18/05/2024 - Edição 540

Ecologia

Volta de Lula traz alívio e otimismo a ambientalistas

Cúpula do Clima convida Lula e consolida isolamento de Bolsonaro

Publicado em 02/11/2022 9:29 - Nádia Pontes (DW), DW, Jamil Chade (UOL) - Edição Semana On

Divulgação Ricardo Stuckert

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Entre cientistas e representantes de organizações socioambientais brasileiras, a sensação é de alívio com a futura volta de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência. Na corrida eleitoral contra o atual mandatário Jair Bolsonaro (PL), Lula apresentou propostas para recuperar a agenda e o protagonismo no campo ambiental, que foram reafirmadas em seu discurso logo após a vitória, no último domingo (30/10).

“O Brasil está pronto para retomar o seu protagonismo na luta contra a crise climática, protegendo todos os nossos biomas, sobretudo a Floresta Amazônica […] Agora, vamos lutar pelo desmatamento zero da Amazônia. O Brasil e o planeta precisam de uma Amazônia viva”, disse Lula.

“Foi um discurso inovador. Lula promete zerar o desmatamento, é a primeira vez que ele faz isso. Em mandatos passados, a conversa era sobre reduzir”, destaca Carlos Nobre, climatologista aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), em entrevista à DW.

Quando assumiu seu primeiro mandato, em 2003, Lula herdou uma série crescente de desmatamento da Amazônia. No ano seguinte, com Marina Silva à frente do Ministério de Meio Ambiente, a criação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (Ppcdam) freou o ritmo de destruição da floresta.

De 2004, quando o plano foi criado, até o fim do segundo mandato de Lula, em 2010, a redução da devastação foi de 73%. A taxa despencou de 25,4 mil km², em 2003, para 7 mil km². O menor índice histórico registrado foi no governo de Dilma Rousseff, em 2012, com 4,6 mil km².

Quando Bolsonaro assumiu o poder, em 2019, o desmatamento já apresentava tendência de alta. Mas durante seus quatro anos de mandato, a taxa medida anualmente pelo Inpe disparou: foi de 7,5 mil km² para 13 mil km², uma alta de 73%.

“Desmonte sem precedente”

Na visão de Suely Araújo, ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, será mais complicado gerenciar o desmatamento agora do que foi em 2004, quando o Ppcdam foi concebido.

“Será preciso refundar o Estado em certas partes do território da Amazônia. Agora, as organizações criminosas estão mescladas com crimes ambientais”, comenta Araújo. “O governo Bolsonaro deixa como herança um cenário de terra arrasada, foi um desmonte sem qualquer precedente histórico”, adiciona.

Em seu discurso da vitória, Lula afirmou: “Vamos retomar o monitoramento e a vigilância da Amazônia, e combater toda e qualquer atividade ilegal – seja garimpo, mineração, extração de madeira ou ocupação agropecuária indevida.”

O compromisso com o combate ao desmatamento, ao garimpo e à grilagem de terras são sinalizações da futura administração que merecem destaque, avalia Paulo Barreto, pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). “Será, no entanto, de difícil implementação. O combate ao crime ambiental vai estar mais associado a outros crimes, como lavagem de dinheiro e sonegação. Será preciso mais trabalho de inteligência para ‘secar’ o dinheiro desse crime organizado”, pontua.

Desenvolvimento sustentável

Ciente da dificuldade da realização de algumas propostas de Lula, Renata Piazzon, secretária executiva da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia e diretora do Instituto Arapyaú, fala em alívio por “voltar a ouvir o mínimo” de um presidente eleito, em referência ao primeiro discurso de Lula após os resultados das eleições.

“A prioridade total deve ser a retomada da agenda de comando e controle. Sem isso não há combate ao desmatamento. É preciso fortalecer os órgãos e as instituições”, diz Piazzon.

Fundada em 2020, a iniciativa acaba de publicar um documento em que reúne 14 propostas para serem adotadas nos primeiros 100 dias de governo. “Não será possível  transformar essa agenda em política de Estado se a gente não olhar para as 28 milhões de pessoas que vivem na Amazônia. Por isso as propostas vão além da questão ambiental, são pautadas na inclusão social e desenvolvimento econômico”, detalha Piazzon.

Os jovens que vivem na Amazônia não podem ser esquecidos pelo novo governo, adiciona Barreto. “A população jovem aqui é proporcionalmente maior que em outras regiões e há poucas oportunidades econômicas. É preciso pensar em atividades de capacitação para esse público, transformar esse bônus demográfico em dividendo econômico”, sugere o pesquisador do Imazon, baseado no estado do Pará.

Ao discursar no domingo, Lula prometeu promover o desenvolvimento sustentável das comunidades que vivem na região amazônica. “Vamos provar mais uma vez que é possível gerar riqueza sem destruir o meio ambiente”, disse.

Dificuldades no campo

Para muitos cientistas, a ideia dominante é de que o obstáculo maior no caminho foi removido, com a saída de Bolsonaro representando o fim do negacionismo da ciência nas instituições públicas e a volta do diálogo.

Com um Congresso mais conservador, o andamento da agenda ambiental e climática vai depender bastante do nome escolhido para assumir o Ministério da Agricultura. Isso será determinante para conservar o que resta de Cerrado, segundo maior bioma brasileiro e que responde por 12% da produção de soja do mundo e 10% da carne bovina exportada no globo.

“Ainda há um longo caminho a ser percorrido para inserir o Cerrado nos acordos internacionais que não aceitem produtos vindos de áreas desmatadas. A dificuldade será grande, já quea região Centro-Oeste, importante produtora de grãos, foi um espaço forte de votos bolsonaristas”, cita Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília (UnB), líder de um estudo recente que mostrou que o desmatamento já provocou o aquecimento de até 3,5 °C no Cerrado.

A volta da atuação de conselhos participativos revogados durante o governo Bolsonaro também é aguardada. Bustamante diz que essa pequena peça no tabuleiro está barrando processos importantes. “O Fundo Nacional de Repartição de Benefícios, que já tem recursos depositados pela indústria, não consegue repassar dinheiro às comunidades indígenas beneficiadas porque a Funai simplesmente não indica representantes indígenas para o comitê. E, sem isso, não tem como prosseguir”, cita como exemplo.

Em seu discurso da vitória, Lula afirmou seu compromisso com os povos indígenas, os demais povos da floresta e a biodiversidade.

Ministério indígena e sociedade vigilante

Carlos Nobre nomeia ainda outro ponto que considera inovador nas declarações do presidente eleito: “É a primeira vez que se fala na criação de um Ministério dos Povos Originários. Isso é dar poder político aos indígenas do Brasil. Isso é brilhante, lembrando que temos mais de 300 povos no país”, ressalta, em referência à fala de Lula na Avenida Paulista.

Ao discursar a uma multidão no coração de São Paulo, o petista disse: “A minha resposta para os indígenas é que vamos criar o Ministério dos Povos Originários, para que eles nunca mais sejam desrespeitados, para que eles nunca mais sejam tratados como cidadão de segunda categoria.”

Dinaman Tuxá, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) diz que a expectativa é que o novo governo implemente tudo o que foi dialogado no período prévio à eleição, para além da criação do ministério.

“Nós precisamos de orçamento para demarcação das terras indígenas. Sem isso, não há aplicação de políticas públicas. A ideologia bolsonarista, de racismo institucional, precisa ser ceifada das instituições”, afirma Tuxá.

Com a volta de Lula, os povos indígenas esperam que o governo iniba as invasões das terras, aumente a fiscalização e penalize os criminosos ambientais. “[Sob Bolsonaro], foram quatro anos de muitas violações, retrocessos, enfraquecimento dos nossos direitos. Agora voltamos a ter esperança”, comenta Tuxá.

Apesar do clima de otimismo, de retorno à normalidade e valorização da agenda ambiental, a sociedade civil vai se manter crítica, afirma Suely Araújo. “Vamos cobrar o próximo governo para que as promessas de campanha se tornem realidade.”

Cúpula do Clima convida Lula e consolida isolamento de Bolsonaro

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva foi convidado nesta segunda-feira para participar da Cúpula das Nações Unidas para o Clima (COP27), que ocorre em novembro no Egito. A proposta foi feita pelos próprios anfitriões do evento, as autoridades egípcias. Entre diplomatas, o gesto foi considerado como uma mensagem clara de que a comunidade internacional já não quer Jair Bolsonaro como interlocutor, ainda que oficialmente a delegação brasileira no evento seja aquela enviada pelo atual presidente.

Num comunicado, o presidente do Egito, Abdel Fattah El Sisi, parabenizou Lula pela vitória e diz que quer cooperar com o novo chefe de estado brasileiro. Mas também revelou que convidou o presidente eleito para a COP27.

“Acredito que o Brasil é capaz de ter um papel positivo e construtivo durante a cúpula para promover uma ação climática no nível internacional”, escreveu o presidente do Egito e anfitrião de um dos principais eventos diplomáticos do ano.

Se Lula aceitar, o brasileiro criará um constrangimento significativo em relação ao presidente Jair Bolsonaro. Nos bastidores, porém, muitos se lembram que o atual mandatário brasileiro nem sequer foi até a Cúpula do Clima, em 2021, quando o evento ocorreu em Glasgow. Naquele momento, ele foi um dos raros líderes a não fazer a viagem até a Escócia.

Membros da equipe de Lula revelaram ainda que a agenda externa do presidente eleito vai se pautar na questão climática, inclusive para superar a crise de credibilidade que hoje o país atravessa. Não está descartada a possibilidade inclusive de o Brasil sediar uma conferência internacional sobre o assunto.

Depois de semanas de uma coordenação detalhada, democracias Ocidentais se apressaram para parabenizar Luiz Inácio Lula da Silva pela vitória, com telegramas e mensagens nas redes sociais ainda na noite de domingo. A meta era de criar um cordão sanitário que impedisse Jair Bolsonaro de repetir a estratégia de Donald Trump e questionar a lisura da eleição.

Ao parabenizar Lula, o que Biden, Emmanuel Macron, Olaf Scholz e tantos outros fizeram foi sinalizar que confiavam no processo eleitoral e nos resultados das urnas eletrônicas. Mas há um segundo recado: a partir de agora, reconhecem que o poder legítimo no Brasil está com Lula.

Entidades internacionais também se expressaram, como a Organização dos Estados Americanos.

O processo de isolamento de Bolsonaro foi completado nesta segunda-feira quando os maiores aliados do Brasil fora do Ocidente – China e Rússia – deixaram claro que querem estabelecer parcerias amplas com Lula.

Em menos de 24 horas, portanto, uma espécie de cordão sanitário foi estabelecido, enquanto assessores de Lula indicam que a busca pelo presidente eleito por parte de governos e entidades internacionais explodiu.

Um exemplo é a Conferência do Clima da ONU, no Egito. O UOL apurou que delegações estrangeiras estão enviando negociadores extras para que tenham como incumbência buscar a equipe de transição do Brasil para iniciar a negociação de novos entendimentos.

A fila para falar com o Brasil de Lula, segundo diplomatas, já preenche uma ampla agenda.

Entre os europeus, havia ainda a esperança de que Bolsonaro permitisse que uma equipe de transição ou até mesmo Lula fosse para a cúpula do G-20, que ocorre em novembro na Indonésia. Mas, dentro do Itamaraty, a possibilidade é vista como “impossível”.

No G-20, porém, diplomatas brasileiros já admitem que, se Bolsonaro for, será difícil organizar qualquer tipo de encontro para o presidente derrotado. Principalmente se mantiver a postura de não reconhecer a derrota e iniciar um processo de transição.

Alemanha e Noruega sinalizam desbloqueio de repasses ao Fundo Amazônia

Após a vitória de Lula, Alemanha sinalizou na terça-feira (01/11) que pretende desbloquear verbas que deveriam ser destinadas ao Fundo Amazônia.

Os repasses ao fundo de proteção da floresta, financiado pela Alemanha e sobretudo pela Noruega, foram suspensos por ambos os países em 2019, em meio à alta do desmatamento da Amazônia e após o governo do presidente Jair Bolsonaro ser acusado de não agir para conter a destruição.

Após a Noruega anunciar na segunda que iria reativar o Fundo Amazônia, o secretário de Estado do Ministério alemão para Cooperação e Desenvolvimento, Jochen Flasbarth, afirmou nesta terça em Berlim haver disposição de estender rapidamente a mão ao Brasil novamente.

O secretário já havia reagido no Twitter à notícia de que a Noruega retomaria a cooperação com Brasília. “A Alemanha fará o mesmo. O Ministério para Cooperação e Desenvolvimento está pronto para se engajar novamente no Brasil juntamente com nossos colegas noruegueses em apoio ao Fundo Amazônia. A Floresta Amazônica é crucial para manter [a meta de] 1,5 °C ao alcance!”, escreveu, fazendo referência ao limite de aquecimento global estabelecido como meta no Acordo de Paris.

A suspensão de repasses no valor de cerca de 35 milhões de euros foi anunciada em 2019 pela então ministra do Meio Ambiente alemã, Svenja Schulze, atual ministra para Cooperação e Desenvolvimento.

Ao parabenizar Lula pela vitória, o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, já havia mencionado expressamente a expectativa de cooperação na questão da proteção climática.

Planos para o futuro do fundo

A Alemanha e a Noruega suspenderam os repasses ao Fundo Amazônia após o governo Bolsonaro extinguir unilateralmente dois comitês que eram responsáveis pela gestão do fundo, rompendo o acordo entre os países que definia as regras do projeto. A verba era administrada por uma equipe montada para cumprir essa tarefa dentro do BNDES e deveria ser usada pelo Brasil para prevenir, monitorar e combater o desmatamento.

O então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, fez na ocasião críticas à gestão do fundo e acusações genéricas de irregularidades em organizações não governamentais, rechaçadas pela Noruega. Salles também desejava usar parte dos recursos para indenizar proprietários que vivem em áreas incluídas em unidades de conservação da Amazônia, o que hoje não é permitido.

Se o Fundo Amazônia for retomado, as verbas poderiam ser usadas para restaurar estruturas de governança ambiental enfraquecidas durante o governo Bolsonaro, afirmou Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, que representa 65 organizações não governamentais ambientalistas do Brasil.

Por exemplo, “o dinheiro deveria ser usado para financiar operações de campo das polícias local e federal para combater crimes ambientais”, como a mineração ilegal e o corte de madeira, disse Astrini.

Em seguida, as transferências de recursos para o fundo devem voltar a ser vinculadas aos resultados apresentados pelo Brasil no combate ao desmatamento, para funcionarem como incentivo para proteger a Amazônia, afirmou Anders Haug Larsen, chefe de políticas públicas da organização Rainforest Foundation Norway.


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