18/05/2024 - Edição 540

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Com tempero de tragédia, Argentina encara a eleição mais acirrada dos últimos anos

Com um clima de desilusão e cansaço, parte dos argentinos parece disposta a embarcar em uma aventura de extrema direita

Publicado em 19/10/2023 10:43 - Lucas Rocha (ICL), Lisandra Paraguassu, Bernardo Caram e Marcela Ayres (UOL) – Edição Semana On

Divulgação Os principais candidatos a presidente na Argentina, da esquerda para a direita: Sergio Massa, Horacio Larreta, Patricia Bullrich e Javier Milei - Ministério da Economia da Argentina e Luis Robayo/AFP

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Ninguém sabe o que vai acontecer na Argentina na eleição do próximo domingo. Javier Milei, Sergio Massa e Patricia Bullrich medem forças neste final de semana na disputa pela Casa Rosada.

Com um clima de desilusão e cansaço, parte dos argentinos parece disposta a embarcar em uma aventura extremista que não se sabe onde pode levá-los. Por outro lado, essa incerteza assusta uma outra parcela da sociedade que quer impedir que o país siga numa mesma rota que o Brasil com o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Quando Bolsonaro foi eleito no Brasil em 2018, o choque na Argentina foi grande. Declarações absurdas do ex-presidente começaram a circular nos principais portais de notícias do país. A visita de Bolsonaro ao ex-presidente argentino Mauricio Macri, já em 2019, foi criticada pela sociedade e alvo de protestos de alguns grupos. O bolsonarismo representava uma espécie de antítese da cultura política de um país que condenou generais responsáveis pela ditadura que promoveu um terrorismo de Estado e de um país que deu passos importantes na direção da democratização da comunicação.

No próximo domingo, a Argentina pode eleger o seu “Bolsonaro”. Milei, um comentarista caricato de programas de TV, é quem desponta como favorito nas pesquisas eleitorais e pode até mesmo se sagrar eleito em primeiro turno. Uma vitória de uma extrema direita que se aproveita de uma desilusão total em um país movido por paixões vorazes, mas que parece anestesiado.

Nada está definido. As pesquisas eleitorais mostram um cenário bastante aberto, com oscilações tão significativas que torna muito difícil cravar qualquer resultado.

Com a promessa tresloucada de dolarizar de vez a Argentina — com o fechamento do Banco Central — e um discurso de ódio extremado que não poupa nem o Papa Francisco, Milei conquista uma parcela da população desiludida com o sistema político depois dos trágicos governos de Alberto Fernández e Macri, que levaram o país a uma crise econômica catastrófica.

Apesar de ter Macri por perto e sinalizar que pode ter o ex-presidente no seu gabinete, Milei se coloca como um herói da antipolítica. Critica as “castas” e o Estado argentino com uma visão neoliberal tão extremada que não foca apenas na privatização da petrolífera YPF, mas também normaliza a venda de órgãos e fala em um mercado livre de bebês.

No cenário mais provável, Milei avança para um segundo turno contra Massa, que é ministro de economia do atual governo e tenta mobilizar a base peronista com uma autocrítica e promessas de fazer diferente de Fernandez. Mas em um outro cenário, o “libertário” pode vencer em primeiro turno. Na Argentina, não é necessário 50% dos votos para ser eleito, basta ultrapassar 40% com uma vantagem de 10 pontos para o segundo colocado.

Para evitar o triunfo do extremista, que foi o candidato mais votado nas prévias de agosto, Massa anunciou medidas populares nos últimos meses, como o fim do imposto de renda para uma parcela da população, e agora se ancora na força que tem o peronismo nas bases. Algumas pesquisas colocam o ministro, que já foi chefe de gabinete de Cristina Kirchner e presidente da Câmara dos Deputados, na liderança.

Ainda que nenhuma sondagem aponte para isso, o ministro dos Transportes da Argentina, Jorge D’Onofrio, disse em entrevista a uma rádio que crê em uma reviravolta que garanta uma vitória dramática do peronista em primeiro turno. Algo que seria bem argentino. Onofrio se baseia tanto na força do peronismo quanto em declarações recentes de Milei em que o candidato estimulou as pessoas a venderem seus pesos e comprarem dólares, o que pode ter irritado parte da população.

Bullrich, que representa uma ala radical dos partidos de direita tradicionais, também luta por um lugar ao sol. A coligação Juntos Pela Mudança foi a segunda mais votada nas prévias, mas todas as pesquisas colocam a candidata em terceiro lugar. Apesar de fazer parte da chamada “direita tradicional” e ter um perfil de eleitor consolidado, Bullrich traz consigo um discurso extremado que se assemelha em certos pontos com o de Milei.

Essas semelhanças fizeram a ex-parlamentar ser alvo de ferrenhos ataques de Milei, que está de olho em uma migração de voto útil dela para ele para tentar encerrar o pleito já no primeiro turno.

A incerteza sobre o que vai acontecer no domingo na Argentina é, sem dúvidas, algo que surpreende os brasileiros que se mobilizaram contra a reeleição de um governo que fez o país atravessar uma crise social gigantesca, com a explosão do trabalho informal o crescimento da insegurança alimentar, e que deixou de legado 700 mil mortes durante a pandemia da Covid-19 por sua má-gestão.

Mas é algo que, com certeza, aterroriza parte do eleitorado argentino que se chocou com Bolsonaro e não sabe qual caminho o país vai trilhar daqui pra frente.

Haddad diz que possível vitória de Milei preocupa o Brasil

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, admitiu que uma possível vitória de Javier Milei nas eleições argentinas preocupa o governo brasileiro, uma vez que o país é, além de vizinho, um dos principais parceiros comerciais do Brasil.

“É natural que eu esteja (preocupado). Uma pessoa que tem como uma bandeira romper com o Brasil, uma relação construída ao longo de séculos, preocupa. É natural isso. Preocuparia qualquer um… Porque em geral nas relações internacionais você não ideologiza a relação”, disse Haddad em entrevista à Reuters.

Milei, que é chamado de “Bolsonaro argentino”, disse em falas durante a campanha que pretendia limitar o comércio com o Brasil, chamou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de “comunista raivoso” e “socialista com vocação totalitária” e afirmou que, em relação ao Mercosul, a Argentina “seguiria seu próprio caminho” caso ele seja eleito.

“Não se transpõe para as relações internacionais as questões internas. Mesmo quando você tem preferências, manifestas ou não”, disse Haddad, lembrando que Lula mantém relações amigáveis com chefes de Estado de todo espectro político. “É um vizinho do Brasil, principal parceiro na América do Sul. Então preocupa quando um candidato diz que vai romper com o Brasil. Você fez o quê para merecer esse tipo de tratamento?”

Lula tem uma relação pessoal de amizade com o atual presidente argentino, Alberto Fernández, que chegou a visitá-lo na prisão logo depois de ser eleito. O candidato de Fernández é seu ministro da Economia, Sergio Massa, que disputa a preferência dos eleitores com Milei, de acordo com as pesquisas mais recentes.

Em crise econômica severa, a Argentina buscou a ajuda do Brasil para resolver questões como o financiamento de importações, mas as negociações não foram adiante e, agora, às vésperas da eleição, os argentinos terão que esperar o resultado do pleito para ver se é possível alguma solução.

Haddad admitiu que o governo brasileiro trabalhou em quatro propostas que previam garantias para o Brasil aceitar financiar as importações pela Argentina, mas nenhuma conseguiu ir adiante pela impossibilidade ou inabilidade do governo vizinho em cumprir exigências.

“Agora não tem o que fazer. No domingo, nós temos o primeiro turno na Argentina. Ou seja, só depois… E porque também não dá nem tempo. Mesmo que você chegue a um desenho vai ter que esperar o resultado da eleição. Então, é natural que seja assim”, afirmou.

As propostas brasileiras estão de pé, diz Haddad. No entanto, a depender de quem irá se eleger, o relacionamento pode ser impossível.


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