – ao lado do governo de Donald Trump – a reconhecer seu governo como legítimo. Em 2022, sua filha, Carolina Ribera Áñez, chegou a fazer uma visita a Michelle Bolsonaro.

Se o país é o local com o maior número de golpes de estado no mundo desde 1950, a situação atual é ainda um espelho da existência de projetos completamente diferentes de ideia de nação e como se relacionar com o restante dos vizinhos.

Peru

A fragilidade da democracia também é a realidade hoje do Peru. Um ano após a remoção do então presidente Pedro Castillo, a entidade Freedom House denuncia uma repressão por parte do novo governo, interferências no Poder Judiciário

Como resultado, o país deixou de ser considerado como “livre” na classificação da entidade e passou à lista de locais “parcialmente livres”.

Sua manutenção, segundo entidades como Anistia International, é garantida com base numa repressão que já fez mais de 40 mortos. Ao mesmo tempo, leis foram aprovadas reduzindo a transparência e monitoramento sobre o Congresso e Executivo.

Venezuela

O continente ainda convive com a volta do fluxo de refugiados e imigrantes venezuelanos que, em 2023 e 2024, voltaram a superar o volume de pessoas gerado pela guerra na Ucrânia. Mais de 6,1 milhões de venezuelanos estão hoje fora do país, com uma grande quantidade nos países vizinhos.

Se a esperança era de que a eleição presidencial em julho fosse capaz de virar a página da crise política envolvendo Nicolas Maduro e sua oposição, informes da ONU revelam que a repressão voltou a ganhar força.

Maduro ainda desfez o convite para que os europeus realizem um monitoramento da eleição, depois que a UE optou por manter as sanções contra Caracas.

A instabilidade ganha um contorno geopolítico diante das ameaças de Maduro de anexação de territórios da Guiana, gesto que obrigou o governo Lula a se posicionar e alertar o venezuelano de que não teria o respaldo de Brasília.

Equador

Considerado por décadas como uma “ilha de tranquilidade”, o Equador se transformou num dos epicentros da instabilidade regional. Filho de um magnata do setor de bananas, o presidente Daniel Noboa assumiu com a promessa de dar segurança à população diante do aumento da violência.

Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.

20 gangues foram declaradas como organizações terroristas e um estado de emergência de 90 dias foi anunciado. Se não bastasse, seu governo promoveu uma invasão da embaixada do México em Quito, violando leis internacionais e levando os mexicanos a abrir um processo na Corte Internacional de Justiça, em Haia. A operação era para prender um vice-presidente acusado de corrupção e que estava foragido.

Parte da tomada do país pela violência tem relação com seus portos profundos, que transformaram sua costa em um importante ponto de trânsito para a cocaína que é exportada para os EUA e Europa. Organizações criminosas rivais do Peru, Colômbia e Equador travam uma batalha para controlar essas rotas de tráfico.

De acordo com dados da Polícia Nacional do Equador, a taxa de homicídios em 2016 foi de 5,8 homicídios por 100.000 pessoas. Em 2022, ela havia aumentado para 25,6, um nível semelhante ao da Colômbia e do México, países com um longo histórico de violência dos cartéis de drogas.

Argentina

A instabilidade regional ainda ganhou um novo componente com a chegada ao poder de Javier Milei, na Argentina. Seu projeto ultraliberal abriu uma crise política no país, com protestos e um braço de ferro entre as diferentes forças políticas na Argentina.

A decisão ainda de ofender Lula, ainda durante a campanha, levou o brasileiro a se negar a falar com o argentino, ampliando a impossibilidade de que haja uma coordenação no mais alto nível para lidar com as crises regionais.

Lula exige que Milei peça desculpas, ato que o argentino se nega a fazer.


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