Entrevista

Entrevista: Ricardo Alexandre Corrêa Bueno, presidente do Conselho Estadual de Saúde e do Sindicato dos Trabalhadores em Seguridade Social do Mato Grosso do Sul.

Publicado em 24/11/2013 12:00 -

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A criação de feudos na saúde em Mato Grosso do Sul está prestes a gerar outra crise. Desta vez, o problema é a possibilidade de interrupção nas cirurgias do Hospital Universitário (HU) devido à finalização do contrato entre o HU e a empresa Servan Anestesiologia, que centraliza 97% dos profissionais do setor no Estado. Esta e outras crises na saúde sul-mato-grossense poderiam ser prevenidas com um controle social forte e atuante. No entanto, dependentes do poder público, os Conselhos de Saúde são, muitas vezes, manietados em suas funções. É sobre este tema que conversamos com o técnico de enfermagem Ricardo Alexandre Corrêa Bueno, presidente do Conselho Estadual de Saúde e do Sindicato dos Trabalhadores em Seguridade Social do Mato Grosso do Sul.

 

Por Victor Barone

O Hospital Universitário (HU) de Campo Grande deve suspender as cirurgias temporariamente a partir do próximo dia 26 devido à rescisão do contrato com a empresa Servan Anestesiologia, que presta serviço para o hospital. O que isso vai gerar na saúde do Estado?

Confirmada esta situação será um caos no Estado. O Hospital Regional, por exemplo, não irá absorver esta demanda.

Pode-se dizer que a Servan instituiu um cartel nos serviços de anestesiologia no Estado?

No Mato Grosso do Sul, hoje, você tem feudos não só na anestesiologia, mas na cardiologia, ortopedia, oncologia, neurologia, nefrologia. São feudos que impedem a livre concorrência. Muitas vezes um hospital privado não consegue negociar diretamente com o médico, pois estes grupos impedem. Isso ocorreu dentro da anestesia.

O Ministério Público Federal (MPF) apresentou no último dia 20, uma Ação Civil Pública, com pedido de liminar, para acabar com o cartel da Servan.

Tem que investigar mesmo, pois alguma coisa está errada. Não tem condições de haver apenas uma empresa dominando este serviço no Estado. A Servan está, desde 2009, na mira do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A empresa tem 97% dos médicos anestesistas do Estado. Por dominar o setor, o Cade desconfia que a Servan força a contratação com preços acima dos praticados no mercado. O Ministério Público Federal está cobrando da Justiça a suspensão das atividades da empresa ou que reduza para 20% o número de médicos credenciados. Pede também que a Servan mantenha o serviço em troca do pagamento com base na tabela do Sistema Único de Saúde (SUS). Mas a grande questão é a criação de vagas de anestesistas no hospital e a abertura de concurso público para sanar de vez a deficiência.

Até que ponto estes pequenos monopólios na saúde em Mato Grosso do Sul prejudicam a população?

O grande prejudicado é sempre o usuário. O juramento do médico muitas vezes é deixado de lado no nosso país. O dinheiro é o que importa. Estes grupos aparecem em todas as especialidades. Na Santa Casa, por exemplo, o problema mais grave está na ortopedia. A hemodiálise é um problema sério. As pessoas viajam quilômetros para fazer a hemodiálise na capital três vezes por semana, quando poderiam estar fazendo no interior. Isso é interesse destes grupos. Na oncologia ficou provado que eram criadas dificuldades na rede pública para a rede privada absorver a demanda. Na ortopedia há um problema grave na questão de órteses e próteses. Muitas vezes, a fila para as cirurgias não é causada pelo SUS, mas pelo médico que não quer a prótese coberta pelo SUS, mas a da empresa que o interessa. A cardiologia no Hospital Regional está sendo investigada. Tínhamos inúmeras denuncias no Conselho de que não se conseguia uma cirurgia cardíaca por lá, apesar das cirurgias estarem sendo feitas diariamente. O problema é que a regulação estadual era furada. Estavam furando a fila. E assim vai.

Como fortalecer os Conselhos de Saúde?

Os Conselhos são muito desrespeitados em todo o Brasil. A estrutura é deficitária. O que vai fortalecer nossa ação é a realização de concursos que possibilitam funcionários efetivos e mais independência orçamentária.

Hoje os Conselhos são totalmente dependentes do poder público?

Se nós precisamos fazer uma visita ao interior, uma fiscalização, solicitamos carro, motorista e diária ao Estado. Isso leva dez dias. Uma diária do estado é R$ 60. Onde se hospeda e se come por R$ 60? Parece que já é feito para não funcionar. Você tem uma dotação orçamentária, mas você não a gerencia. Tudo depende do gestor.

Como uma entidade que tem como o papel fiscalizar a saúde pode fazer isso dependendo do gestor?

É complicado. Se não tiver vontade acaba desistindo. Tenho que ir a Coxim fazer uma fiscalização. Temos que avisar 10 dias antes. Não queremos chegar de surpresa, não se trata de caça às bruxas. Mas é humilhante passar pires a todo o momento. O certo seria ter autonomia total.

A impressão que fica é que os Conselhos são tudo, menos de controle social.

Se você não tiver postura e posição, se não acreditar no SUS, desiste, Tem muita gente humilde nos Conselhos, gente que numa simples pressão pode ceder. Procuramos não cair nesta, agir com responsabilidade, discutir a gestão. Mas, não posso dizer que isso ocorra em todos os lugares. O dinheiro pode corromper. A tentação esta aí. Ate hoje nunca ninguém me falou nada (sobre corrupção), até porque conhecem minha posição. Defendemos a bandeira do SUS e continuaremos lutando. Mas que você fica totalmente refém do gestor fica. Acho que teríamos que ter total independência.

No interior deve ser mais complicado.

A pressão sobre os conselheiros é muito grande. Eles são verdadeiros guerreiros. Trocou o prefeito, a pressão em cima do Conselho é tremenda. Há prefeitos que ligam para pedir para trocar um conselheiro. É uma pressão enorme. Uns peitam, pois acreditam em sua luta. Outros desistem, pensam na própria vida, na família.

A pressão sobre os Conselhos de Saúde é muito grande, especialmente no interior.

Os Conselhos de Saúde foram bastante criticados nas CPI´s que investigam a saúde em Campo Grande e em Mato Grosso do Sul. A principal crítica foi de que eles não fizeram o dever de casa denunciando os escândalos que viriam depois no Hospital Universitário e no Hospital do Câncer.

No começo ficamos preocupados com isso. Atacaram muito os Conselhos. Mas mostramos nossas dificuldades. Não temos carro, não temos estrutura, somos voluntários sem remuneração e sem conhecimento técnico em direito, contabilidade. É difícil fiscalizar assim. Partimos do pressuposto de que as pessoas estão falando a verdade. Vem um técnico com uma informação, com números, você não tem como contrapor. Se os membros das CPIs da Câmara e da Assembleia, com toda a equipe à sua disposição, têm tido dificuldades em encontrar a verdade, imagine nós que nos reunimos uma vez por mês, muitas vezes em locais improvisados, sem o apoio de técnicos. É preciso achar os culpados. Se ninguém for responsabilizado por este escândalo, as coisas continuaram acontecendo. Vai haver muita cobrança por resultados. Vamos aguardar o relatório final.

Apesar das dificuldades, que lição ficou para que o Conselho possa se precaver de situações semelhantes no futuro?

Esta é uma discussão que temos tido. Precisamos de técnicos, advogados, contadores. O Estado, o tempo todo, alega dificuldades para disponibilizá-los. Diz que na hora que precisarmos de um advogado eles nos mandam, mas mandam o advogado deles, que vem falando a língua do gestor. É preciso independência.

Precisamos de autonomia. Não podemos ficar dependentes do gestor.

Qual o grande problema da saúde em Mato Grosso do Sul, segundo o ponto de vista do Conselho Estadual de Saúde?

O grande problema são as vagas. A saúde está concentrada em Campo Grande. Temos hospitais em várias cidades, mas todos de baixa complexidade. Tudo se resolve na capital. Como cobrar uma vaga que não existe? Os hospitais de Campo Grande estão sobrecarregados. Você dá uma vaga e o paciente fica na porta do pronto socorro.

É preciso levar a saúde para o interior.

Sim. É preciso criar uma rede de hospitais estaduais. Além disso, é preciso valorizar o trabalhador da saúde para que ela vá para o interior. Se ele tiver a garantia de uma carreira forte em hospitais do Estado este profissional vai ao interior. Temos que criar uma rede de hospitais estaduais com carreira digna e remuneração adequada. Só assim desafogaremos a capital.

A partir de 2014, os Hospitais Universitários de Campo Grande e Dourados passarão a ser gerenciados pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). O objetivo, segundo o Ministério da Educação (MEC), é a modernização da gestão das unidades. Qual a posição do Conselho em relação a esta mudança?

É uma aberração. É a terceirização da saúde. O Governo Federal quer entregar a responsabilidade destas gestões à iniciativa privada. Dizer que não tem dinheiro é mentira. A questão é de gestão. O Conselho Universitário da UFMS é outra aberração. No dia da aprovação da Ebserh, nós não conseguimos nem entrar no auditório. A Célia (Célia Maria Silva Correa Oliveira, reitora da UFMS) mandou fechar as portas e as pessoas não puderam discutir o tema. Estamos questionando na justiça. É entregar o SUS na mão do privado. O Conselho Nacional é contra. No entanto, não somos ouvidos. As imposições vêm de cima.


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