Especial
Publicado em 28/07/2014 12:00 -
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Adoção é um tema que já foi tabu em jantares e almoços de família, numa época em que o medo de que filhos sofressem discriminação por serem adotados induziu muitas famílias a manterem segredo sobre esta condição. Hoje, o assunto costuma ser tratado com mais naturalidade e frequentemente é encarado como a melhor alternativa para casais inférteis. O que antes era uma vergonha passou a ser motivo de orgulho tanto para pais como para filhos: as adoções finalmente se tornaram histórias com finais felizes. Por trás desta nova realidade existe uma clara evolução cultural, que se explica com base em muitas variáveis. Uma delas são os fortes exemplos retratados na mídia.
A cantora Madonna, que teve dois filhos biológicos, aumentou a família com mais duas crianças de origem Maláui. O casal de atores de Hollywood, Angelina Jolie e Brad Pitt, que também tiveram três filhos biológicos, adotaram mais três crianças em situação de vulnerabilidade, vindas de países africanos e asiáticos. No Brasil, a jornalista Glória Maria e a atriz Drica Morais, foram mais duas que ingressaram no rol de quem se tornou mãe por meio de processos de adoção.
Com tantos exemplos de figuras públicas, é natural que o assunto venha à tona com frequência – o que desperta bastante interesse dos aspirantes a pais. Isso é refletido em números: em todo o Brasil há mais de 27 mil candidatos habilitados, entre casais e pessoas solteiras, enquanto existem apenas cerca de 4.800 mil crianças à espera de uma família que as acolha.
Em todo o Brasil há mais de 27 mil candidatos habilitados, entre casais e pessoas solteiras, para cerca de 4.800 crianças à espera de uma família que as acolha.
Esta seria uma equação aparentemente favorável, mas a realidade assume tons sombrios quando constatamos que, na verdade, a demora está na fila de espera pela criança, e não no processo de habilitação, que varia somente de três a seis meses. A espera por crianças dentro do perfil mais desejado – meninas saudáveis de zero a três anos e sem irmãos – pode ser desestimulante. “Nós temos muito mais candidatos do que crianças. A conta não fecha porque os candidatos querem crianças com características específicas”, explica a juíza da Vara de Infância, Juventude e do Idoso da comarca de Campo Grande, Katy Braun.
Em outras palavras, e ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, não é a burocracia na habilitação de pais que faz o processo ser demorado, mas sim a idealização do filho. “Infelizmente, esta realidade vem de uma ideia equivocada de que se consegue controlar o ser humano criando-o desde bebê. o fato da criança vir de uma situação de vulnerabilidade não a transforma num marginal e, além disso, a idade das crianças que temos, de cinco a dez anos, não as tornam inaptas a um novo sistema familiar”, opina Braun.
A maioria das crianças acima de cinco anos, adolescentes, crianças com irmãos ou com deficiência mental ou física, costuma amargar em abrigos até atingirem a maioridade – mesmo com o jogo de cintura de juízes e assistentes sociais, que unem esforços para destinar lares a essas crianças seguindo lógicas complexas. Em resumo, caso a criança se encontre no perfil citado acima, é preciso contar com a sorte – ou com a flexibilidade dos candidatos a pais.
Como a fila anda
Historicamente, a falta de especificações legais implicava na existência de uma espécie de “comércio de crianças”, onde casais que não podiam ter filhos rodeavam famílias em situação de vulnerabilidade oferecendo melhores condições de criação do bebê. Para coibir esse assédio, a legislação atual obriga que todo e qualquer procedimento de adoção seja intermediado pela Vara da Infância e da Juventude.
Em 2009, houve uma alteração no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) com o fim de definir assuntos referentes à adoção. Porém, a nova legislação apenas acrescenta ao papel algumas diretrizes que já eram praticadas nos fóruns brasileiros. No artigo 50 do ECA, portanto, concentram-se as especificações legais do procedimento básico para habilitação. Conforme a lei, a primeira diretriz consiste na obrigação do poder público de manter dois cadastros – o de adotantes e o de crianças aptas à adoção.
O processo de habilitação, que deve atender um período de preparação psicossocial e jurídica, com orientação da equipe técnica das Varas da Infância e da Juventude. “É comum encontrar casais que reclamem do processo de habilitação, mas cada etapa do processo é necessária, até para verificar se o lar oferece condições de criação de uma criança”, destaca Braun.
No caso da funcionária pública Ana Theresa Faciroli e do técnico em eletrônica Roberto de Oliveira, que adotaram duas meninas, uma de dois e outra de sete anos, não há queixa quanto à demora. “Na nossa ficha pusemos a disponibilidade para adotar irmãs, já que nunca pensamos em ter filho único e assim a nossa adaptação também seria mais fácil. Por isso, a espera foi mínima. O processo de habilitação demorou cerca de seis meses, no máximo. Na fila de adoção, aguardamos mais seis”, revelam.
Já para o diretor de infraestrutura Cleiton Silva e para a gestora de marketing, Alessandra Barros, que também adotaram dois irmãos, de dois e três anos, a espera foi de aproximadamente dois anos. “Nossa habilitação quase perdeu a validade, precisaríamos renová-la, mas surgiu a possibilidade de adoção antes desse prazo e depois que a gente mudou a restrição de idade”, dizem.
Com o fim da espera, vem um novo desafio para a família, que é o período de adaptação. No prazo de cerca de seis meses, pais e filhos devem construir vínculos e uma rotina em comum. Caso exista harmonia entre as partes, a guarda definitiva é expedida. “Ter filho nem sempre sai como a gente planeja. No começo foi tudo muito complicado, principalmente com a minha filha mais velha, pois ela já tinha uma personalidade, comum para uma criança de sete anos, mas resistente a novas regras”, explica Ana Theresa Facirolli.
Da mesma forma, Alessandra Barros conta que também enfrentou dificuldades. “Em alguns momentos, durante a primeira semana, eu fiquei muito abalada. Além de ter sido uma mudança brusca, eu tinha acabado de sair de uma fertilização que não deu certo, então eu era uma bomba de hormônios. Pensei em desistir da adoção, pois achei que não ia dar conta. Mas recebi bastante orientação psicológica das técnicas da Vara da Infância, que me disseram o tempo todo que esse sentimento era comum. Graças a Deus a gente já se entendeu. O cenário mudou. Eles são meus filhos”, afirma.
De fato, a adoção não é um processo fácil. Quando surge o sofrimento as famílias precisam procurar ajuda, seja de psicólogo, seja nos grupos de apoio à adoção. A Vara da Infância, Juventude e do Idoso oferece assistência integral aos casais habilitados e com guarda provisória. “É um processo onde todas as partes estão muito sensíveis, e por isso mesmo qualquer desentendimento pode ser compreendido como se algo não estivesse dando certo. Mas as dificuldades iniciais são absolutamente normais. E para contorná-las é que existe esse suporte”, explica a juíza Katy Braun.
Passado o período de adaptação, as famílias costumam ter outro entendimento sobre os problemas comuns nesse processo. Muitas percebem que até famílias com filhos biológicos passam pelos mesmos dilemas. “Depois de todas as dificuldades que passamos, hoje eu estou bem feliz. Às vezes as pessoas fantasiam uma condição, mas na hora de processar tudo percebemos que há muitos desafios. Não é uma felicidade pronta, não é um presente que se desembrulha. É uma felicidade que vai sendo construída”, conclui Ana Theresa.
Requisitos
Em primeiro lugar, os candidatos precisam participar de um curso prático de 8h, com informações jurídicas, sociais e psicológicas sobre a adoção, oferecido gratuitamente pelas Varas de Infância e Juventude (em Campo Grande, ele é realizado a cada dois meses, normalmente). “O Casal passa por esse curso, tem uma ideia geral, tira as dúvidas e se a adoção for aquilo que ele almejava, é só formular um pedido e apresentar documentos. O processo de análises costuma demorar de três a seis meses e inclui uma série de laudos que guiarão o posicionamento do juiz”, aponta Braun.
Neste ponto, mais uma vez se confirma que a morosidade do processo de adoção está na escolha de características específicas da criança. Prova disso é que se candidato conseguiu habilitação e deseja um perfil que existe no cadastro, ela já pode receber a criança no dia seguinte. “Nesse caso, a demora no processo de adoção é apenas o tempo de acompanhamento, que é estabelecido normalmente em seis meses, mas o casal já convive com a criança. Durante esta guarda provisória, tanto a criança como o casal pode desistir do processo e nós acompanhamos isso tudo, colocando-nos a disposição nos conflitos que surgirem”, conclui.
O outro lado
Além de evitar o “comércio de bebês”, a intervenção do judiciário no processo de adoção também permite que as famílias que estão em situação de vulnerabilidade social recebam apoio do poder público para se fortalecerem e ficarem com seus filhos. Na maioria dos casos, as pessoas entregam seus filhos por limitações financeiras. Mas, se houver afeto, motivação e interesse, há possibilidade de se providenciar encontrar condições para que as crianças sejam criadas com os pais biológicos em vez de adotivos.
Entretanto, a proporção de aproximadamente 3,7 candidatos para cada criança apta a adoção no estado é alimentada por diversos fatores, sendo o principal deles a incapacidade dos pais cuidarem dos filhos – principalmente em função do consumo de drogas. É um fenômeno relativamente novo, já que antigamente os problemas com pais usuários de entorpecentes se concentravam em consumidores de álcool. “Hoje, mulheres e homens estão cada vez mais envolvidos com o consumo de drogas pesadas, o que faz com que a maioria esteja incapaz de cuidar dos próprios filhos. A maioria das crianças adotáveis que nós temos hoje são provenientes de lares em que os pais são dependentes químicos”, revela Braun.
Adoção Tardia e o Cadastro Nacional
Adoção tardia é um termo usado para especificar processos de adoção de crianças com mais de sete anos. É comum pensar que essas crianças ficaram nos abrigos desde recém-nascidas e que a morosidade da justiça não as disponibilizou para adoção. A verdade é que a situação de vulnerabilidade dessas crianças muitas vezes só é percebida quando ela vai à escola. São crianças que já chegam aos abrigos com mais de cinco anos, o que faz com que seja difícil a colocação delas em lares adotivos.
Também com o fim de gerar mais oportunidades de adoção para crianças com esse perfil, foi criado um cadastro nacional, instituído pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que reúne todas as crianças adotáveis do país numa única relação. No caso de Mato Grosso do Sul, todas as crianças aptas à adoção estão no cadastro.
Como todos os candidatos a adotantes também têm o nome incluído na lista, há possibilidade de que o perfil de criança desejado seja se outras localidades. “O cadastro permite essas pesquisas mais amplas, que nos ajudam a movimentar a fila. Já aconteceu, por exemplo, de casais de Mato Grosso do Sul adotarem crianças de outros estados. Da mesma forma, já foram encontrados pretendentes de crianças sul-mato-grossenses oriundos de outros estados”, explica Braun.
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