04/10/2024 - Edição 550

Mundo

A expansão armamentista e a derrocada da paz

Publicado em 08/05/2019 12:00 -

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O gasto militar dos EUA subiu no ano passado pela primeira vez desde 2010. A Administração de Donald Trump elevou o investimento em Defesa em 4,6% com relação ao ano anterior, chegando a 649 milhões de dólares (2,56 bilhões de reais), ou 36% do total mundial, que cresceu até seu máximo histórico. Washington e seu rival estratégico, a China, somam pela primeira vez mais de metade do investimento global em Defesa, segundo os dados publicados nesta segunda-feira pelo Instituto Internacional de Estocolmo para a Pesquisa da Paz (SIPRI).

Desde sua chegada à Casa Branca, em 2016, Donald Trump nunca ocultou sua intenção de fortalecer ainda mais a supremacia militar dos Estados Unidos sobre seus dois principais rivais geoestratégicos, a China e a Rússia. Os drásticos cortes do republicano em meio ambiente, cooperação internacional e ajudas contra a pobreza energética lhe permitiram reforçar sua musculatura militar, com 39 bilhões de dólares a mais que no ano anterior.

Apesar do incremento, o gasto de Washington em Defesa ainda é 19% inferior ao que era em 2010, embora o contexto na época fosse diferente: os Estados Unidos estavam totalmente envolvidos nas guerras do Afeganistão e Iraque, com dezenas de milhares de soldados mobilizados. Hoje contam com um contingente muito reduzido no Afeganistão e várias centenas de assessores militares na Síria e Iraque. Trump reiterou seu interesse em reduzir ao mínimo a presença de tropas norte-americanas nessas zonas de conflito.

“O aumento do gasto dos EUA responde mais a uma estratégia de dissuasão do que às exigências atuais de suas operações no exterior”, diz por telefone Aude Fleurant, pesquisadora do SIPRI. A especialista prognostica que, salvo em caso de “catástrofe financeira”, Trump aumentará o gasto em Defesa a cada ano de sua presidência, apesar dos obstáculos representados pelo déficit público e a perda do controle da Câmara de Deputados, que voltou em novembro às mãos democratas após oito anos de domínio republicano.

A aquisição de armamento de fabricação nacional é a principal explicação para o aumento do orçamento de Defesa dos EUA. Com um Exército de quase 1,4 milhão de homens e mulheres, uma ligeira alta salarial também repercutiu no custo anual. A maior potência mundial mantém mais de 800 bases militares no exterior, distribuídas por mais de 40 países aliados.

Trump ordenou também que seja criado “o quanto antes” um ramo do Exército dedicado ao espaço — “Que garanta o domínio norte-americano do cosmos” —, que deverá receber dezenas de bilhões de dólares desde seu primeiro ano. O republicano também herdou da Administração de Barack Obama a ideia de modernizar o arsenal atômico, um projeto que segundo os especialistas custaria cerca de três trilhões de dólares em um prazo de 30 anos.

Washington se retirou em fevereiro do Tratado de Forças Nucleares Intermediárias (INF, na sigla em inglês), um acordo de desarmamento alcançado durante a Guerra Fria. Moscou respondeu de maneira simétrica no dia seguinte. Na corda-bamba ficou o New START, outro tratado bilateral crucial que limita o número de ogivas nucleares da Rússia e Estados Unidos. O pacto termina em 2021 e, por enquanto, não há reflexos de que nenhum dos dois países planeje ampliá-lo.

Fleurant considera que a perda de mecanismos de controle armamentista entre as grandes potências provocará o aumento do gasto para desenvolver novos armamentos.

Além da acentuada desconfiança entre os EUA e a Rússia, cabe acrescentar que a China nunca participou desses tratados de controle armamentista, o que provocava receios tanto em Washington como em Moscou. O gigante asiático multiplicou por 15 seu gasto militar desde os anos oitenta, com aumentos anuais há 25 anos consecutivos. Em 2018, elevou-o em 5%, chegando a um quarto de trilhão de dólares. E desde que se converteu, em 2008, no segundo maior investidor mundial em Defesa, Pequim atribuiu a cada ano em torno de 2% de seu PIB ao reforço da sua capacidade militar.

Os Estados Unidos, a Rússia e a China competem pelo desenvolvimento de novos armamentos como os mísseis hipersônicos, que tornariam ineficientes os atuais sistemas de defesa. Diferentemente de Washington e Pequim, Moscou reduziu no ano passado seu gasto militar em 3,5%, embora Fleurant explique a redução pelo investimento extraordinário feito entre 2010 e 2015 para modernizar seu armamento. Por isso, a especialista acredita que o investimento russo crescerá em curto prazo, apesar das dificuldades econômicas que arrasta há anos por causa da queda do preço dos hidrocarbonetos e das sanções ocidentais.

A Arábia Saudita, por sua vez, se manteve como o terceiro maior investidor mundial em Defesa, além de ser o principal importador mundial de armamentos. O Reino do Deserto — que lidera a intervenção militar no Iêmen — destinou no ano passado 8,8% de seu PIB à Defesa, a percentagem mais alta entre todos os países analisados.

Em termos gerais, o gasto militar mundial cresceu 2,6% e superou 1,8 trilhão de dólares, atingindo o máximo histórico desde que existem cifras consideradas confiáveis (1988). Os dados do SIPRI não incluem alguns Estados com investimentos notáveis em Defesa, como a Coreia do Norte, a Síria, a Eritreia e os Emirados Árabes Unidos.

Aumentos na OTAN refletem receio com a Rússia

Os 29 membros da OTAN aumentaram conjuntamente seu gasto militar em 7% (249 bilhões de reais) em 2018 com relação ao ano anterior. França, Reino Unido, Alemanha, Itália e Espanha tornaram a elevar moderadamente seu gasto nos últimos anos depois dos fortes cortes que se seguiram à crise financeira de 2008.

Entretanto, são alguns dos membros mais recentes os que mais incrementaram seu investimento. Romênia, Bulgária, Lituânia e Letônia aumentaram seu gasto militar em torno de 20%; a Polônia, em 10%. “Não há um fator único, mas a inquietação que a Rússia provoca nesta zona é o principal”, diz por e-mail Nan Tian, pesquisador do SIPRI. Nan considera que a pressão que Trump exerce para que os sócios europeus elevem seu gasto em Defesa não foi determinante.

A Turquia também aumentou o gasto, 24%. “Está em plena modernização do Exército, e suas operações militares contra os curdos implicam um custo extra muito elevado”, afirma Nan.


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