11/10/2024 - Edição 550

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Brasil condena ataques e lamenta morte de menino brasileiro no Líbano

Ataque de Israel a pagers vendidos ao Hezbollah feriu três mil pessoas, causou terror na população civil e matou uma menina de 9 anos. Não é ‘inovação’, é crime de guerra

Publicado em 26/09/2024 2:28 - Jamil Chade e Gilvan Marques (UOL), Alonso Gurmendi (Intercept_Brasil) – Edição Semana On

Divulgação

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Um adolescente brasileiro morreu em decorrência de um ataque aéreo na cidade de Kelya, na região do Vale do Beqaa, a 30 quilômetros de Beirute. O pai do menino também morreu. As mortes foram confirmadas nesta quarta-feira (25) pelo Itamaraty. O menino foi identificado como Ali Kamal Abdallah, de 15 anos. Já o pai dele, Kamal Abdallah, não é cidadão brasileiro. A informação que chegou ao Ministério das Relações Exteriores é de que o homem seria de nacionalidade paraguaia.

O Itamaraty informou que presta assistência aos familiares. O Ministério das Relações Exteriores diz que as questões de documentação e traslado dos corpos serão tratadas por meio da Embaixada do Brasil em Beirute. Em caso de necessidade, recomenda-se entrar em contato com o plantão consular do Itamaraty por meio do número +55 (61) 98260-0610 (WhatsApp).

Presidente Lula criticou os ataques de Israel no Líbano durante o discurso na ONU. Já o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, aproveitou seu discurso na Assembleia Geral da ONU, em Nova York, para alertar que o Líbano não pode ser a nova Faixa de Gaza.

Na última segunda (23), o Itamaraty disse ter enviado instruções para a Embaixada do Brasil no Líbano para ser iniciado um processo de consulta com os brasileiros que vivem no país. O objetivo seria saber se o grupo quer ajuda do Estado para ser repatriado ou não.

Aqueles que optassem por continuar no Líbano deveriam sair das regiões do sul, mais próximas a Israel. Zonas de fronteira e outras áreas de risco também devem precisariam ser evitadas.

Filha e amigos lamentam nas redes sociais

Hanan Abdallah, filha de Kamal, publicou um vídeo nas redes sociais na terça-feira (24). O registro, publicado com um filtro preto e branco, mostra ela, o pai e o irmão em um automóvel.

“Que Alá tenha piedade deles e lhe conceda paciência para suportar as suas partidas”, escreveu uma pessoa. “Meus mais profundos sentimentos! A perda é enorme, a saudade será diária, mas sei que eles sempre estarão vivos dentro do seu coração. Que Deus conforte seu coração e de seus familiares”, comentou outra.

‘O anjo que Israel matou’, diz legenda de outra publicação feita por Hanan. A irmã de Ali republicou um vídeo do irmão após o anúncio da morte dele e do pai no Líbano.

Na segunda-feira (23), Adnan El Sayed, que atua como vereador em Foz do Iguaçu, publicou no Facebook: “Haj Kamal Abdallah e seu lindo filho Ali estavam até pouco tempo aqui ao nosso lado em Foz do Iguaçu, brincando e sorrindo. Quero arranjar forças na justiça divina e na capacidade da resistência libanesa para seguir o caminho da verdade apesar das perdas diárias desse massacre à Palestina e ao Líbano.”

Ataques de Israel no Líbano

O Ministério da Saúde do Líbano informou que pelo menos 558 pessoas morreram e outras 1.835 ficaram feridas nos bombardeios. Entre os mortos estão 50 crianças, 94 mulheres e dois médicos, diz o comunicado do órgão.

Israel diz que atingiu 300 alvos em todo o Líbano. Horas antes, autoridades israelenses divulgaram um pronunciamento e mandaram mensagens de texto para moradores de Beirute e regiões vizinhas alertando que eles deixassem suas casas.

Casas destruídas e escolas fechadas. O ataque israelense causou danos na infraestrutura civil. Aulas foram suspensas por dois dias nas áreas atingidas e há relatos de casas atingidas por mísseis em várias cidades.

O Hezbollah afirmou que o líder sênior Ali Karak, chefe da frente sul, está bem e foi transferido para um local seguro. Uma fonte de segurança disse à Reuters que ele foi alvo de um ataque israelense nos subúrbios do sul do Líbano.

O grupo xiita respondeu ataque com mais foguetes. “Os combatentes do Hezbollah bombardearam duas posições militares israelenses, assim como os complexos da indústria militar Rafael, ao norte da cidade de Haifa”, indicou o grupo em um comunicado.

É a primeira onda de ataque planejada por Israel, apurou a RFI. Em comunicado à população libanesa, o Exército israelense diz que os ataques “continuarão no futuro próximo” e que serão “maiores e mais precisos”. A imprensa libanesa relata que os bombardeios são os piores desde a Segunda Guerra do Líbano, em 2006.

Estratégia de Israel é demonstrar força militar para mudar a posição declarada do Hezbollah de que continuará atacando Israel enquanto não houver um cessar-fogo em Gaza. Outro objetivo do governo é retomar o controle do norte do país, de onde milhares de israelenses fugiram desde que o Hezbollah passou a disparar mísseis contra Israel, em 8 de outubro.

Primeiro-ministro libanês diz que Israel executa um “plano de destruição” contra o país. “A agressão persistente de Israel contra o Líbano é uma guerra de extermínio em todos os aspectos, um plano de destruição que pretende pulverizar os vilarejos e cidades libaneses”, afirmou Najib Mikati. No comunicado, ele também pede à ONU e aos “países influentes” para “dissuadir a agressão”.

No fim de semana, Israel e Hezbollah trocaram agressões. Pelo menos 45 pessoas foram mortas no Líbano após um ataque israelense. Em resposta, o Hezbollah disparou um míssil que atingiu uma área residencial na cidade israelense de Kiryat Bialik.

Ordem de evacuação

No sul, moradores receberam ligações ordenando que ficassem a mil metros de qualquer posto do Hezbollah, contou um repórter da Reuters que recebeu a chamada. Mais cedo, um porta-voz do Exército israelense, Avichay Adraee, disse que os ataques aéreos contra casas no Líbano, nas quais o “Hezbollah escondia armas”, eram iminentes.

Ligações foram “guerra psicológica” para causar estragos e caos, dizem libaneses. O chefe da operadora Ogero, Imad Kreidieh, disse que o Líbano recebeu mais de 80 mil tentativas de ligações que seriam de Israel com a mensagem de evacuação.

O que dizem as autoridades

“Estamos determinados a garantir que as pessoas no norte possam voltar para suas casas com segurança. Nenhum país pode tolerar o tiroteio contra seu povo, suas cidades, e nós também não toleraremos”, disse Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro israelense.

“Seremos capazes de alcançar qualquer um que ameace os cidadãos de Israel. É uma mensagem para o Hezbollah, o Oriente Médio e além”, afirmou Herzi Halevi, chefe do Estado-Maior das Forças de Defesa de Israel.

“As ameaças não vão nos parar: estamos prontos para todos os cenários militares”, completou Naim Qassem, secretário-geral e número dois na hierarquia do Hezbollah.

Nações precisam condenar as explosões de pagers cometidas por Israel

De acordo com os detalhes da operação revelados até agora, ao tomar conhecimento de que Hezbollah trocaria celulares por pagers com o objetivo de evitar a geolocalização dos seus militantes, a inteligência israelense instituiu companhias fantasma que lhes venderam aparelhos com explosivos.

Esses explosivos foram detonados em caráter de emergência na terça passada, frente a supostos temores de que o Hezbollah descobriria os seus planos. Como o ataque aos pagers foi seguido de bombardeios, esse argumento fica bastante prejudicado.

Fontes ocidentais chamaram a operação de “inovadora” e consideraram este um dos ataques mais direcionados na história dos conflitos armados, seguindo a premissa de que somente militantes de Hezbollah usam tais aparelhos.

A avaliação jurídica é mais complexa. O primeiro erro é descrever a operação como um único ataque contra o Hezbollah. Segundo o artigo 49 do Protocolo Adicional I à Convenção de Genebra, “ataque” é qualquer ato de violência contra um adversário. O que significa que cada uma dessas detonações de pagers conta como um ataque específico.

Segundo o direito internacional humanitário, antes de cada ataque, deve-se verificar se  o alvo é de fato um alvo militar, e que qualquer dano aos civis é proporcional à vantagem militar obtida pelo ataque.

Estas precauções são requisitos necessários para a legalidade do ataque. A informação que temos disponível indica que isso nunca ocorreu no caso dos ataques no Líbano. Até onde entendemos, os aparelhos foram detonados sem qualquer conhecimento de quem os tinha em posse naquele momento.

É por isso que Fátima morreu. É por isso que temos vídeos na internet de pessoas explodindo enquanto faziam supermercado.

Ataques indiscriminados e o pânico na população

O direito internacional proíbe ataques indiscriminados – ou seja, aqueles que empregam métodos de combate que não podem ser direcionados a um alvo militar específico. Um combatente do Hezbollah é um alvo militar válido, porém nem todo membro do Hezbollah pode ser considerado um alvo.

Civis se tornam combatentes (e, portanto, alvos militares válidos) quando estes participam diretamente nas hostilidades. Há debate sobre quando se pode dizer que uma pessoa se torna combatente de um grupo como Hezbollah.

Para a Cruz Vermelha, isso ocorre somente quando a pessoa desempenha uma função contínua de combate no grupo. Para os EUA, é quando a pessoa contribui ao esforço bélico do grupo, salvo algumas exceções.

Porém, nenhuma dessas teorias define que toda pessoa com um desses pagers na mão deve ser considerada um alvo militar válido, mesmo possuindo crachá de identificação do Hezbollah. Eles podem, por exemplo, desempenhar funções médicas ou ser doadores de fundos.

Detonar os pagers sem obter qualquer verificação que confirme que quem possui o pager naquele momento é um alvo militar legítimo faz com que todos os ataques sejam indiscriminados e, portanto, ilegais.

Existem outras possíveis ilegalidades envolvendo estes ataques, como a proibição de armadilhas (as chamadas “booby traps”) e de ataques que tenham como objetivo aterrorizar a população civil.

Esta última também é importante por motivos políticos. É difícil imaginar que a mídia ocidental teria a mesma reação se ataques contra aparelhos eletrônicos tivessem ocorrido na Europa, nos EUA ou mesmo em Israel.

Essa semana, dezenas de libaneses expressaram, por meio de redes sociais, o seu terror diante da possibilidade de que os seus celulares pudessem explodir. Lojas de eletrodomésticos queimaram. As baterias dos painéis solares de casas em Beirute explodiram. A atual situação no país é de pânico absoluto.

Por este motivo, a reação ocidental é importante. Descrever uma série de ataques indiscriminados como um impressionante ataque antiterrorista abre as portas para a normalização de tais atos em guerras modernas.

No momento, a Bélgica é o único país ocidental a se referir ao ocorrido como “ataque terrorista massivo”. A Eslovênia e a Espanha condenaram os ataques, e o presidente da França, Emmanuel Macron, enviou uma mensagem especial de solidariedade ao povo libanês. Estes gestos, embora bem-vindos, são amostras muito pequenas se comparados ao perigo que representa esse novo desenvolvimento na guerra de Israel no Oriente Médio.

Assim, o momento é importante para que democracias como o Brasil – que também condenou os ataques – assumam a liderança na oposição a estes novos meios de guerra.


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