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Escândalo no TJMS expõe rede de corrupção na Justiça em Mato Grosso do Sul
Publicado em 25/10/2024 9:57 - Semana On, G1MS, Leonardo Sakamoto (UOL) – Edição Semana On
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Na última quinta-feira (24), cinco desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) foram afastados de seus cargos após uma operação que investiga a venda de decisões judiciais. A ação, batizada de Ultima Ratio, resultou em buscas, apreensões e a imposição de medidas restritivas, como o uso de tornozeleira eletrônica e a proibição de acesso a órgãos públicos por parte dos investigados.
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As investigações, conduzidas pela Polícia Federal (PF), apontam indícios robustos de que decisões judiciais teriam sido negociadas dentro da corte. Um dos elementos-chave da investigação foi a apreensão do celular do advogado Félix Jayme Nunes da Cunha, em 2021, que continha mensagens comprometedoras. As conversas interceptadas revelam diálogos do advogado com Danillo Moya Jeronymo, que ocupava um cargo comissionado no tribunal, e com o desembargador Marcos Brito, um dos cinco afastados.
Em uma das mensagens, datada de 6 de abril de 2021, Félix antecipa o resultado de um julgamento em tom de comemoração: “Vou faturar por 3×2… Pqp leilão danado kkkk… Cada um quer mais que o outro”, escreveu o advogado.
Os investigadores ressaltam que, em um novo contato, dois dias depois, Felix envia mensagem confirmando o resultado e reforçando a compra da decisão do TJMS. “Oh Solito, o seu eu vou sacar hoje, tá, é que eu tava complementando um pagamento daquele que foi terça, cara, ganhei por 3 x 2 lá, Bolachinha, Marcão e Divoncir, oh, coisa boa hein, Solito, aí, o seu eu ranco hoje, ontem eu terminei de pagar os caras lá”.
Além disso, diálogos de Félix com um interlocutor indicam que ele teria realizado pagamentos a um desembargador referido como “Gordo”, que a PF identificou como sendo Marcos Brito. Em uma das conversas, o advogado pede urgência no depósito de um valor destinado ao desembargador, que estaria pressionando por receber: “Já tá me ligando… não fura hoje, não”.
No relatório, os investigadores ressaltam que Sergio Fernandes Martins, Divoncir Maran e Marcos José Rodrigues decidiram revogar decisões de outros desembargadores para retornar a decisões em que já havia sido verificado “erro no mérito de causa”.
As decisões e as mensagens encontradas no celular do advogado são, sendo a PF, fortes indícios de que a “decisão proferida em 6 de abril de 2021 foi fruto de corrupção dos desembargadores citados”.
No decorrer das mensagens, Felix fala que efetuou pagamento de R$ 15 mil para “Gordo”. Segundo a apuração da PF, a mensagem se refere a pagamentos feitos para Marcos Brito, em razão da decisão proferida por ele em 2 de abril de 2019.
Em outra conversa, de 2016, o advogado recebe uma mensagem do filho do desembargador Sidinei Pimentel, garantindo um acordo: “Vai sair hoje !! Certeza !! Perto das 6 da tarde !! Pode falar para seus parceiros aí até o horário pra ver q temos o controle !!.
Em uma nova conversa identificada pela PF como indícios de possível negociação de decisão judicial, o advogado fala: “Ta barato prefeito. Vale”.
O interlocutor, que seria o então prefeito do município de Bodoquena (MS), pergunta se seria possível parcelar o pagamento. Felix Jayme da Cunha então responde: “Não dá prefeito ,é muita gente envolvida p dar certo.”
As investigações também levantaram suspeitas contra o desembargador Vladimir Abreu da Silva, apontado em diálogos gravados desde 2014. Em uma das interceptações, o então advogado Ary Raghiant Neto, hoje desembargador do TJ-MS, menciona ter tratado com Vladimir sobre o resultado de um julgamento em favor de um empresário.
Outras conversas interceptadas sugerem que o empresário João Amorim e Osmar Domingues Jeronymo, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso (TCE-MS), teriam discutido uma decisão de Vladimir Abreu tomada durante um plantão da Justiça. Em um dos trechos, Jeronymo menciona as “oferendas” envolvidas na negociação: “É um trem de maluco, sorte que a gente tem assim passado, compromisso, entendeu? Não é de um dia só”.
A ação policial culminou no afastamento temporário, por 180 dias, do presidente do TJ-MS, Sérgio Fernandes Martins, e dos desembargadores Vladimir Abreu da Silva, Marco José de Brito Rodrigues, Sideni Soncini Pimentel e Alexandre Aguiar Bastos.
PF apreende quase R$ 3 milhões na casa de desembargador
No decorrer das ações, a Polícia Federal apreendeu quase R$ 3 milhões de reais, em dinheiro vivo, na casa do desembargador aposentado Júlio Roberto Siqueira Cardoso. Nas imagens que circularam pela internet é possível ver notas de R$ 50, R$ 100, R$ 200 e até mesmo dólares. Além do dinheiro, também foram apreendidos na residência documentos, mídias, computadores e celulares.
O desembargador Júlio Roberto Siqueira Cardoso, se aposentou do TJMS neste ano, após 40 anos de magistratura.
Coaf apontou movimentações atípicas
Entre os principais indícios de corrupção no TJMS estão relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que apontam movimentações financeiras atípicas de integrantes da corte e assessores.
Os relatórios financeiros indicam que alguns desembargadores e seus funcionários realizaram transações suspeitas, incluindo o uso frequente de dinheiro vivo para aquisição de bens de luxo, o que, segundo a PF, dificulta o rastreamento da origem dos recursos. Entre as aquisições estão joias, imóveis e veículos, além de pagamento de despesas pessoais.
Um dos casos que chamou a atenção da PF envolve o assessor de um desembargador que teria sacado dinheiro em espécie para pagar boletos bancários pessoais do magistrado. Segundo as investigações, o esquema pode ter abrangido até o pagamento de despesas cotidianas dos desembargadores com dinheiro vivo, prática vista como tentativa de dificultar o rastreio das operações.
As transações descritas nos relatórios do Coaf são consideradas como provas robustas de que o esquema envolvia, além dos magistrados, funcionários e advogados. Entre os envolvidos diretamente pelas movimentações financeiras está o desembargador Alexandre Aguiar Bastos, cujos assessores foram apontados como participantes de operações suspeitas.
De acordo com os documentos do Coaf, Bastos teria utilizado grandes quantidades de dinheiro vivo para a compra de joias, imóveis e automóveis, sem que as transações bancárias correspondentes fossem identificadas. Um dos relatórios menciona a aquisição de um imóvel e a compra de veículos, incluindo uma moto aquática, que foram pagas sem qualquer comprovação de origem lícita do dinheiro.
Tudo começou em Maracaju
Uma disputa judicial envolvendo uma fazenda de 592 hectares em Maracaju, Mato Grosso do Sul, trouxe à tona o suposto esquema de venda de sentenças no TJMS. As investigações da Polícia Federal apontam a participação de três desembargadores na fraude: Vladimir Abreu da Silva, Júlio Roberto Siqueira Cardoso (aposentado) e Alexandre Aguiar Bastos.
A história começou em 2013, quando uma fazendeira de Maracaju tomou um empréstimo de R$ 500 mil com o empresário Percival Henrique de Souza Fernandes, da PG Agropastoril. No ano seguinte, ela obteve mais R$ 950 mil com o mesmo empresário. Já em 2015, para conseguir novos créditos, a fazendeira ofereceu como garantia uma parte de sua propriedade – os 592 hectares – para a empresa de Percival.
Além disso, em 2015, Diego Moya Jerônimo, sócio da empresa DJM Logística e Transportes, emprestou R$ 2 milhões à mulher. Parte desse valor, R$ 1,3 milhão, foi diretamente para Percival, quitando parte das dívidas da fazendeira, enquanto os outros R$ 700 mil foram destinados à própria mulher.
O conflito começou em 2016, quando a fazendeira procurou os empresários para quitar sua dívida e recuperar as terras. No entanto, Percival e Diego se recusaram a devolver a propriedade, afirmando que haviam comprado a fazenda legalmente.
Diante da recusa, a fazendeira entrou com uma ação judicial para reaver suas terras, alegando que os empresários se apropriaram indevidamente da fazenda. Durante o processo, um exame pericial indicou a falsificação das assinaturas da fazendeira nos documentos de venda da propriedade, que haviam sido registrados em cartório.
Os empresários afirmaram ter adquirido as terras por R$ 6,1 milhões. No entanto, surgiram evidências de irregularidades nas transações, incluindo o envolvimento do conselheiro Osmar Jerônimo e seu sobrinho, Danillo Moya Jerônimo, servidor comissionado do TJ-MS, bem como do advogado Felix Jayme Nunes da Cunha. Felix representava os empresários na tentativa de obter decisões judiciais favoráveis.
Segundo a PF, há indícios de que uma decisão judicial favorável aos empresários foi comprada. Em uma troca de mensagens interceptada entre Danillo e Felix Jayme, ocorrida em abril de 2012, é sugerido que houve a compra de uma decisão em um julgamento envolvendo embargos de declaração cível.
No julgamento de primeira instância, o juiz responsável pelo caso ordenou que os empresários apresentassem provas documentais da compra e venda do imóvel, incluindo os comprovantes de pagamento. No entanto, o advogado Felix Jayme recorreu da decisão, e o recurso foi acolhido pelos desembargadores Vladimir Abreu, Júlio Cardoso e Alexandre Bastos, resultando em uma decisão favorável aos empresários.
Mais tarde, a defesa da fazendeira apresentou um recurso especial, mas este foi inadmitido pelo desembargador Sideni Pimentel, que também está entre os magistrados afastados por suspeita de participação no esquema de venda de sentenças.
O relatório da Polícia Federal aponta para a existência de uma rede de corrupção envolvendo desembargadores e advogados. O documento destaca que há fortes indícios de que advogados próximos dos desembargadores atuavam como intermediários no esquema, facilitando o contato com interessados na compra de decisões judiciais.
“As diligências realizadas apontam a existência de indícios de outras irregularidades na atuação dos desembargadores investigados, […] cujas análises buscaram verificar a existência de vínculos entre desembargadores e escritórios de advocacia”, diz um trecho do relatório da PF. O documento sugere que os magistrados envolvidos usavam advogados como operadores do esquema, estabelecendo uma conexão entre seus escritórios e as partes interessadas em decisões compradas.
Tudo em família
As investigações apontam que, além dos magistrados, o esquema envolve filhos, esposas e sócios dos envolvidos.
Entre os alvos da investigação estão os filhos de quatro desembargadores que, segundo a PF, desempenhavam papel central no esquema de venda de decisões judiciais. A quebra de sigilo bancário, fiscal e telemático foi solicitada para Vladimir Abreu da Silva e seus filhos Ana Carolina e Marcus Vinícius, Alexandre Bastos e sua filha Camila Bastos, além dos filhos do desembargador aposentado Divoncir Schreiner Maran e de Sideni Soncini Pimentel.
As investigações revelam que Marcus Vinícius Abreu, filho de Vladimir, dividia um escritório de advocacia com Rodrigo Pimentel, filho de Sideni Pimentel, o que sugere uma estreita ligação entre eles. Em um caso relatado pela PF, Marcus teria atuado junto ao advogado Felix Jayme Nunes da Cunha para receber um pagamento milionário em uma ação contra o Banco do Brasil. Coincidentemente, dois dos três desembargadores que deram a decisão favorável eram Divoncir Maran e Marcos Brito, cujos filhos também são sócios em um escritório de advocacia.
A proximidade entre os filhos dos magistrados, que operavam diretamente no suposto esquema, foi um dos principais pontos de investigação. “A negociação de decisões judiciais ocorria por intermédio dos filhos dos desembargadores, os quais são, em sua maioria, advogados e sócios de escritórios de advocacia”, aponta o relatório da PF, ressaltando que os advogados utilizavam suas pessoas jurídicas para dificultar o rastreamento do dinheiro.
As esposas dos desembargadores também foram citadas no esquema. Maria Aparecida Gonçalves Pimentel, esposa de Sideni Pimentel, foi mencionada por ter recebido cotas de uma empresa em nome de seu filho, Rodrigo Pimentel, no valor de R$ 657 mil, após a venda de imóveis que não haviam sido declarados anteriormente. Além disso, sua filha, Renata Pimentel, foi apontada em transações suspeitas, levantando dúvidas sobre o uso de patrimônio familiar para ocultar a origem dos recursos.
Outro caso envolve Mirella Thomaz da Silva Cunha, esposa do advogado Felix Jayme Nunes da Cunha. Mirella teria participado como sócia de uma empresa de transportes e, posteriormente, transferido suas cotas ao marido após receber R$ 1 milhão de um sócio da empresa, que também mantinha ligações com Marcus Vinícius, filho de Vladimir Abreu. Essa rede de transações complexas reforça a ligação entre os operadores do esquema e os desembargadores.
Além dos vínculos familiares, a investigação revelou a participação de advogados influentes no esquema. Camila Bastos, filha de Alexandre Bastos e atual vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso do Sul (OAB-MS), foi apontada como beneficiária de decisões judiciais favoráveis proferidas pelo próprio pai, que, antes de assumir a vaga de desembargador, era sócio de seu escritório.
Outro nome citado foi o presidente afastado do TJ-MS, Sérgio Fernandes Martins, que também entrou para a magistratura pelo Quinto Constitucional, indicação da OAB. Sérgio foi sócio do advogado Felix Jayme antes de se tornar desembargador, e as investigações indicam evidências de pagamento de propina por parte de Felix em troca de decisões judiciais favoráveis.
Super salários
Os desembargadores afastados do TJMS Sérgio Fernandes Martins, Vladimir Abreu da Silva, Alexandre Aguiar Bastos, Sideni Soncini Pimentel, Marcos José de Brito Rodrigues receberam “supersálarios” que chegam a R$ 200 mil líquidos, de acordo com o Portal da Transparência do Tribunal de Justiça.
O salário-base de desembargador em Mato Grosso do Sul é de R$ 39.717,69 mas a composição abrange uma série de vantagens não especificadas pelo TJMS que chegam a quintuplicar o valor líquido recebido mensalmente. O desembargador Marcos José de Brito Rodrigues, por exemplo, recebeu salário líquido de R$ 209.198,42 em fevereiro deste ano.
Na composição do salário dos magistrados constam acréscimos como “vantagens pessoais” e “vantagens eventuais”. A reportagem entrou em contato com o TJ para saber detalhes dessas vantagens e em quais situações elas são concedidas, mas não tinha recebido resposta até a última atualização desta reportagem.
Para entender como é composto o salário de um desembargador, reunimos as informações do Portal da Transparência referente ao último pagamento feito aos magistrados, em setembro. Confira:
ALEXANDRE AGUIAR BASTOS
Vantagens pessoais: R$ 18.894,30
Subsídio, Função de Confiança ou Cargo em Comissão (salário-base): R$ 39.717,69
Indenizações: R$ 23.167,33
Vantagens eventuais: R$ 10.061,82
Rendimento líquido (salário líquido): R$ 67.603,77
MARCOS JOSÉ DE BRITO RODRIGUES
Vantagens pessoais: R$ 16.090,61
Subsídio, Função de Confiança ou Cargo em Comissão (salário-base): R$ 39.717,69
Indenizações: R$ 23.167,33
Vantagens eventuais: R$ 59.576,53
Rendimento líquido (salário líquido): R$ 100.556,86
SÉRGIO FERNANDES MARTINS (PRESIDENTE DO TJMS)
Vantagens pessoais: R$ 47.619,45
Subsídio, Função de Confiança ou Cargo em Comissão (salário-base): R$ 39.717,69
Indenizações: R$ 23.167,33
Vantagens eventuais: R$ 20.785,99
Rendimento líquido (salário líquido): R$ 90.048,68
SIDENI SONCINI PIMENTEL
Vantagens pessoais: R$ 19.268,03
Subsídio, Função de Confiança ou Cargo em Comissão (salário-base): R$ 39.717,69
Indenizações: R$ 23.167,33
Vantagens eventuais: R$ 9.929,42
Rendimento líquido (salário líquido): R$ 61.927,16
VLADIMIR ABREU DA SILVA
Vantagens pessoais: R$ 15.296,26
Subsídio, Função de Confiança ou Cargo em Comissão (salário-base): R$ 39.717,69
Indenizações: R$ 23.167,33
Vantagens eventuais: R$ 0
Rendimento líquido: R$ 51.997,74
Os altos valores pagos aos desembargadores também se repetiram ao longo de 2024. Em março, por exemplo, o presidente do TJMS, Sérgio Fernandes Martins recebeu R$134.332,05. Já no mês de agosto, Alexandre Aguiar Bastos recebeu R$ 153.257,36, e Sideni Soncini Pimentel, R$ 125.397,40. Os valores estão entre os maiores salários recebidos entre os cinco investigados neste ano.
Ricos que pagam faz-me-rir a juízes reforçam que Justiça para pobres é mito
Os escândalos de venda de sentenças envolvendo o Superior Tribunal de Justiça e outros tribunais, como o do Mato Grosso do Sul, reforçam algo que é amplamente conhecido por qualquer um que ganhe até dois salários mínimos: a interpretação da lei, não raro, depende de quanto você tem em conta.
Não apenas por movimentar caras bancas de advogados enquanto as Defensorias Públicas amargam falta de recursos. Mas também porque, se você tem o bastante para fazer sorrir a parcela dos magistrados que está à venda, o Brasil é uma delícia.
Não é porque o Poder Judiciário foi fundamental para manter a democracia viva por aqui em um momento em que o Poder Executivo chafurdava em golpe de Estado e o Legislativo estava bêbado de emendas parlamentares que os problemas históricos de falta de transparência da Justiça devem ser esquecidos.
A venda de sentença, que beneficia quem tem dinheiro para pagar, é absurda, mas pequena se comparada com a quantidade de magistrados que decide não de olho na lei, mas alinhados com os interesses da classe social ao qual pertencem. E, deixando claro, juiz, desembargador e ministro não costumam vir da favela.
Enquanto a proporção de negros nas prisões for maior que a de negros na sociedade, podemos dizer que Justiça é uma construção porcamente ajambrada por aqui, por exemplo. Ou vocês acham normal que, diante da mesma quantidade de erva, um jovem branco ser encaminhado para casa com uma bronca e um jovem negro mandado para o xilindró?
Acreditam que é defensável que magistrados, diante de casos de trabalho escravo, defendam fortemente os empregadores mesmo com toneladas de provas, imagens, testemunhas e documentos coletados por auditores fiscais e procuradores do trabalho? Cansei de sair de julgamentos com a impressão de que o advogado de defesa dos escravagistas não estava sozinho.
Aliás, o desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina Jorge Luiz de Borba, acusado de manter Sônia Maria de Jesus em situação de escravidão doméstica por quase 40 anos, foi autorizado pelo STF e pelo STJ a levar a trabalhadora de volta para a casa dele. Negra e surda, ela estava em um abrigo desde que havia sido resgatada por um grupo especial de fiscalização do poder público federal em junho do ano passado.
Só recentemente, graças a uma habeas corpus coletivo obtido no STF pelo Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CaDHu), grávidas e mães de filhos pequenos que estão presas sem condenação judicial e não tenham cometido crime violento começaram a ver efetivado o direito à prisão domiciliar, previsto em lei. O gancho para o HC foi que Adriana Ancelmo, esposa do ex-governador do Rio Sergio Cabral, desfrutava do mesmo direito.
Não são todos os magistrados que operam nessa lógica. Na Justiça do Trabalho, por exemplo, até por sua natureza, muitos juízes, desembargadores e ministros demonstram clara preocupação com os direitos dos mais vulneráveis.
O impacto de não resolvermos esse desequilíbrio se faz sentir no dia a dia das periferias das grandes cidades, nos grotões da zona rural, em manifestações de rua, com o Estado aterrorizando, reprimindo e condenando parte da população (normalmente mais pobre) em benefício ou com a anuência da outra parte (quase sempre mais rica).
Na disputa entre oprimidos e opressores, a Justiça não pode tomar partido destes últimos, mas tem feito isso sistematicamente, para aplauso daqueles que encaram que o Judiciário os pertence. Mais do que cega, ela precisa ser justa, ao contrário do que querem alguns mercadores de sentenças que vagam pelas cortes de todo o país e alguns bem-nascidos que acham que as instituições servem para defendê-los das castas indesejáveis.
Operação em andamento
A operação batizada de Ultima Ratio, que investiga crimes de corrupção no Judiciário de Mato Grosso do Sul, segue em andamento e novas revelações podem surgir nas próximas semanas. A Polícia Federal já mencionou que continua analisando as provas coletadas, e os envolvidos ainda terão direito à defesa. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi o responsável por expedir os mandados de busca e apreensão que deram origem à operação.
As investigações sobre o caso também incluem denúncias de lavagem de dinheiro, extorsão e falsificação de documentos públicos, que estariam sendo utilizados para encobrir as transações ilícitas. Até o momento, cerca de 200 policiais federais estão envolvidos nas diligências, que foram realizadas em Mato Grosso do Sul e outras localidades como Brasília, São Paulo e Cuiabá.
A expectativa é que novas fases da operação possam ser deflagradas conforme as provas sejam analisadas, ampliando o escopo das investigações sobre corrupção no Judiciário brasileiro.
Tribunal nega impacto no funcionamento
Em nota, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul afirmou que as medidas determinadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetam “exclusivamente alguns desembargadores, magistrado e servidores”, sem prejudicar o andamento dos serviços judiciais prestados à população. A corte também destacou que os investigados terão direito a ampla defesa e que ainda não há qualquer juízo definitivo de culpa.
Os mandados de busca e apreensão foram expedidos pelo ministro Francisco Falcão, do STJ, e cumpridos por cerca de 200 policiais federais em várias cidades, incluindo Campo Grande, Brasília, São Paulo e Cuiabá.
A operação investiga crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, organização criminosa, extorsão e falsificação de documentos públicos no Judiciário de Mato Grosso do Sul. As apurações seguem em andamento, e novos desdobramentos são esperados nas próximas semanas.
O que diz o TJMS?
O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul informou ter conhecimento da operação, mas que não iria se posicionar sobre as investigações. Veja a íntegra:
“O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) informa ciência sobre operação deflagrada na manhã de hoje, 24 de outubro, nas dependências desta Corte.
Até o presente momento, o TJMS não teve acesso aos autos e ao inteiro teor da decisão que motivou a ação. Em virtude disso, não dispomos de subsídios suficientes para emitir qualquer declaração ou posicionamento sobre os fatos.
Reiteramos nosso compromisso com a transparência e a legalidade, e assim que tivermos mais informações, estaremos à disposição para atualizações.”
O que diz a AMAMSUL?
Procurada, a Associação dos Magistrados de Mato Grosso do Sul (AMAMSUL) informou que acompanhará o desenrolar dos acontecimentos. Veja a íntegra:
“Considerando o procedimento de busca e apreensão de documento, por ordem do Ministro Francisco Falcão, do Superior Tribunal de Justiça, realizado na data de hoje nos gabinetes do Tribunal de Justiça e no Fórum de Campo Grande, a AMAMSUL vem a público esclarecer que a medida visa à elucidação de fatos ainda em fase de investigação.
Registra-se, neste sentido, que o procedimento segue sob sigilo, por determinação do próprio STJ, sendo que a AMAMSUL acompanhará do desenrolar dos acontecimentos, certa de que aos Desembargadores e ao Juiz será assegurado o devido processo legal”.
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