18/05/2024 - Edição 540

Ecologia

Em “obituário”, Brasil aparece como vilão climático de exame da ONU

Amazônia pode atingir ponto de não retorno em 2029, se mantiver ritmo de destruição atual

Publicado em 28/10/2022 2:47 - Jamil Chade (UOL), Camilo Tomazini Pedrollo e José Luiz Purri da Veiga Pinto (Brasil de Fato) – Edição Semana On

Divulgação Valter Campanato - Abr

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Num verdadeiro obituário da política de meio ambiente do Brasil, o Programa da ONU para Meio Ambiente publicou seu informe anual sobre emissões revelando que o governo de Jair Bolsonaro vai na direção contrária entre as principais potências do mundo no que se refere ao combate às mudanças climáticas. A estratégia do Itamaraty e de outras autoridades nacionais de mentir à comunidade internacional simplesmente fracassou.

O documento está sendo publicado às vésperas da Conferência das Nações Unidas para o Clima, que ocorre no Egito, e aponta que as metas estabelecidas pelos maiores responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa não estão sendo suficientes para limitar o aquecimento global dentro dos limites definidos pelo Acordo de Paris, abaixo dos 2 graus Celsius e com esforços para que o limite seja de 1,5 graus Celsius até 2100.

O que ainda deixou a ONU preocupada é que, apesar das metas anunciadas pelos governos durante a Cúpula em Glasgow, no ano passado, as políticas, medidas e ações sequer correspondem ao que foi assumido pelas diplomacias de todo o mundo.

Para a entidade, não há opção: ou governos aumentam sua ambição ou simplesmente o desastre climático será uma realidade.

Mas o informe revela um outro aspecto: todo o esforço do governo de Jair Bolsonaro de mostrar ao mundo, em Glasgow, que estava assumindo uma postura de defesa do clima não passava de uma farsa.

No ano passado, o governo tentou desmontar a pressão internacional anunciando compromissos de redução de desmatamento e adotando um novo tom nos discursos. Mas as taxas de destruição da floresta continuaram a subir, enquanto os órgãos para lidar com a situação da Amazônia continuaram sem recursos.
Para Carlos Rittl, especialista em política internacional da Rainforest Foundation da Noruega, o Brasil “se destaca negativamente” no novo informe da ONU.

O país aparece como o país dentro do G20, que, ao invés de aumentar a ambição climática em seus novos compromissos, apresentou metas que vão levar a um aumento das emissões em 2030 em relação às propostas anteriores. Apenas o México também tem um desempenho que vai na contramão do mundo, mas em taxas bem mais modestas que a brasileira.

“Ou seja, o mundo está caminhando rápido para o caos climático, há pouco avanço nas metas dos maiores emissores, mas só um país que torna o desafio de combater o aquecimento global ainda mais difícil: o Brasil de Bolsonaro”, disse Rittl.

“Além disso, o relatório também mostra que enquanto as emissões de uso da terra de alguns países, como China, Índia, Estados Unidos e União Europeia foram negativas em 2020, no Brasil as emissões aumentaram, por conta do aumento do desmatamento”, destacou.

“A guerra do Bolsonaro contra a Amazônia tem impacto para o mundo inteiro”, disse.

O informe ainda revela que o Brasil, em sua proposta, sequer cumpre com todos os critérios esperados das maiores economias do mundo, como transparência, a publicação de um plano e um acompanhamento anual.

Amazônia pode atingir ponto de não retorno em 2029

A Amazônia é um bioma estratégico não apenas sob o ponto de vista da biodiversidade e para os povos que nela habitam, mas a sua importância extrapola o território nacional com implicações globais na regulação do clima. No atual ritmo de incremento das taxas de desmatamento, não podemos garantir que a floresta como a conhecemos permaneça assim por muito tempo.

Os municípios da região Norte em que Bolsonaro liderou as eleições de primeiro turno em 2022 estão concentrados no “arco do desmatamento”, região dominada por grileiros de terra, fazendeiros, madeireiros e garimpeiros ilegais. Este é o motor do desmatamento ilegal na Amazônia, que vem aumentando desde 2015. Um aumento mais pronunciado passa a ocorrer em 2019 com a posse do atual presidente e a empreitada contra o que ele se refere como “indústria de multas do Ibama”. Nos últimos três anos o aumento médio do desmatamento, segundo o sistema Prodes do INPE, foi de 20% ao ano.

O professor Dr. Carlos Nobre, um dos mais respeitados climatologistas do país e membro do painel IPCC, foi um dos mentores da teoria do “ponto de não retorno” (ou tipping point). Resumidamente, uma série de estudos espaciais e de campo ao longo das décadas apontam que se a Amazônia chegar a 25% de perda da sua cobertura original, implicações negativas no ciclo de chuvas irão afetar permanentemente a capacidade de regeneração da floresta, levando à sua savanização .

O desmatamento deve ser analisado não somente em relação a área, mas também em relação ao local onde ocorre. A descontinuidade de florestas na Amazônia oriental, região predominantemente bolsonarista, pode interromper o transporte de umidade dos oceanos para o interior do continente. Teríamos, neste caso, a interrupção do ciclo de chuvas que transporta umidade para outras regiões. Os paulistas que também escolheram Bolsonaro como representante e deram quase o triplo de votos para Ricardo Salles em relação a Marina Silva, talvez não tenham conhecimento de quão importante a Amazônia é para o regime de chuvas no Centro-oeste, Sudeste e Sul do Brasil.

Caso reeleito, com o novo Senado lhe proporcionando maior apoio, Bolsonaro terá facilidade em desmantelar o restante das políticas de proteção ambiental, levando a aumentos ainda mais preocupantes dos níveis de desmatamento. Fizemos uma estimativa considerando o aumento atual verificado em seu governo, de 20% ao ano para um hipotético segundo mandato de Bolsonaro, seguido de um aumento mais moderado de 15% ao ano para os três anos seguintes.

Nesse contexto, a Amazônia Brasileira com seus 4.196.943 km2, chegaria em 2029 a um desmatamento acumulado de 1.068.504 km2, ou seja, 25,5% da sua cobertura original perdida. Esta é de fato uma previsão reducionista ao não considerar a área amazônica pertencente aos outros oito países que a compartilham, com suas taxas de desmatamento bem menores que as do Brasil. No entanto, caso alguém duvide da capacidade de predação florestal, basta verificar o que aconteceu com a Mata Atlântica no Brasil, que chegou a níveis de 93% de alteração.

Assim, o voto em Bolsonaro é um voto de apoio ao desmatamento da Amazônia. Se esta área do arco do desmatamento aumentar, e vai, se Bolsonaro for reeleito, poderemos em pouco tempo observar a savanização de uma parte considerável da Amazônia, especialmente nas suas regiões sul e leste. Este é um fenômeno amplificado pelo desmatamento, atingindo áreas de floresta ainda intacta.

E a floresta já demonstra sinais de enfraquecimento nessas regiões com estações secas cada vez mais longas e quentes. É também observada uma alteração na composição florística dessas áreas, em que espécies higrófitas (dependentes de alta humidade) já estão sendo substituídas por espécies com maior resistência a seca, originalmente mais comuns em biomas como o Cerrado, com características de savana.

Resumidamente, com a redução da cobertura florestal na Amazônia, o transporte de chuvas para outras regiões do país fica comprometido, acarretando em prejuízos para a agricultura bem como comprometendo o nível de reservatórios de água das hidrelétricas, o que significa energia elétrica mais cara e riscos eminentes de apagões. Os extremos climáticos como chuvas descontroladas e concentradas em um curto intervalo de tempo também se tornarão mais frequentes com o agravamento do fenômeno El niño. Vale salientar que todos esses sinais já são percebidos e tenderão a se tornar mais frequentes, em maior intensidade e irreversíveis se atingirmos o ponto de não retorno.

No entanto, nem tudo está perdido. O mundo está atento e no mês passado o Parlamento Europeu aprovou uma nova lei anti-desmatamento com objetivo de controlar a entrada de produtos ligados à destruição de florestas e violações dos direitos humanos em áreas de floresta ao redor do mundo. Para o Brasil, a medida poderá representar sérias sanções econômicas ou poderá ajudar a fechar as portas para desmatadores e violadores, enquanto traz mais segurança para as empresas que produzem sem desmatamento e de forma responsável.

A Amazônia é questão de segurança nacional, de economia, de soberania, de sobrevivência para as gerações atuais e futuras e está sob enorme ameaça interna. Neste cenário catastrófico precisamos encerrar o clico de destruição, substituindo o atual governo (vale lembrar que todos os outros candidatos de oposição à presidência com votações expressivas, acima de 1%, defendem desmatamento ilegal zero), restituindo o Fundo Amazônia, angariando assim recursos e, na alçada da década da restauração ecológica promovida pela ONU, fomentar iniciativas como as do próprio professor Carlos Nobre, o projeto Amazônia 4.0, que visa de forma inovadora promover desenvolvimento socioeconômico na região amazônica tendo como premissa a floresta em pé.


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