18/05/2024 - Edição 540

Especial

A pandemia não acabou

Publicado em 26/01/2022 12:00 -

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O avanço da variante Ômicron já causa uma explosão de casos e internações no Brasil. Números do Observatório Covid Fiocruz atestam que em sete unidades da Federação a ocupação dos leitos de UTI covid-19 ultrapassa 80%; o Distrito Federal chegou – no último dia 25 – à ocupação máxima. Além disso, o País registrou no mesmo dia o maior número de mortes desde novembro e a maior taxa de transmissão do vírus desde julho de 2020. Para especialistas, o momento é de preocupação e de reavaliar as medidas de prevenção e de restrição de aglomeração.

Sobre ocupação dos leitos de UTI destinados à covid-19, os números da Fiocruz mostram que o porcentual está acima de 80% em Distrito Federal, Espírito Santo (80%), Goiás (82%), Mato Grosso do Sul (80%), Pernambuco (81%), Piauí (82%) e Rio Grande do Norte (83%). Em São Paulo, é de 65% no Estado e de 71% na capital (dados de ontem). No Rio, a situação é um pouco mais preocupante: 62% no Estado, mas 96% na capital.

“Não é a mesma situação que tivemos há um ano. Hoje, o número total de leitos é muito menor que em agosto. Além disso, tenho muita fé na vacina, não acredito que vamos reviver o que já vivemos, com pessoas chegando aos hospitais sem respirar, praticamente mortas”, afirmou a pesquisadora Margareth Portela, do Observatório Covid-19/Fiocruz. “Mas não dá para menosprezar que existe um crescimento e que seguimos vivendo como se não houvesse uma pandemia; as pessoas estão tratando isso como se fosse uma ‘gripezinha’ e não é. Precisamos de novas medidas.”

Além disso, o novo Boletim Infogripe Fiocruz mostra que 25 das 27 unidades da Federação apresentam tendência de crescimento de casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) nas últimas seis semanas.

Nas capitais, 23 das 27 apresentam igualmente sinal de crescimento. “Certamente estamos vivendo uma explosão de casos da Ômicron, e isso já era mais ou menos esperado pelo que acompanhamos no restante do mundo; a variante é dos vírus mais infecciosos de que se tem notícia”, afirmou o presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, Flávio Guimarães, pesquisador da UFMG. “Acho que o momento é de repensarmos algumas estratégias; não acho que seja necessário um lockdown, mas não é possível seguir com o processo de abertura.”

Trasmissão

O Imperial College de Londres, referência em análise da crise sanitária, apontou que a taxa de transmissão (Rt) no Brasil está se expandindo e já é a maior desde julho de 2020: 1,78. Isso significa que cada 100 pessoas contaminadas infectam outras 178. Na semana passada, esse indicador estava em 1,35 – após os números ficarem quase um mês sem ser calculados, pelo apagão de informações no Ministério da Saúde. Somente quando esse índice fica abaixo de 1 pode-se dizer que a doença está arrefecendo; agora, está acelerando.

“É descontrole total”, diz a integrante do Comitê de Combate ao Coronavírus da UFRJ e especialista em gestão em saúde Chrystina Barros. “Nosso modelo matemático baseado exclusivamente na taxa de transmissão indica lockdown, mas isso, por si só, não é suficiente.

De qualquer forma, há outras medidas a serem implementadas, como a obrigatoriedade do uso de máscaras em espaços abertos, restrição do número de pessoas em locais fechados e também no transporte público. Não dá para cancelar o carnaval e manter o Maracanã com 50 mil pessoas.”

Mortes e casos

O novo avanço da pandemia também é notado nos balanços dados diários do consórcio de veículos de imprensa. O Brasil voltou a registrar mais de 450 mortes diárias nesta semana, os maiores números desde 12 de novembro. A média semanal de vítimas, que elimina distorções entre dias úteis e fim de semana, ficou em 332, mantendo tendência de crescimento pelo 14° dia consecutivo. O número de novas infecções foi de 199.126, o terceiro maior número da pandemia. A média móvel de testes positivos atingiu um novo pico e está em 159.789. 

Segundo especialistas, a situação atual só não é mais grave por dois motivos. Um é que a Ômicron é aparentemente menos virulenta que suas antecessoras. Outro – sobretudo – é porque o vírus agora se espalha em uma população já amplamente vacinada. Por isso, o número de casos graves e mortes não cresceu na mesma proporção que o número de novas infecções. O número de pessoas vacinadas com ao menos uma dose contra a covid-19 no Brasil chegou nesta terça-feira, a 163.389.955, o equivalente a 76,06% da população total, segundo o consórcio de veículos de imprensa – e 148,5 milhões receberam a segunda dose ou um imunizante de aplicação única, o que corresponde a 69,15%.

Mas, se a disseminação do vírus se mantiver nessa velocidade, pode haver sobrecarga nos sistemas de saúde. Há também o risco do surgimento de uma nova variante. 

“A Ômicron prevalece nas vias aéreas superiores, não desce muito para os pulmões. Além disso, a variante é mais suscetível ao interferon, que é uma molécula produzida pelo organismo que ajuda no combate ao vírus. Por isso, ela não causa tantos casos graves e mortes”, explica Flávio Guimarães. “Mas, se não limitarmos a circulação do vírus, os casos graves e as mortes vão aparecer: é uma questão matemática. E se o vírus continuar se multiplicando de forma descontrolada, novas variantes podem surgir.” 

Expansão da covid no mundo desacelera, mas Brasil vai em direção oposta

A OMS (Organização Mundial da Saúde) revela que a expansão da variante ômicron pelo planeta dá sinais de perder força. Mas, no Brasil, a proliferação da doença subiu em 73% em apenas sete dias, com um aumento de mais de 80% em mortes.

Os dados publicados nesta terça-feira revelam que, no mundo, 21 milhões de novos casos foram registrados na semana que terminou no domingo, um novo recorde. Ainda assim, o aumento em comparação à semana anterior foi de apenas 5%, depois de saltos inéditos ao longo do mês de janeiro e que chegaram a mais de 50%.

Na OMS, os números foram interpretados como um sinal de que, em alguns locais, a variante ômicron poderia estar se estabilizando. Mas a agência insiste que é muito cedo para comemorar, principalmente diante do elevado número de mortes e da superlotação de hospitais.

No caso brasileiro, porém, a situação é diferente. De acordo com a OMS, o Brasil voltou a aparecer entre os países com maior número de novos casos. A liderança continua sendo dos EUA, com 4,2 milhões de novos infectados. Mas a queda no caso americano foi de 24% em uma semana. Na França, foram 2,4 milhões de casos e alta de 21%. A Índia registrou 2,1 milhões de casos e aumento de 33%, contra uma situação estável na Itália de 1,2 milhão.

O Brasil, que havia desaparecido da lista dos principais epicentros da doença, volta a ocupar a quinta colocação, com 824 mil casos na semana, um aumento de 73%.

No que se refere às mortes, a OMS registra uma estabilização no número global. Em uma semana, foram cerca de 50 mil óbitos, um aumento de 1% em relação aos sete dias anteriores. Na Europa, houve até mesmo uma contração de 5%.

Mas, no caso brasileiro, a expansão é uma das mais altas. O aumento nos sete dias foi de 81%, para um total de 1,7 mil óbitos.

Em termos de mortes, o pior cenário continua sendo dos EUA, com 10,7 mil novas vítimas. Trata-se, porém, de uma queda de 17%. Na Rússia, foram 4,7 mil mortes, uma redução de 7%. O ritmo de expansão no Brasil, se não sofrer uma mudança, poderá recolocar o país de novo entre os locais com o maior número de mortes.

Na semana passada, a taxa brasileira se aproximou aos números britânicos, com 1,8 mil mortes.

No total, desde o início da pandemia, o Brasil registrou o terceiro maior número de casos e de óbitos.

Imunização completa contra a covid-19 ainda não substitui o uso de máscaras

Desde o início da pandemia, o uso de máscaras é recomendado para reduzir a transmissão do vírus e proporcionar segurança à população. No entanto, com o avanço da campanha de vacinação e a consequente diminuição dos casos de covid-19 no Brasil, governos de alguns estados suspenderam a obrigatoriedade do uso de máscaras em público, mas voltaram atrás em sua decisão com a chegada da variante ômicron, altamente transmissível, ao país.

Professora do ICB (Instituto de Ciências Biomédicas) da USP e especialista em imunologia, Ana Paula Lepique reforça a importância da manutenção das medidas de segurança contra o vírus neste momento de retomada às atividades presenciais.

"A flexibilização do uso de máscaras é extremamente prematura, e gera situações em que as pessoas vão se expor mais", diz. A pesquisadora exemplifica: "Pode acontecer de alguém sair para a rua sem usar máscara, e então lembrar que precisa comprar algo na farmácia. Ela só vai ficar um minutinho na loja, mas vai estar sem máscara".

Em um momento inicial, a imunização completa com duas ou três doses da vacina, a depender de seu fabricante, não substitui o uso de máscaras. "A vacinação tem um efeito protetor muito importante na população, mas algumas pessoas apresentam condições de saúde e fatores de risco diferentes e, mesmo imunizadas, podem se infectar", explica Ana Paula.

Em tal caso, a proteção individual é capaz de assegurar a saúde coletiva: a máscara, segundo a professora, cria uma barreira física que dificulta a passagem do vírus de um indivíduo para outro.

Proteção independe da variante

As máscaras também são eficazes contra novas variantes, incluindo a recém-descoberta ômicron. "Por mais que ocorram mutações nos vírus, as partículas virais continuam muito parecidas entre si. Pequenas alterações em uma proteína ou outra não alteram seu tamanho, aderência e outras características bioquímicas no geral", conta a professora.

Contudo, o tipo de máscara utilizado impacta significativamente no nível de segurança contra a contaminação. "Máscaras de tricô, crochê, ou de um tecido fino não têm eficiência. Talvez você possa trocá-las várias vezes por dia, sempre lembrando de lavar as mãos depois, mas existem máscaras mais adequadas disponíveis no mercado e que não são tão caras", destaca.

Ana Paula recomenda o uso das máscaras PFF2 ou N95, modelos equivalentes, que têm sua eficácia certificada por órgãos reguladores do Brasil e Estados Unidos, respectivamente. Ambos os respiradores — termo técnico referente a esse tipo de máscara — apresentam cerca de 94% de eficiência na filtragem de partículas, e por isso são os mais indicados na prevenção do coronavírus.

As PFF2 e N95 são mais seguras do que máscaras de pano e máscaras cirúrgicas, porque impedem o vazamento de ar não filtrado pelas laterais.

Os respiradores contam com clipes nasais, pequenas peças de metal acima do nariz que auxiliam no ajuste do equipamento protetor ao rosto. Caso utilizadas corretamente, cobrindo o nariz, a boca e o queixo, as máscaras podem barrar um novo aumento no número de casos e evitar o prolongamento da pandemia.


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