03/05/2024 - Edição 540

Judiciário

Zanin: uma ingrata surpresa

Novato no STF mostra tendência ultraconservadora e acende alerta para a necessidade de gente mais ‘iluminada’ no Supremo

Publicado em 28/08/2023 10:56 - Leonardo Sakamoto (UOL) – Edição Semana On

Divulgação Imagem: Fellipe Sampaio/SCO/STF

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

O ministro Cristiano Zanin, que vem sendo alvo de críticas à esquerda por votos conservadores desde que foi indicado por Lula ao STF, acompanhou o relator Gilmar Mendes, além de André Mendonça e Kassio Nunes Marques, ao se posicionar contra o reconhecimento de uma ação sobre a violência policial sobre indígenas em Mato Grosso do Sul.

Os quatro acabaram derrotados, uma vez que os demais membros da corte seguiram a divergência da presidente Rosa Weber em julgamento virtual que terminou na sexta (25). Com isso, a ação foi aceita pelo Supremo Tribunal Federal.

A ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 1059 havia sido ajuizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), denunciando que a Polícia Militar atua “como milícia privada a serviço dos fazendeiros da região”, com ações violentas de desocupação forçada. A entidade pede medidas para proteger comunidades guarani e kaiowá.

No último dia 24, Cristiano Zanin se manifestou contra a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal. Aceitou criar uma quantia que diferencie o usuário do traficante, mas mantendo a penalização ao usuário. Por enquanto, o julgamento tem cinco votos pela descriminalização do uso da maconha e um contra — o dele.

Em outro caso que também gerou polêmica, Zanin foi relator de um recurso da Defensoria Pública da União (DPU). Em um caso em que dois homens furtaram um macaco velho de carro, dois galões de plástico vazios e menos de um litro de óleo diesel, ele votou para confirmar a pena de um a 2 anos e 26 dias de prisão e de outro a 10 meses e 20 dias.

Cita em seu relatório que isso vai ao encontro de jurisprudência da Corte e que um deles é reincidente. Não abraçou o argumento de que processar e colocar alguém em regime semiaberto por conta de um valor insignificante ao invés de procurar outras medidas de ressocialização, além do claro custo social e humano, representa um peso aos cofres públicos.

Votos de Zanin aumentam pressão para Lula indicar nome progressista

As posições de Zanin acenderam alerta para a próxima escolha do presidente Lula para o STF, uma vez que a ministra Rosa Weber, que tem posições progressistas e pró-trabalhador, se aposenta compulsoriamente no final de setembro por completar 75 anos.

Votos de Zanin e saída de Weber levam à campanha por nome trabalhista no STF

Com a saída de Marco Aurélio Mello, a presidente Rosa Weber se tornou a única dos integrantes do Supremo Tribunal Federal com origem trabalhista – ambos são oriundos do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Além disso, seus votos demonstram tendência pró-trabalhador, ao contrário da maioria da corte. Com isso, magistrados, procuradores, advogados e sindicalistas vêm pedindo a Lula que indique alguém da área para substitui-la após sua a aposentadoria, que ocorrerá no mês que vem.

Os votos do ministro Cristiano Zanin contrários à descriminalização do uso de maconha e à equiparação de homotransfobia à injuria racial e a favor de cadeia para furto de valores insignificantes aumentaram a pressão para que o presidente escolha uma mulher para a vaga de Weber. De preferência negra e progressista. Mas, para esse grupo, Lula precisa ir além.

“O caráter social da Constituição tem sofrido ataques e os direitos dos trabalhadores tem sido esvaziados. Infelizmente, o cenário que já não era positivo no STF piora muito com a saída de Rosa Weber”, afirma a constitucionalista e professora da FGV Direito-SP Eloísa Machado. “Seria de se esperar que um governo preocupado com a dignidade do trabalho escolhesse nomes comprometidos com os direitos dos trabalhadores para compor o STF. Entretanto, a indicação de Zanin mostra um desvio neste propósito”, avalia.

O jornalista Leonardo Sakamoto (UOL) conversou com fontes no TST e em Tribunais Regionais do Trabalho, no Ministério Público do Trabalho e advogados. Em comum, afirmam que junto com a questão da representatividade de gênero e raça, seria importante que Lula não deixe a proteção aos trabalhadores sair enfraquecida com sua escolha.

Avaliam que tanto o valor social do trabalho quanto a livre iniciativa são princípios fundamentais da República, mas que o primeiro está menos representado no STF do que o segundo. Creem que a posição de Zanin será mais favorável a empresas nessa questão.

O Anuário da Justiça do site Consultor Jurídico analisou a tendência de votos dos ministros da corte, em 2022, e apontou que, com exceção de Weber e de Edson Fachin, que foram pró-trabalhador em 71% dos casos analisados, os outros nove ministros proferiram mais votos pró-empresa. Desses, oito foram pró-empresa em 80% ou mais dos casos

“A ministra Rosa Weber tem sido um voto importante para a proteção dos trabalhadores. Vai fazer muita falta, principalmente se o presidente não indicar alguém com uma visão que garanta pluralidade à corte”, afirmou um procurador do MPT que pediu reserva quanto ao nome.

Uma fonte ouvida no TST foi pelo mesmo caminho. “É evidente a preocupação de Lula no combate à fome e à desigualdade. Para alcançar isso, a única forma é com a promoção de direito e cidadania econômica por meio do trabalho, uma vez que a imensa maioria dos cidadãos sobrevive do seu trabalho”, afirma.

Lula criticou Reforma Trabalhista na eleição

Em uma carta ao presidente Lula neste mês, os presidentes da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), da Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT) e da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat) pediram a nomeação de uma mulher vinculada ao direito do trabalho no lugar de Weber.

Defendem no documento que a indicação de uma mulher que esteja imbuída do “genuíno propósito de assegurar a concretude dos direitos sociais, fundamentais e humanos, é imprescindível à manutenção no STF de um viés interpretativo de valorização do trabalho e de fortalecimento do sistema de justiça trabalhista”.

Um advogado trabalhista com livre trânsito no Palácio do Planalto afirma que até o ex-presidente Bolsonaro entendeu a importância da discussão sobre o direito do trabalho no STF. E, com isso, quase indicou o conservador ministro do TST Ives Gandra Martins Filho para uma das duas vagas abertas. Ele é conhecido por suas posições pró-empresa.

Ao final, Martins Filho foi preterido pela indicação dos ministros Kassio Nunes Marques e André Mendonça. Mas bateu na trave.

Os ouvidos afirma que há em curso uma campanha contra o ramo do Poder Judiciário que trata de questões trabalhistas e que indicar alguém sensível aos pleitos de trabalhadores seria uma sinalização positiva de Lula, um ex-sindicalista e fundador do Partidos dos Trabalhador, para reforçar sua importância.

Lembram que Lula, que tanto criticou pontos da Reforma Trabalhista durante a eleição, deveria levar em conta que Rosa Weber e Edson Fachin têm sido as vozes críticas em casos de análise da reforma que chegam ao STF – mesmo que, por vezes, sejam votos derrotados.

Magistrados e procuradores apontam que há temas candentes que vão demandar decisões do STF, como a questão do trabalho para plataformas digitais.

“Há quem no Supremo encare entregadores como empreendedores livres. Mas esse ‘empreendedor livre’ está com uma bicicleta alugada do Itaú, levando uma caixa com o nome da iFood, transportando um lanche com fome, porque não terá tempo de parar para comer”, afirma um magistrado trabalhista.

A questão não se resolve com a indicação de um ministro ou uma ministra, claro. Tanto que uma das falhas mais apontadas pelos ouvidos pela coluna é a falta de juízes auxiliares no STF que sejam oriundos da área trabalhista. Mas já seria um alento.

“É essencial que alguém comprometido com o constitucionalismo social seja indicado no lugar de Rosa Weber”, resume Eloísa Machado.

Rosa Weber completa 75 anos no próximo dia 2 de outubro, o que torna sua aposentadoria compulsória. Lula não tem prazo para indicar uma substituta ou um substituto. O ministro Ricardo Lewandowski se aposentou em 11 de abril e Cristiano Zanin tomou posse apenas em 3 de agosto.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *