18/05/2024 - Edição 540

Ecologia

COP27: ONU pedirá liderança política de Lula em agenda climática no mundo

STF dá 60 dias para governo reativar Fundo Amazônia

Publicado em 06/11/2022 10:18 - Jamil Chade (UOL), DW – Edição Semana On

Divulgação

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Luiz Inácio Lula da Silva, presidente eleito, será chamado a mostrar “liderança política” para permitir que a agenda climática possa avançar de forma mais rápida no mundo, antes que seja tarde demais para evitar um aquecimento do planeta que transforme e gere verdadeiras crises humanitárias pelo.

O apelo é do secretário-executivo da Convenção da ONU sobre Mudanças Climáticas, Simon Stiell. Numa coletiva de imprensa nesta sexta-feira sobre o que esperar da Cúpula do Clima (COP27), a autoridade máxima da ONU sobre o tema foi questionada pelo UOL sobre o que espera do presidente eleito, que já confirmou sua presença no evento no Egito.

“Precisamos de vontade política e de liderança política”, disse o negociador, insistindo que esse é o pedido a todos os presidentes. “É muito importante, neste momento onde estamos na crise, a necessidade urgente de uma ação significativa e verdadeira no terreno”, afirmou.

“Isso começa com política, isso começa com legislação. Começa com visão e direção dada pelo mais alto comando. Saudamos todos os políticos, nesse processo, seja os novos ou os vigentes. Mas a política precisa estar direcionada em agir para que possamos permitir chegar mais perto das metas”, completou.

Lula decidiu ir à Conferência da ONU sobre o Clima que ocorre na próxima semana no Egito, inclusive como um sinal claro de que sua gestão irá colocar a questão climática no centro de sua agenda e na busca de recuperar a credibilidade internacional do país. Em suas declarações, ele já deixou claro que está ciente da pressão internacional e que está disposto a voltar a cooperar.

Sua ida ocorre depois que o governo do Egito, que organiza o evento, enviou uma carta ao presidente eleito para oficialmente convidá-lo. Entre diplomatas estrangeiros, a presença de Lula irá ofuscar a delegação oficial do Brasil, liderada ainda por representantes de Jair Bolsonaro.

A reportagem do UOL apurou que, nas diversas reuniões já marcadas para Lula no Egito, negociadores farão dois pedidos: para que o novo presidente tome ações concretas no Brasil para “dar exemplo” e para que ele se apresente como mobilizador dos países emergentes na busca por acordos e novos compromissos. A ideia é de que, se ele conseguir isso, a pressão sobre os países ricos ficará insustentável e terão de agir, inclusive liberando recursos para os países em desenvolvimento.

Novos compromissos

Pessoas do mais alto escalão da ONU e com amplo acesso ao secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, admitiram ao UOL que existe uma esperança de que o governo Lula irá refazer e reapresentar à comunidade internacional novos compromissos nacionais, no que se refere à redução de emissões. A proposta apresentada por Bolsonaro foi duramente criticada e vista como uma tentativa do governo de trapacear a comunidade internacional.

Segundo esses negociadores, há uma disposição real do mundo em ajudar o Brasil a lidar com o desmatamento, inclusive com o retorno do financiamento externo. Mas não haverá “cheque em branco” e, antes de um novo acordo, o que o mundo quer ver é se o novo governo brasileiro tem novas metas e planos. No Egito, isso estará no centro das atenções.

Na semana passada, num verdadeiro obituário da política de meio ambiente do Brasil, o Programa da ONU para Meio Ambiente publicou seu informe anual sobre emissões revelando que o governo de Jair Bolsonaro vai na direção contrária entre as principais potências do mundo no que se refere ao combate às mudanças climáticas.

A estratégia do Itamaraty e de outras autoridades nacionais de mentir à comunidade internacional simplesmente fracassou.

O documento aponta que as metas estabelecidas pelos maiores responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa não estão sendo suficientes para limitar o aquecimento global dentro dos limites definidos pelo Acordo de Paris, abaixo dos 2 graus Celsius e com esforços para que o limite seja de 1,5 grau Celsius até 2100.

O que ainda deixou a ONU preocupada é que, apesar das metas anunciadas pelos governos durante a Cúpula em Glasgow, no ano passado, as políticas, medidas e ações sequer correspondem ao que foi assumido pelas diplomacias de todo o mundo.

Para a entidade, não há opção: ou governos aumentam sua ambição ou simplesmente o desastre climático será uma realidade.

Mas o informe revela um outro aspecto: todo o esforço do governo de Jair Bolsonaro de mostrar ao mundo, em Glasgow, que estava assumindo uma postura de defesa do clima não passava de uma farsa.

No ano passado, o governo tentou desmontar a pressão internacional anunciando compromissos de redução de desmatamento e adotando um novo tom nos discursos. Mas as taxas de destruição da floresta continuaram a subir, enquanto os órgãos para lidar com a situação da Amazônia continuaram sem recursos.

Para Carlos Rittl, especialista em política internacional da Rainforest Foundation da Noruega, o Brasil “se destaca negativamente” no novo informe da ONU.

O país aparece como o país dentro do G20, que, ao invés de aumentar a ambição climática em seus novos compromissos, apresentou metas que vão levar a um aumento das emissões em 2030 em relação às propostas anteriores. Apenas o México também tem um desempenho que vai na contramão do mundo, mas em taxas bem mais modestas que a brasileira.

“Ou seja, o mundo está caminhando rápido para o caos climático, há pouco avanço nas metas dos maiores emissores, mas só um país que torna o desafio de combater o aquecimento global ainda mais difícil: o Brasil de Bolsonaro”, disse Rittl.

“Além disso, o relatório também mostra que enquanto as emissões de uso da terra de alguns países, como China, Índia, Estados Unidos e União Europeia foram negativas em 2020, no Brasil as emissões aumentaram, por conta do aumento do desmatamento”, destacou. “A guerra do Bolsonaro contra a Amazônia tem impacto para o mundo inteiro”, disse.

O informe ainda revela que o Brasil, em sua proposta, nem sequer cumpre com todos os critérios esperados das maiores economias do mundo, como transparência, a publicação de um plano e um acompanhamento anual.

STF dá 60 dias para governo reativar Fundo Amazônia

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu na quinta-feira (3) que o governo federal foi omisso na gestão do Fundo Amazônia e determinou um prazo de 60 dias para a reativação do fundo – que capta recursos para projetos de proteção da floresta.

Os ministros da Corte analisavam um pedido feito pelos partidos de oposição PSB, Psol, Rede e PT, que alegaram omissão da União sobre o Fundo Amazônia, que foi desativado em 2019, no início do governo Jair Bolsonaro.

Os partidos calculam que o governo está deixando de disponibilizar R$ 3,3 bilhões, já em conta, para financiar novos projetos de preservação e fiscalização da Amazônia Legal.

O STF começou a julgar a ação em 6 de outubro e, na semana passada, formou maioria para determinar a reativação do fundo.

O julgamento foi concluído nesta quinta-feira com os votos dos ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. Os três se uniram à maioria e acompanharam o voto da relatora, ministra Rosa Weber.

O Fundo Amazônia foi criado em 2008 e tinha a Noruega como maior doadora. Entre 2008 e 2018, o país repassou 1,2 bilhão de dólares para a iniciativa, que paga para o Brasil prevenir, monitorar e combater o desmatamento. A Alemanha era o segundo maior doador.

O programa está parado desde 2019, quando o governo Bolsonaro extinguiu unilateralmente dois comitês que eram responsáveis pela gestão do fundo, rompendo o acordo entre os países que definia as regras do projeto. A verba era administrada por uma equipe montada para cumprir essa tarefa dentro do BNDES.

Como consequência, Noruega e Alemanha anunciaram a suspensão dos repasses. Isso ocorreu em meio à alta desenfreada do desmatamento da Amazônia, que o governo norueguês entendeu como falta de interesse de Brasília em conter o desmate ilegal da floresta.

Mudanças foram “inconstitucionais”

No julgamento concluído nesta quinta-feira, a maioria dos ministros do STF considerou inconstitucionais os decretos que alteraram o formato do fundo.

Segundo a Corte, as mudanças promovidas pelo governo Bolsonaro – com a extinção unilateral dos comitês e sem a criação de outro órgão administrativo – impediram o financiamento de novos projetos, o que configura omissão do governo em seu dever de preservar a Amazônia.

Assim, o Supremo determinou um prazo de 60 dias para que a União tome as providências administrativas necessárias para reativar o Fundo Amazônia, retomando o modelo anterior e sem a adoção de novas paralisações.

Em seu voto, Cármen Lúcia argumentou que o tema é relevante para as gerações presentes e futuras do país. “O Supremo está determinando que se retirem as travas para que se tenha o pleno emprego dos valores e dos recursos depositados naquele fundo”, afirmou a ministra.

Já Gilmar Mendes ressaltou a importância que o texto constitucional conferiu à questão da proteção ambiental, da floresta amazônica e de seu financiamento. Segundo o ministro, o governo tem poder para estabelecer políticas públicas, mas estas devem estar em conformidade com a Constituição.

O único ministro a votar contra o pedido dos partidos foi Nunes Marques, indicado ao STF por Bolsonaro. Já o ministro André Mendonça, também indicado pelo atual presidente, foi vencido apenas no ponto referente à determinação de que a União não mais paralise o funcionamento do Fundo Amazônia.

Noruega e Alemanha dão sinal verde

Após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva na disputa pela Presidência, a Alemanha e a Noruega sinalizaram que pretendem desbloquear verbas que deveriam ser destinadas ao Fundo Amazônia.

O governo norueguês foi o primeiro a fazer o anúncio, logo no dia seguinte à eleição do petista.

“Tivemos uma colaboração muito boa e próxima com o governo antes de Bolsonaro, e o desmatamento no Brasil caiu muito sob a presidência de Lula. Depois tivemos a colisão frontal com Bolsonaro, cuja abordagem era diametralmente oposta em termos de desmatamento”, afirmou o ministro norueguês do Meio Ambiente, Espen Barth Eide.

No mesmo dia, o secretário de Estado do Ministério alemão para Cooperação e Desenvolvimento, Jochen Flasbarth, reagiu ao anúncio norueguês em mensagem no Twitter.

“A Alemanha fará o mesmo. O Ministério para Cooperação e Desenvolvimento está pronto para se engajar novamente no Brasil juntamente com nossos colegas noruegueses em apoio ao Fundo Amazônia. A Floresta Amazônica é crucial para manter [a meta de] 1,5 °C ao alcance!”, escreveu, fazendo referência ao limite de aquecimento estabelecido como meta no Acordo de Paris.

Se o Fundo Amazônia for retomado, as verbas poderiam ser usadas para restaurar estruturas de governança ambiental enfraquecidas durante o governo Bolsonaro, afirmou Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, que representa 65 organizações não governamentais ambientalistas do Brasil.

Por exemplo, “o dinheiro deveria ser usado para financiar operações de campo das polícias local e federal para combater crimes ambientais”, como a mineração ilegal e o corte de madeira, disse Astrini.

Em seguida, as transferências de recursos para o fundo devem voltar a ser vinculadas aos resultados apresentados pelo Brasil no combate ao desmatamento, para funcionarem como incentivo para proteger a Amazônia, afirmou Anders Haug Larsen, chefe de políticas públicas da organização Rainforest Foundation Norway.


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