18/05/2024 - Edição 540

Ecologia

Brasil liderou desmatamento de florestas tropicais em 2022

Amazônia em pé vale sete vezes mais que exploração ilimitada

Publicado em 27/06/2023 9:44 - Louise Osborne (DW), DW – Edição Semana On

Divulgação Divulgação TV Brasil

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Enquanto em 2015 o desmatamento no Brasil respondeu por pouco mais de um quarto da devastação de florestas tropicais primárias no mundo, essa parcela saltou para 43% em 2022, segundo relatório da plataforma Global Forest Watch (GFW) divulgado nesta terça-feira (27/06).

Quase 2 milhões de hectares de Floresta Amazônica foram perdidos somente no ano passado, fazendo com que o Brasil fosse de longe o país com maior taxa de perda de florestas tropicais primárias, seguido pela República Democrática do Congo e a Bolívia.

Foi a maior perda de árvores não relacionada a incêndios no Brasil desde 2005, aponta o levantamento da GFW, uma iniciativa da ONG World Resources Institute (WRI).

Após quatro anos de desmonte na proteção ambiental sob o ex-presidente Jair Bolsonaro, Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o poder com a promessa de zerar o desmatamento na Amazônia até 2030.  Uma meta ambiciosa, comenta o pesquisador brasileiro Paulo Massoca, pós-doutorando na Universidade de Indiana Bloomington, onde estuda interações entre o homem e a natureza. “As pessoas estão desmatando para especular e ganhar dinheiro e, infelizmente, ainda hoje não valorizamos os recursos da floresta”, afirma.

Problema global

O desmatamento de florestas tropicais primárias aumentou 10% no mundo em 2022 em relação ao ano anterior, totalizando 4,1 milhões de hectares. Isso equivale a 11 campos de futebol por minuto, segundo o relatório da GFW. E a destruição está tendo um impacto devastador sobre o clima.

Florestas absorvem cerca do dobro de dióxido de carbono (CO2) do que emitem a cada ano. O relatório da GFW dedica-se especialmente a florestas tropicais pelo fato de elas serem as mais ameaçadas mundo afora, além de essenciais para alcançar metas climáticas por absorverem mais CO2 da atmosfera do que outros tipos de matas.

Ao serem destruídas, as florestas primárias liberam muito do CO2 que capturaram de volta para a atmosfera. A perda florestal nos trópicos emitiu 2,7 gigatoneladas de dióxido de carbono somente em 2022, o equivalente às emissões provenientes de combustíveis fósseis geradas pelo país mais populoso do mundo, a Índia, diz o relatório da GFW.

“Desde a virada do século, estamos vendo uma hemorragia dos mais importantes ecossistemas florestais do mundo, apesar de anos de esforços para reverter essa tendência”, afirma Mikaela Weisse, diretora da Global Forest Watch.

“Os dados deste ano mostram que estamos perdendo rapidamente uma das nossas ferramentas mais eficazes para combater as mudanças climáticas, proteger a biodiversidade, a saúde e os meios de subsistência de milhões de pessoas”, acrescenta.

Legado do governo Bolsonaro

A situação é particularmente grave no Brasil. A perda de floresta tropical primária aumentou 15% no país entre 2021 e 2022, o que significa um armazenamento menor de CO2. Uma destruição continuada pode levar a um ponto de não retorno, a partir do qual a maioria do ecossistema amazônico se transformaria numa savana, alerta o relatório da GFW.

Mas essa é uma tendência que, segundo especialistas, pode ser revertida no mandato do presidente Lula.

Nos primeiros cinco meses de 2023, o desmatamento na Amazônia caiu 31% em comparação com o mesmo período do ano passado, segundo dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Não está claro se as taxas de desmatamento continuarão caindo. Mas a bióloga Catarina Jakovac, da Universidade Federal de Santa Catarina, disse que já houve um fortalecimento do Ibama, que faz cumprir as leis ambientais na Amazônia.

“Nos primeiros três meses, já vimos um aumento no número de multas por crimes ambientais expedidas pelo Ibama. Isso é um indício de que Ibama está de volta e agora realmente combatendo o desmatamento. Estamos vendo essas mudanças e espero ver os resultados em breve”, disse ela à DW.

Uma corrida contra o tempo

O presidente Lula tem uma história de sucesso na redução da derrubada de árvores na Amazônia. Durante seu primeiro mandato como presidente, entre 2003 e 2010, as taxas de desmatamento na floresta tropical caíram 80% antes de subir novamente, em 2012, segundo o Inpe.

Entre as medidas implementadas durante o primeiro governo do presidente Lula estão a ampliação de áreas protegidas, a demarcação de terras indígenas e o monitoramento da floresta. Para o cientista ambiental Massoca, o novo governo está se nutrindo da experiência do passado.

“O governo Lula retomou o processo de designação e demarcação de áreas protegidas e terras indígenas, reconhecendo a importância dessas ações para também proteger o meio ambiente e reconhecer os direitos dos povos e a importância das pessoas que vivem na região”, afirma.

Mas é provável que isso demore. Os autores do relatório da GFW alertam que pode não haver progresso visível até pelo menos 2024. Isso dá ao Brasil apenas seis anos para cumprir a promessa feita sob Bolsonaro, e junto com mais de 140 outros países na Cúpula do Clima da ONU em Glasgow, de acabar com o desmatamento global até 2030.

O Brasil enfrenta um enorme desafio. Para a bióloga Jakovac, é importante estabelecer metas ambiciosas. Ela diz que também cabe à comunidade internacional ajudar a atingir a meta de desmatamento zero na floresta tropical mais importante do mundo.

Apesar de 60% da floresta amazônica estar dentro das fronteiras do Brasil, ela é a maior esperança do mundo no combate às mudanças climáticas. E para salvá-la, será necessário um esforço conjunto de países e pessoas ao redor do mundo, com investimentos de toda a comunidade internacional.

“[O Brasil] precisa de mais gente no terreno, precisamos de recursos… E também no papel de consumidora dos produtos que exportamos, a comunidade internacional não pode comprar produtos que vêm de terras desmatadas”, apela.

Amazônia brasileira perdeu 21 árvores por segundo em 2022

Com a destruição de mais de 2 milhões de hectares de floresta no ano passado, o Brasil registrou um aumento de 22,3% nos índices de desmatamento em comparação com 2021. Só na região da Amazônia, o país perdeu 21 árvores a cada segundo.

Contrastando com esse quadro, territórios indígenas e quilombolas – alvos frequentes de disputas fundiárias e da cobiça de criminosos – seguem sendo as áreas mais bem preservadas do país, respondendo por 1,4% do total desmatado em 2022.

Já o agronegócio figura no outro extremo: com 95,7% de toda a área desmatada no ano passado, o setor figura mais uma vez como o principal vetor do desmatamento no país. Contudo, só uma parcela ínfima de propriedades rurais oficialmente cadastradas (1,1%) foi responsável por 84% do total destruído no período.

Os dados são do MapBiomas, uma iniciativa do Observatório do Clima que reúne acadêmicos, ONGs e empresas de tecnologia, e foram revelados nesta segunda-feira (12/06) pelo jornal O Estado de S.Paulo. O grupo monitora o desmatamento em todos os biomas brasileiros desde 2019 a partir da análise de imagens de satélite.

Ainda segundo o relatório, foram reportados nesses quatro anos mais de 300 mil eventos de desmatamento, e o Brasil perdeu um total de 6,6 milhões de hectares – mais do que o território inteiro do estado do Rio de Janeiro (4,4 milhões de hectares) –, tendo 2022 sido o pior ano da série.

No ano passado, o grosso do desmatamento (90,1%) esteve concentrado nos biomas da Amazônia e do Cerrado. Pela metodologia do MapBiomas, a Mata Atlântica foi o único bioma que não registrou piora – dados da SOS Mata Atlântica e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgados no final de maio, contudo, apontam em direção contrária.

O relatório divulgado nesta segunda aponta ainda o papel de outros setores no desmatamento, como o garimpo – que, apesar de responder por uma área ínfima (quase 6 mil hectares), tem alto impacto ambiental pela contaminação das águas e proliferação de doenças – e a geração de energia solar (1 mil hectare) e eólica (3,2 mil hectares).

Ainda segundo o MapBiomas, a fiscalização de Ibama e ICMBio não tem dado conta da devastação – até maio deste ano, as ações de autuação e embargo alcançaram apenas 2,4% dos alertas de desmatamento e 10,2% da área desmatada identificada entre 2019 e 2022.

Amazônia em pé vale sete vezes mais que exploração ilimitada

O valor da Floresta Amazônica preservada supera em até sete vezes os lucros potencialmente obtidos por meio de diferentes formas de exploração econômica privada na região que envolvam desmatamento, como agricultura extensiva, exploração madeireira ou mineração.

A estimativa foi divulgada nesta terça-feira (09/05) pelo Banco Mundial, que defende uma revisão do modelo de crescimento da Amazônia a fim de possibilitar uma maior proteção da floresta e da biodiversidade.

Intitulado Equilíbrio Delicado para a Amazônia Legal Brasileira: Um Memorando Econômico

, o documento calcula que a floresta preservada vale, ao menos, 317 bilhões de dólares (cerca de R$ 1,5 trilhão) por ano.

O chamado valor da floresta em pé refere-se ao valor criado pelo armazenamento de carbono, pelo regime de chuvas que beneficia a agricultura no continente, por recursos da biodiversidade que possam ter aplicações farmacêuticas e por serviços que não envolvam desmatamento, como extração sustentável e turismo, entre outros.

Floresta em pé versus floresta desmatada

O maior valor anual criado pela preservação da floresta é o armazenamento de carbono, estimado pelo estudo em 210 bilhões de dólares. Essa estimativa considera que a Amazônia estoca no mínimo 500 toneladas de CO2 por hectare e que o preço internacional do carbono gira atualmente, em uma estimativa conservadora, em 40 dólares por tonelada de CO2, e aplica uma taxa de retorno anual de 3% pela armazenagem do carbono no solo.

Em seguida, está o valor de existência da floresta e de sua biodiversidade, de 65 bilhões de dólares, calculado a partir de pesquisas de opinião em diversos países sobre o valor que as pessoas atribuem a esse bem. Em terceiro estão os serviços ambientais promovidos pela floresta, como regulação hídrica – incluindo os rios voadores –, regulação do clima regional e proteção contra incêndio, de 12,5 bilhões de dólares. Em quarto vem o valor dos recursos genéticos na floresta que possam ter aplicações farmacêuticas, em 10 bilhões de dólares. Também entram nessa conta a exploração sustentável de produtos não madeireiros, como borracha, castanha-do-brasil e outros, no valor de 8,7 bilhões de dólares.

Por outro lado, a derrubada de 20% a 35% da Floresta Amazônica para a exploração agropecuária renderia lucros de 25 a 75 bilhões de dólares por ano – essa estimativa leva em conta que grande parte da floresta não seria adequada para a produção agrícola, e o próprio relatório ressalva que o valor pode estar exagerado.

A extração de madeira não sustentável renderia lucros anuais de 10 a 15 bilhões de dólares e, a mineração, de 8 bilhões de dólares. Somadas, essas três frentes de exploração poderiam render lucros de 43 a 98 bilhões de dólares por ano.

Risco de ponto de inflexão

Elaborado ao longo de três anos, o material diz ainda que o aumento de renda da população da Amazônia Legal tem relação direta com uma maior proteção da floresta, modos de vida tradicionais e redução do desmatamento. Para tanto, o documento destaca a necessidade de fomentar um maior crescimento da produtividade, tanto no Brasil quanto nos estados amazônicos.

“Esse modelo [de exploração] contrapõe as pessoas à natureza, destruindo muito mais riquezas do que cria. Esse modelo continua a aproximar a Amazônia de um ponto de inflexão, após o qual a floresta perderá a capacidade de gerar chuvas suficientes para se sustentar e também não oferece muitos benefícios aos 28 milhões de residentes da Amazônia Legal”, afirmou o diretor do Banco Mundial para o Brasil, Johannes Zutt, ao jornal O Estado de São Paulo.

Para o banco, esse aumento da produtividade nas áreas rurais e urbanas exigirá uma transformação estrutural. O estudo defende que a redução da pobreza na região deve estar atrelada a um modelo de desenvolvimento que não se apoie apenas na extração de recursos naturais.

“O sucesso de longo prazo no combate ao desmatamento exigirá uma transformação estrutural mais ampla da economia, que reduza o foco na fronteira agrícola, por meio do fortalecimento dos setores de manufatura e serviços”, disse Zutt, durante a apresentação do documento.

A Amazônia Legal brasileira compreende nove estados, entre os quais alguns dos mais pobres do país. O vasto território de 502 milhões de hectares é maior em área que a União Europeia (UE) e é o lar de 28 milhões de brasileiros. A região abriga ainda cerca de 60% da Floresta Amazônica e também partes de outros biomas importantes, como o Cerrado e o Pantanal.


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