18/05/2024 - Edição 540

Ecologia

Mundo terá calor recorde até 2027 e choverá menos na Amazônia, prevê ONU

Desmatamento em terras indígenas provocou emissão de CO2 na Amazônia

Publicado em 18/05/2023 10:11 - Jamil Chade (UOL), Ludmilla Souza (Abr) – Edição Semana On

Divulgação Abr

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Num novo levantamento publicado hoje, a Organização Meteorológica Mundial alerta que o planeta atravessará um período de temperaturas altas inéditas nos próximos cinco anos, com um profundo impacto em diversas regiões do mundo.

Na Amazônia, a previsão é de queda do regime de chuvas, com um possível impacto para a agricultura brasileira.

O fenômeno será alimentado pela concentração ainda elevada de gases de efeito estufa que retêm o calor e pelo El Niño, que retorna com força. A entidade já destacou que os últimos oito anos foram os anos mais quentes já registrados. Agora, a agência ligada às Nações Unidas prevê:

– Há 66% de probabilidade de que a média anual da temperatura global próxima à superfície entre 2023 e 2027 seja superior a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais por pelo menos um ano.

– Há uma probabilidade de 98% de que pelo menos um dos próximos cinco anos, e o período de cinco anos como um todo, seja o mais quente já registrado.

“Prevê-se que as temperaturas médias globais continuem aumentando, afastando-nos cada vez mais do clima com o qual estamos acostumados”, afirma Leon Hermanson, cientista que liderou o novo estudo.

Em 2022, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas fez um alerta e apontou para os riscos relacionados ao clima para os sistemas naturais e humanos diante de um aquecimento global de 1,5 °C.

Diante da constatação, o secretário-geral da ONU, Antônio Guterres, deixou claro no final do ano passado que “o mundo está em uma encruzilhada – e nosso planeta está na mira”. “Estamos nos aproximando do ponto de não retorno, de ultrapassar o limite acordado internacionalmente de 1,5 grau Celsius de aquecimento global”, insistiu.

Não por acaso, o Acordo de Paris estabelece metas de longo prazo para orientar todas as nações a reduzir substancialmente as emissões globais de gases de efeito estufa, a fim de limitar o aumento da temperatura global neste século a 2 °C e, ao mesmo tempo, buscar esforços para limitar o aumento ainda mais a 1,5 °C, para reduzir impactos adversos e perdas e danos relacionados.

Queda de chuvas na Amazônia

Outra constatação é que os próximos anos marcarão anomalias nos regimes de chuvas em várias partes do mundo, inclusive no norte do Brasil.

“Os padrões de precipitação previstos para 2023 em relação à média de 1991-2020 sugerem uma maior chance de redução de chuvas em partes da Indonésia, da Amazônia e da América Central”, disse o informe.

Para os próximos cinco anos, as previsões de precipitação mostram anomalias de umidade no Sahel, norte da Europa, Alasca e norte da Sibéria, e anomalias de seca para essa estação na Amazônia e oeste da Austrália.

O Sul do Brasil também será afetado. “Entre 2018 e 2022, partes da Ásia, sudeste da América do Norte, nordeste da América do Sul e o Sahel africano foram mais úmidos do que a média, e o sul da África, Austrália, sul da América do Sul, oeste da Europa e partes da América do Norte foram mais secos do que a média”, disse.

“A Austrália e o sul da América do Sul foram, em sua maioria, mais secos do que a média durante os cinco anos em ambas as estações”, constatou.

O mais novo informe ainda revela que:

– A temperatura média global em 2022 ficou cerca de 1,15°C acima da média de 1850-1900. A influência do resfriamento das condições do La Niña durante a maior parte dos últimos três anos controlou temporariamente a tendência de aquecimento de longo prazo. Mas o La Niña terminou em março de 2023 e a previsão é de que um El Niño se desenvolva nos próximos meses.

– Normalmente, o El Niño aumenta as temperaturas globais no ano seguinte ao seu desenvolvimento – nesse caso, seria 2024.

– Prevê-se que a média anual da temperatura global próxima à superfície para cada ano entre 2023 e 2027 seja entre 1,1°C e 1,8°C mais alta do que a média de 1850-1900.

– Há uma chance de 98% de que pelo menos um dos próximos cinco anos supere o recorde de temperatura estabelecido em 2016, quando houve um El Niño excepcionalmente forte.

– A chance de a média de cinco anos para 2023-2027 ser maior do que a dos últimos cinco anos também é de 98%.

– O aquecimento do Ártico é desproporcionalmente alto. Em comparação com a média de 1991-2020, prevê-se que a anomalia de temperatura seja mais de três vezes maior do que a anomalia média global quando calculada a média dos próximos cinco invernos prolongados no hemisfério norte.

– Os padrões de precipitação previstos para a média de maio a setembro de 2023-2027, em comparação com a média de 1991-2020, sugerem aumento de chuvas no Sahel, no norte da Europa, no Alasca e no norte da Sibéria, e redução de chuvas para essa estação na Amazônia e em partes da Austrália.

“Esse relatório não significa que excederemos permanentemente o nível de 1,5°C especificado no Acordo de Paris, que se refere ao aquecimento de longo prazo durante muitos anos. No entanto, a OMM está soando o alarme de que ultrapassaremos o nível de 1,5°C temporariamente e com frequência cada vez maior”, disse o secretário-geral da entidade, Petteri Taalas.

“Espera-se que um El Niño aquecido se desenvolva nos próximos meses e isso se combinará com a mudança climática induzida pelo homem para levar as temperaturas globais a um território desconhecido”, disse ele. “Isso terá repercussões de longo alcance para a saúde, a segurança alimentar, a gestão da água e o meio ambiente. Precisamos estar preparados”, completou.

Segundo a avaliação, há apenas 32% de chance de que a média de cinco anos ultrapasse o limite de 1,5°C. Em 2015, a chance de os termômetros excederem temporariamente a marca de 1,5°C era próxima de zero. Para os anos entre 2017 e 2021, havia uma chance de 10% de ultrapassagem.

O novo relatório está sendo divulgado antes do Congresso Meteorológico Mundial, que discutirá como fortalecer os serviços meteorológicos e climáticos para apoiar a adaptação às mudanças climáticas.

Desmatamento em terras indígenas provocou emissão de CO2 na Amazônia

O desmatamento em terras indígenas (TIs) na Amazônia brasileira provocou a emissão de 96 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) entre 2013 e 2021. Desse total, 59% foram emitidos nos últimos três anos analisados (2019-2021), quando houve intensificação da devastação, mostrou pesquisa liderada por brasileiros divulgada na revista Scientific Reports. Emissão fez nessas áreas o papel de “sequestrador de carbono” da floresta.

“O avanço da emissão de CO2 é resultado do aumento do desmatamento, que impacta a floresta, e assim essa floresta acaba virando gases de efeito estufa que vão contribuir negativamente para o aquecimento do planeta e para as mudanças climáticas”, explica o primeiro autor do artigo, Celso H. L. Silva-Junior, professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Conservação da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Consideradas um modelo eficiente de preservação da floresta, as TIs têm sofrido crescentes pressões, como o aumento de garimpos e madeireiros ilegais. Com o avanço da devastação, causada por diferentes riscos ambientais, como o enfraquecimento da fiscalização e a redução da proteção e dos direitos dos povos, as terras indígenas podem reverter o papel vital de áreas protegidas no combate às mudanças climáticas e na manutenção da floresta em pé.

“O trabalho mostrou que o aumento do desmatamento,  principalmente nos últimos três que analisamos, 2019, 2020 e 2021, que coincide com o governo passado, tem essa reversão do papel dessas terras indígenas, justamente porque houve o enfraquecimento de todo o sistema de gestão ambiental do país, da fiscalização de órgãos ligado às questões indígenas, tudo isso levou ao aumento do desmatamento nessas áreas”, destaca o professor, que ainda completa:

“Essas terras indígenas, foram feitas, primeiro para garantir o direito aos povos originários indígenas, mas também servem como áreas para evitar essas emissões de carbono. Então é uma solução para reduzir essas emissões de carbono, o que ajudaria o Brasil nos compromissos assumidos nos acordos climáticos”. O Brasil assumiu no Acordo do Clima de Paris a meta de recuperar 12 milhões de hectares de floresta até 2030 e se comprometeu a neutralizar as emissões de carbono até 2050.

A pesquisa mostrou que o desmatamento nas TIs atingiu uma área de 1.708 quilômetros quadrados (km²), o que equivale a 2,38% de todo o desmate na Amazônia brasileira no período. Em 232 TIs analisadas, a taxa de devastação foi, em média, de 35 km² ao ano, representando aumento de 129% entre 2013 e 2021. Considerando apenas os três últimos anos, o crescimento foi 195%.

“Em números absolutos, a área devastada nas TIs pode parecer pouca, mas, como se trata de uma região destinada à proteção ambiental, a magnitude do impacto é muito maior.  Como o caso da Terra Yanomami, os conflitos e a invasão dessas terras causaram a proliferação de doenças, contaminação por mercúrio e dos recursos hídricos, que levou a morte de diversos indígenas ianomâmis”, lamenta o professor.

O estudo apresenta outra informação preocupante: a derrubada da floresta está 30% mais distante das fronteiras em direção ao interior das terras indígenas, entrando até 8,87 km ao ano além da borda. “No passado, ficava concentrado nas fronteiras das terras indígenas, no entanto o desmatamento nos últimos três anos de análise, teve a capacidade de adentrar mais ainda essas terras indígenas. E isso é perigoso porque está levando atividades antrópicas [atuação humana sobre a natureza, com intencionalidade de modificação], que podem impactar os indígenas isolados, acaba levando doenças e se torna um problema de saúde pública dentro dessas terras indígenas”, alertou Silva-Junior.

Mão dupla

As florestas tropicais são um dos ecossistemas mais importantes na diminuição das mudanças climáticas. Mas podem funcionar como via de mão dupla, absorvendo carbono enquanto crescem e se mantêm, mas liberando os gases quando degradadas ou desmatadas, por isso a importância da conservação e de políticas de combate ao desmatamento, reforça o pesquisador.

“As terras indígenas tem um papel crucial para a preservação das florestas. Por isso é interessante também que o governo atual, assim como anunciado recentemente, faça a demarcação de seis novas terras indígenas. Além dessas, que tenhamos mais TIs. As áreas de florestas, dentro do domínio do Governo Federal, elas precisam ser destinadas para conservação, é algo benéfico tanto para o Brasil quanto para o mundo, em diversos campos”.

Desmatamento

A pesquisa mostra que 42% das TIs analisadas tiveram alta da taxa de desmatamento, sendo que em 20 delas a tendência foi mais significativa. Entre essas, a TI Arara registrou a menor taxa (0,02 km² ao ano), enquanto a Apyterewa teve a maior (8,58 km² ao ano). Ambas estão localizadas no Estado do Pará.

Por outro lado, 11% das áreas analisadas reduziram o desmatamento, sendo cinco mais significativamente. Entre elas está a TI Alto Turiaçu, no Maranhão, onde vivem cerca de 1.500 indígenas dos povos Awa Guajá, Ka’apor e Tembé.

“É algo que a gente ainda vai investigar com mais aprofundamento. No caso do Maranhão, são áreas que foram desmatadas e são terras indígenas que têm iniciativas próprias de combate a madeireiros e a mineradores ilegais. Embora tenha tido esse enfraquecimento da proteção dessas áreas de forma oficial, essas áreas têm iniciativas dos indígenas que coibem com essas atividades ilegais dentro dessas terras”, explicou Silva-Junior.

Políticas públicas

No artigo, os pesquisadores descreveram seis recomendações, para contribuir com o avanço das políticas públicas voltadas a evitar o avanço do desmatamento nessas áreas.

São elas: a revogação de leis e normas que causaram retrocessos ambientais; o fortalecimento de instituições de fiscalização; a criação de zonas de amortecimento de 10 km entre TIs e áreas de exploração mineral ou de projetos de alto impacto, além do cancelamento de todos os CARs (Cadastro Ambiental Rural) dentro das TIs.

Propõem ainda o apoio a iniciativas que promovam agricultura e outras práticas sustentáveis de uso da terra, incluindo projetos de restauração de ecossistemas, e o fortalecimento do monitoramento por sensoriamento remoto, com investimentos no desenvolvimento de novos sistemas com melhorias em frequência e escala.

Por fim, relembram a importância do fortalecimento da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), órgão federal responsável pela garantia dos direitos indígenas.

O estudo também recebeu financiamento por meio do Centro de Pesquisa e Inovação de Gases de Efeito Estufa (RCGI) – um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) constituído por FAPESP e Shell na Universidade de São Paulo (USP) – e de um Projeto Temático vinculado ao Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).


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